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Destaque aos antioxidantes: em doses excessivas podem acelerar o crescimento de alguns tumores
O poder de uma boa história é, algumas vezes, um dos maiores obstáculos para se aproximar da verdade. Essas simples histórias, com o bem e o mal separados, nas quais tudo parece se encaixar dentro do sentido comum, são muito atraentes, mas com frequência afastam-se de uma realidade complexa. Uma dessas boas histórias, bem sucedida em nossas ideias sobre saúde, começou nos anos 1950.Naquela época, Denham Harman, cientista da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos), afirmou que a causa do envelhecimento precoce eram os radicais livres, um tipo de composto que oxidava o organismo. O óxido, que aparentemente acumulava-se nos vasos velhos e os deteriorava, também era culpado pelas doenças da terceira idade nos seres humanos. Tudo batia.
Tal teoria justificava-se pela observação, por exemplo, de como os raios X ou as bombas nucelares, que são muito nocivas para as células, desencadeavam a produção de radicais livres no organismo. Além disso, sabia-se que os radicais livres e o dano celular aumentavam com a idade. Para contrariar esse efeito de oxidação dos radicais livres, deu-se destaque aos antioxidantes, depois de alguns estudos indicarem que refeições ricas desses elementos podiam ajudar a reduzir os efeitos da radiação. Durante muito tempo, a ideia de que algumas substâncias poderiam aliviar a oxidação que o tempo produz sobre o corpo, envelhecendo-o, foi aceita. A realidade, como comprovaram vários pesquisadores que trataram de checar a teoria de Harman, não era tão simples.
No início de fevereiro, um estudo publicado na revista “Science Translational Medicine” indicava que, para alguns indivíduos com hábitos de risco como fumar, o consumo de suplementos antioxidantes podia acelerar o desenvolvimento de câncer no pulmão. Esse resultado, obtido em ratos, apoia outros anteriores com efeitos semelhantes e indica que alguns antioxidantes, como a vitamina E, podem ser nocivos em determinados casos. “Tomar antioxidantes extras pode ser prejudicial e acelerar o crescimento de alguns tumores”, afirma Martin Bergo,da Universidade de Gotemburgo. “Se eu tivesse um paciente com câncer de pulmão, não lhe recomendaria tomar um antioxidante.”
Efeitos positivos
O resultado não significa, no entanto, que você tenha de deixar de comer alimentos ricos em antioxidantes como frutas ou verduras. “O efeito protetor dos antioxidantes dos alimentos é real”, afirma Irene Bretón, membro da Divisão de Nutrição da Sociedade Espanhola de Endocrinologia e Nutrição (SEEN). No entanto, “é preciso afastar a ideia de que os radicais livres e o sistema oxidante são intrinsecamente ruins”, acrescenta. “Os mecanismos oxidantes são uteis para o corpo lutar contra germes e bactérias ou, inclusive, contra a aparição de algumas células tumorais em momentos específicos”, assinala.
Os efeitos positivos da oxidação já tinham sido detectados por pesquisadores desde os anos 1970. As experiências realizadas naquela época não encontraram um vínculo entre o aumento dos níveis de antioxidantes e o aumento da expectativa de vida nos animais utilizados como modelo. A partir dos anos 1990, a possibilidade de manipular os genomas nos animais permitiu trocar a quantidade de enzimas antioxidantes que produziam e comprovar com mais precisão o efeito desses elementos sobre a expectativa de vida. Experiências como as de Arlan Richardson, do Instituto Barshop para o Estudo de Longevidade e Envelhecimento da Universidade do Texas, não encontraram essa relação. Isso não impede que nas farmácias e drogarias de fitoterápicos remédios antioxidantes, que prometem acabar com o envelhecimento, continuem a ser encontrados.
“O ponto de partida para compreender esse problema é saber do que estamos falando”, explica Juan Carlos Espín, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Qualidade, Segurança e Bioatividade de Alimentos Vegetais do CEBAS-CSIC (Conselho Superior de Investigação Científica, em Múrcia, Espanha). A respeito do trabalho dos pesquisadores suecos assinala que “fala de antioxidantes de mecanismos muito diferentes, um é uma vitamina e o outro um aminoácido modificado, que não têm nada a ver”. Sobre o que se conhece como antioxidante, esclarece que “são milhares de moléculas de estruturas muito diversas, de atividades antioxidantes muito diversas”.
David Prasad
Farmácias e lojas de fitoterápicos promovem produtos antioxidantes que prometem acabar com o envelhecimento
Dose excessiva
Espín é um dos pais do Revidox, um dos fármacos mais conhecidos ao qual se atribui a capacidade de frear o envelhecimento. É frequente encontrar esse medicamento, produzido a partir da uva, sob a etiqueta de antioxidante. No entanto, como explica o professor pesquisador do CSIC, “o resveratrol [o princípio ativo do Revidox] é uma molécula que como antioxidante é muito medíocre”. Sua forma de atuar ocorre a partir de “efeitos fundamentalmente anti-inflamatórios”, acrescenta.
“O termo antioxidante está superexplorado comercialmente e com quase nenhuma evidência científica”, opina Espín. “Muitas atividades antioxidantes são comprovadas em provetas, empregando modelos, porém depois de ingeridas, essas moléculas transformam-se e podem ter outros efeitos que não sejam antioxidantes”, conclui. Alguns estudos mostraram que a absorção dos antioxidantes que são encontrados no chá verde ou no vinho, por exemplo, depende do equilíbrio de açúcar, gorduras e etanol que os acompanha no seu trajeto até o intestino delgado.
“Há uma infinidade de nuances”, continua Espín. “Há alguns anos, na prevenção cardiovascular, pensava-se que os suplementos antioxidantes podiam ajudar, porém esse boom já passou”, destaca. “No câncer, há tantos processos que levam à doença, entre eles um que é o estresse oxidante”, acrescenta. Por esse motivo, “comprova-se o uso de antioxidantes em uma quantidade elevada para uma possível prevenção”, indica. No entanto, “fizemos testes em camundongos, aos quais demos excesso de antioxidantes que acabou por promover tumores”. Para complicar ainda mais a situação, uma das estratégias empregadas na quimioterapia é a aplicação de fármacos que provocam espécies reativas, que fomentam a oxidação no entorno do tumor para atacá-lo. E a administração de antioxidantes pode interferir no tratamento.
Em resumo, Espín considera que o termo antioxidante “precisa ser redefinido” para que não sejam colocados no mesmo saco diferentes tipos de moléculas. Além disso, o pesquisador lembra que “o excesso do bom”, como uma dose excessiva de resveratrol, “também pode ser ruim”. “O que é preciso fazer é ter uma dose equilibrada, variada e ponto final”, conclui.
Tradução Mari-Jô Zilveti
Texto orginalmente publicado em Materia, site espanhol de informações científicas
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