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Festa em Damasco em 2008: evento em comemoração da cidade como “capital árabe da cultura” estimulou o interesse por apresentações culturais
Desde o início da crise na Síria, a capital do país tem vivenciado o florescimento de um tipo único de cena cultural. Iniciativas individuais e coletivas que as autoridades antes mantinham sob rígido controle encontram agora uma liberdade inusitada. Performances musicais, peças e sessões de leitura de poesia estão por toda a parte, em todos os cantos de Damasco. Essa é uma luzinha de esperança em uma cidade cercada de violência e miséria.
A vida nas ruas de Damasco tem a aparência de normalidade. Sua população tem sido capaz de lidar com os combates que ocorrem ao redor da cidade. O som de bombas caindo nos arredores da capital tornou-se um fundo sonoro das vidas cotidianas dos damascenos, os quais, ao longo de três anos, conseguiram se adaptar à nova realidade, apesar de sua crueldade, e tirar proveito de seus efeitos para criar um cenário cultural impressionante, quase inexistente antes da crise.
Em 2008, Damasco foi escolhida como a Capital Árabe da Cultura. Durante aquele período, a Síria testemunhou atividades artísticas e culturais sem precedentes. Depois disso, intelectuais e artistas na Síria pediram a repetição da experiência e que ela se tornasse permanente, em vez de um evento único de um momento.
No entanto, aquelas vozes e as que as apoiaram nada conseguiram, a não ser decepção. Seguidos governos sírios ignoraram repetidamente os mais básicos requisitos para uma vida cultural em um país, tais como prover um número suficiente de espaços e locais de encontro para acomodar os projetos nascentes que proliferavam e, no mínimo, precisavam de áreas decentes para expor sua produção.
Fome de arte
A mais antiga cidade do mundo só pode orgulhar-se de ter três teatros e dois cinemas, um dos quais – Cinema Citi, na Al-Thawara Street – fechou recentemente. Se perguntarmos pelas razões por que o Ministério da Cultura não vem tentando buscar soluções efetivas para esse tipo de problema, geralmente é dada a mesma resposta: que o orçamento do ministério é muito limitado, e não excede 1,4 por cento do orçamento do Estado.
Embora essa cifra a princípio pareça deprimente, perde sentido como desculpa quando descobrimos que essa é a norma em toda a parte. Assim sendo, a busca por uma resposta mais lógica e razoável para nossa velha pergunta continua.
Sem dúvida, as batalhas violentas na periferia de Damasco forçaram os moradores a viver em condições difíceis. Mas, apesar da crise em curso, há também um lado bom, embora possa ser limitado.
Um exemplo é que o cenário cultural, que estava em decadência havia quase uma década, não está mais em estagnação. As pessoas familiarizadas com a situação em Damasco concordam que a vida intelectual na cidade prosperou notavelmente no último ano, com muitas iniciativas artísticas e culturais se materializando.
Algumas pessoas atuantes na cena cultural atribuem isso à preocupação dos serviços de segurança com questões de segurança nacional. No passado, esses órgãos impunham estritos controles sobre quaisquer atividades ou eventos dentro da província. Sessões de leitura de poesia, exposições de arte, peças de teatro, concertos e salões de literatura precisavam de permissão e aprovação prévia.
Hoje, o ambiente parece mais positivo. Raramente se passa um dia na cidade sem algum tipo de iniciativa, atividade ou evento cultural, os quais são “improvisados” – já que todos eles parecem não ter sido produto de meticuloso planejamento. Eles nascem da crença de seus organizadores na vontade de viver, de triunfar sobre os horrores da guerra, e em sua confiança em que há uma grande fome de arte entre as pessoas cansadas da incessante violência.
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Reprodução Facebook
Orquestra Nacional de Música Árabe em apresentação na Ópera de Damasco: acredita-se que o conflito desviou a atenção das forças de segurança das atividades culturais
Performances
Sites de mídia social estão agora repletos de convites públicos para uma quantidade impressionante de atividades culturais em Damasco. A primeira foi um evento de poesia intitulado Poesia e Vinho, em um antigo pub de Damasco, organizado por Ahmed Kanaan, que se inspirou em uma iniciativa com o mesmo nome em um bar de Beirute.
Isso rapidamente deu a largada para uma série de eventos semanais parecidos, incluindo o Fórum Cultural Sehnaya, de Adnan al-Azrouni, e o encontro Luzes da Cidade, de Omar al-Sheikh, que se realiza em um café no distrito de Bab Sharqi.
Outros eventos dignos de crédito incluem leitura de peças por Kifah al-Khoss com colegas do Instituto Superior de Arte Dramática em um café em Bab Touma; e performances de rua realizadas por Nagham Naessa, chamadas Projeto Wamda. O último se tornou uma das fontes de alegria nas ruas da cidade para os pedestres que tenham a sorte de trombar com uma das performances.
Os damascenos têm sido capazes de criar um cenário cultural sofisticado durante a crise ao mesmo tempo em que lidam com os antigos problemas da cultura no país, anteriores aos três anos de conflito. Enquanto se espera o fim da guerra, que continua, parece que existem ainda pessoas em Damasco que acreditam na vida, e que ela deve continuar.
Iniciativas
À medida que a crise síria se intensificava, a vida ficava mais difícil e as esperanças começavam a desvanece. a jovem atriz Nagham Naessa lançou o projeto Wamda, em colaboração com o músico Ari Sarhan, em 2013. O projeto apresenta famosas canções sírias interpretadas em praças, mercados e ruas de Damasco.
Enquanto os participantes cantam, Naessa documenta com uma câmera de vídeo as reações espontâneas dos pedestres. A banda já visitou muitas ruas no bairro de Salihiya e na velha Damasco, e vídeos das performances podem ser vistos no YouTube.
Em uma entrevista anterior ao Al-Akhbar, Naessa disse que pretendia promover eventos instantâneos nas ruelas da cidade velha, hospitais, ônibus e outros lugares inesperados, enfatizando que o projeto não recebe nenhuma ajuda financeira ou apoio de órgãos da mídia.
Tradução Maria Teresa de Souza
Texto originalmente publicado na edição em árabe da Al-Akhbar, publicação eletrônica libanesa com foco em notícias e análises sobre países do Oriente Médio, com versão em inglês.