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A escritora finlandesa Sofi Oksanen, autora de “Puhdistus” (2008), traduzido e publicado na Espanha como “Purga”
Se o leitor espanhol sabe quem é a finlandesa Sofi Oksanen, os noruegueses Dag Solstad e Herbjorg Wassmo, ou boa parte do recente boom de escritores nórdicos de romances policiais, não se deve apenas ao bom olho dos editores da Espanha. Por trás da publicação desses livros em espanhol, em crescimento desde o alarde causado pela trilogia “Millennium” de Stieg Larsson no fim da década passada, estão instituições desses países que subsidiam boa parte da produção dos livros, desde a edição até a tradução ou o marketing. Sem incentivos, não há escritores estrangeiros.
2010 foi o ponto de inflexão. Larsson desfrutava de sua época dourada, e as livrarias estavam repletas de autores procedentes de países nórdicos. Como se comenta na livraria especializada Tierra de Fuego, naquele ano foram publicados cerca de 710 títulos de escritores nórdicos. Número distante dos 220 que foram lançados em meados dos anos 1990. 2010 também foi o ano em que a Feira do Livro na Espanha teve países convidados como Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Islândia. Nos dias de hoje, a cifra se mantém com 740 títulos publicados, dos quais apenas 220 são do gênero romance policial.
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Também é certo que esse aumento teve muito a ver com o sucesso entre os leitores. É o que afirma Diego Moreno, da Nórdica, editora especializada nesse tipo de autor: “Há mais títulos porque eles vendem; caso contrário, seria a nossa falência”. No entanto ele também é consciente da importância dos incentivos: “Está claro que isso ajudou”. Opinião à qual também se soma Lengua de Trapo, editora do escritor norueguês Dag Solstad.
“Sempre ajudam, é claro. As verbas destinadas à tradução são muito boas e subsidiam as viagens do escritor, a hospedagem e também a contratação de tradutores. É bom lembrar que as traduções desses idiomas são caras. Um romance de 250 páginas pode custar quatro mil euros”, argumenta Ignacio Cánovas, editor do selo. Muito mais caras do que um romance em inglês ou em francês, “porque para esses idiomas há muitíssimos tradutores”.
Entre as instituições, há a NORLA, da Noruega, FILI, da Finlândia e a Agência Dinamarquesa das Artes. E entre os dados que elas reúnem há vários que merecem destaque. Por exemplo, a Dinamarca gasta entre 300 e 350 mil euros em incentivos para a tradução de seus livros. A Finlândia, apesar de não traduzir muitos livros para o espanhol, alocou um aporte de 9.470 euros para cinco livros.
“Nós damos subsídio para tradução, edição, impressão, marketing e viagens a partir da Finlândia. Também permitimos amostras de tradução de várias páginas e inclusive as financiamos, mesmo que o livro não chegue a ser publicado. Por dez páginas pagamos 300 euros e caso se trate da edição de um gibi, mil euros”, confirma Luisa Gutiérrez, do Instituto Ibero-americano da Finlândia. Na mesma linha trabalha a ORLA, que subsidia o custo da tradução em 60%, além das viagens, e a Agência Dinamarquesa, que chega a pagar mil euros pela edição de um livro.
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Essas instituições reconhecem que, paradoxalmente, apesar de os subsídios terem diminuído nos últimos anos – antes era praxe cobrir 100% da tradução – a demanda aumenta cada vez mais. “Tivemos um aumento de 75% nas publicações”, afirma Luisa Gutiérrez. “Estamos observando que ainda há interesse pelos países nórdicos porque há alguns subsídios que outros países não dão”, afirma Sarah Bogantes, da Embaixada da Dinamarca. Daí surgirem pequenos selos como El desvelo, da Cantábria, província no norte da Espanha, que acrescentou a seu catálogo autores como o finlandês Jari Ehrnrooth com seu romance “Más cerca que cerca” [“Mais perto que perto”, em tradução livre].
No portal da UNESCO é possível encontrar todas as instituições que oferecem subsídios para traduções de livros. No entanto, nem todas ajudam da mesma forma. Como comenta Ignacio Cánovas, da livraria Lengua de Trapo, “na Alemanha os subsídios estão em cerca de 50%, como na França, e para o inglês não há nada; apenas a Irlanda fornece alguns recursos”.
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Outro país que se empenha para que seus autores cheguem a todos os países do mundo é a Rússia. James Womack, responsável pela editora Nevski Prospect, sabe muito bem como funcionam os órgãos russos de ajuda à literatura. Segundo relata, lá existem dois tipos de subsídio: o público, originariamente do Instituto Perevoda, e o privado, nas mãos de um instituto que pertence à família do oligarca Mikhail Projorov.
“Os subsídios públicos são solicitados mediante concurso público, e apesar de nem sempre cobrirem 100% do livro, costumam ser muito generosos. Para um romance, eles podem estar entre dois mil e cinco mil euros”, comenta Womack. De fato, um de seus livros mais recentes, a nova edição de “O mestre e Margarida”, de Mikhail Bulgákov, contou com recursos do Instituto Perevoda, apesar de o editor constatar que sem esses subsídios “teríamos editado o livro da mesma forma, já que temos sob controle as margens de lucro”.
Nesse ponto, abre-se uma interrogação: esses financiamentos são absolutamente necessários? Haveria autores que a Espanha nunca teria conhecido sem esses recursos? “São muito úteis, mas não sei se são fundamentais”, constata Womack. No entanto, o editor reconhece que, para alguns autores, eles podem ser quase imprescindíveis. “Temos a editora há cinco anos e durante os primeiros anos não tivemos subsídios. Esses recursos permitiram que pudéssemos pagar os direitos autorais de autores vivos e publicá-los. O que podemos fazer com os recursos é tentar ampliar o conhecimento do que é a literatura russa”, explica.
Johannes Jansson/norden.org / Divulgação
A escritora norueguesa Herbjorg Wassmo, e um de seus livros publicados na Espanha pela editora Nórdica
E dá como exemplo o caso da russa Anna Starobinets, escritora de contos fantásticos e de terror, cuja obra seria muito difícil publicar sem esses recursos. Assim como Rikka Pulkkinen, escritora finlandesa destinada a suceder Oksanen, da qual a editora Salamandra publicou seu romance “La verdad”.
O caso da Espanha, por outro lado, é bastante eloquente com relação aos cortes nos orçamentos culturais. Segundo dados da Secretaria de Estado da Cultura para recursos e subsídios para tradução e edição em idiomas estrangeiros, entre 2011 e 2013 houve uma queda de 77%. De 868 mil euros destinados em 2011, em 2013 a cifra registrada foi de 200 mil euros. E que livros podemos encontrar entre os que foram traduzidos com recursos? Na maioria, clássicos como “Dom Quixote”, “Doña Perfecta”, de Benito Pérez Galdós, “El príncipe destronado”, de Miguel Delibes, ou “Los cuatro jinetes del apocalípsis”, de Blasco Ibáñez.
Também há um “El país del miedo”, de Isaac Rosa (para a editora francesa Christian Bourgois, com recursos de 6.280 euros), um “2666”, de Roberto Bolaño (para a norueguesa Cappelen Damm, cujos recursos foram de 16 mil euros), e “Pornotopia: Arquitectura y sexualidad en 'Playboy' durante la guerra fria”, de Beatriz Preciado (para a alemã Klaus Wagenbach, com subsídios de 4.180 euros), porém são oásis no deserto. Praticamente como acontecia com os nórdicos antes de 2010.
“Antes costumava-se publicar os clássicos, mas agora há de tudo”, destaca Lotte Katrine Tollefsen, da Embaixada da Noruega. O sueco Stieg Larsson teve boa parte de culpa nesse “boom” do norte, mas a mão das instituições também. E agora parecem ter chegado para ficar.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Matéria publicada originalmente no El Diario, site de notícias espanhol que cobre política, economia e sociedade.