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O Eternauta: personagem de Héctor Oesterheld inaugurou a ligação entre ciências e quadrinhos na Argentina
Bioquímica e escritora, Paula Bombara foi convidada a dar uma palestra para docentes do nível fundamental na Feira do Livro de Buenos Aires em 2009. No evento, ela convidou as professoras a usarem desenhos em quadrinhos para lançar temas científicos. No final da conferência, uma delas perguntou se ela tinha escrito algum livro sobre esses assuntos. A resposta: “Não”. A ideia, porém, continuou dando voltas na cabeça de Bombara até que ela perguntou ao professor e biólogo Diego Golombek se ele poderia ser o foco de um livro para a coleção Ciencia que Ladra da editora Siglo XXI. A resposta: “Sim”. Foi o tempo de encontrar um companheiro de equipe. Rapidamente surgiu o nome do jornalista Andrés Valenzuela, especializado em desenhos animados, conhecido de muito tempo. Outro sim. Resultado: o livro “Ciencia y superhéroes: experimentos, hipótesis, héroes y villanos, ¡al infinito y más allá!” (Ciência e super-heróis: experiências, hipóteses e vilões, ao infinito e além!”, em tradução livre).
O livro aborda como os universos da ciência e as revistas em quadrinhos se inspiraram e se anteciparam mutuamente. Durante a leitura, compreende-se que o vínculo foi se estreitando com os anos e que hoje se exige maior rigor científico no campo das histórias em quadrinhos. “Há mais acesso ao fazer científico e para o roteirista de quadrinhos, assim como para o escritor de histórias de ficção, é bastante tentador construir a verossimilhança dessas histórias alicerçando-a com ‘dados corretos, científicos’. Além disso, os autores encontram mais informação, divulgada com termos compreensíveis, sem sair de casa, com apenas alguns cliques”, explica Bombara. Ela assinala, no entanto, que o leitor também conta com esse poder de acesso à informação, ou seja, que exige explicações que possa verificar.
O cineasta chileno Patricio Guzmán, no seu documentário “Mi Julio Verne”, entrevistou cientistas de diferentes disciplinas que lembravam como o escritor francês os tinha inspirado para se dedicar à pesquisa. Isso também acontece no caso de quadrinhos? “Acredito que todo material cultural que consumimos diariamente repercute no trabalho criativo (e o trabalho dos cientistas é uma tarefa que demanda muita criatividade). Sim, eu sei que eles deram o nome de personagens de histórias em quadrinhos a teorias, corpos celestes”, observa a escritora e cita um exemplo próximo: o segundo nanossatélite argentino, lançado no final de 2013, chama-se Manolito [personagem das tirinhas “Mafalda”do argentino Quino] !
Maximiliano Luna
Os autores Paula Bombara e Andrés Valenzuela: livro atesta omaior rigor científico no campo dos quadrinhos
X-Men
O livro chega em pleno ressurgimento da figura dos super-heróis, expresso especialmente no cinema da última década. Por que estamos diante desse novo auge? “São formas pelas quais tentamos entender o mundo e mudá-lo. Continuam vigentes porque continuam falando de nós, da mesma forma que o teatro ou a literatura”, responde Valenzuela e cita um exemplo: os X-Men. Esses personagens foram criados por Stan Lee e Jack Kirby, em 1963, e seus filmes estão em seu melhor momento. “Além da parafernália dos poderes e o discurso sobre genética, é a história de um grupo de tipos discriminados pela sociedade. E essa segregação das minorias ainda perdura”, afirma.
Surge, então uma última pergunta: existe alguma particularidade na relação entre ciência e super-heróis que caracteriza os quadrinistas argentinos? Pouco profusa na hora de criar super-heróis, a Argentina conta, no entanto, com um caso emblemático: “El Eternauta” [ história em quadrinhos de ficção científica escrita pelo geólogo e quadrinista Héctor Germán Oesterheld, ilustrada por Francisco Solano López. Foi publicada pela primeira vez na revista “Hora Cero Semanal”, entre 1957 e 1959]. Valenzuela explica que, junto às razões pelas quais costuma destacar, Héctor Germán Oesterheld contava com um plus: seus estudos em geologia. “Suas referências científicas se correspondem como conhecimento da época”, relembra. E traz outro dado:Carlos Trillo e Carlos Meglia se anteciparam com seu Cybersix três anos à clonagem da ovelha Dolly.
Com mais acesso à informação, o leitor de histórias em quadrinhos exige maior rigor científico e não aceita justificativas mágicas, concordam Bombara e Valenzuela.
Tradução Mari-Jô Zilveti
* Texto publicado originalmente na revista Debate, publicação argentina impressa e eletrônica com foco em política, economia e cultura.
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