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Ligar a cafeteira. Muita gente faz isso logo depois de acordar, com a sensação de não poder enfrentar o dia sem uma dose matutina de cafeína.
No organismo ainda circula uma grande quantidade de melatonina, o hormônio que controla o ciclo circadiano, que provoca o sono e que leva cerca de oito horas para ser absorvido. O ritmo frenético a que nos submetemos faz com que dormir muitas horas seja um prazer reservado para os fins de semana, e para anular o efeito da melatonina, o café nos dá o impulso de que precisamos antes de sair de casa.
O café, porém, não é apenas um impulso de energia. Para muitos, ele se converteu em uma das bebidas mais prazerosas, e isso não é casual. Para chegar a seu sabor, o café passa por um complexo processo que vai desde a plantação e colheita do grão verde até a preparação e posterior ingestão e metabolização que sofre em nosso organismo.
Das 66 espécies de plantas de café, há duas que se destacam comercialmente: a arábica, que responde a dois terços da produção mundial, e a robusta, que equivale a um terço do total.
A variedade robusta produz um café com um corpo substancial e um aroma duro e de terra. O conteúdo em cafeína pode ser relativamente alto, correspondendo entre 2,4% e 2,8% do peso. Apesar de ser amplamente distribuída, a robusta não é o café de melhor qualidade.
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Mulher colhe café em Bugesera, Uganda
A espécie arábica, originalmente da Etiópia, exige um clima temperado e alguns cuidados. O café desta espécie tem aroma intenso com reminiscências de flores, frutas, mel, chocolate, caramelo ou um pão torrado. A quantidade de cafeína costuma superar 1,5% de seu peso. Por sua qualidade superior, o preço do produto também é mais elevado do que a variedade robusta.
O processamento do café somente deve ser realizado logo após a colheita para evitar que o grão verde estrague. O primeiro passo é secar os grãos ao sol. Inicialmente eles contêm 65% de água, e depois de secos, a quantidade é reduzida entre 10% e 12%.
Assim que os grãos estão secos, extrai-se a casca com uma máquina que os deixa prontos para serem embalados. Por meio de técnicas baseadas em fluorescência ultravioleta, os grãos de baixa qualidade ou com imperfeições são descartados automaticamente. Apenas um grão em mau estado pode estragar toda a mistura.
Uma vez selecionado, o grão passa para outra etapa importante do processo para conseguir o aroma e sabor característicos do café: a torrefação ou torra. A torra do café é um processo pirolítico que aumenta a complexidade química do café.
O aroma do café verde contém umas 250 variedades diferentes de moléculas voláteis, e logo após a torra, essa cifra se triplica. A torrefação elimina os vestígios de água que permanecem no grão do café e ativa toda uma variedade de reações entre açúcares, proteínas, lipídios e minerais.
Em uma temperatura variando entre 185 e 240 graus centígrados, os açúcares se combinam com os aminoácidos, peptídeos e proteínas, continuando com o processo de caramelização, conhecido como a reação de Maillard, o mesmo que transforma o vermelho da carne crua no marrom do churrasco.
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Os grãos do café após a torra
O resultado desta reação é a cor amarronzada e com um sabor agridoce composto por glicosilamina e melanoidina, que proporcionam o sabor característico do café. Por sua vez, uma grande quantidade de moléculas voláteis emerge, criando o característico aroma.
Ao aquecê-lo, a pressão de cada grão de café pode atingir as 25 atmosferas à medida que o dióxido de carbono contido em seu interior tenta escapar. Alguns dos grãos podem chegar inclusive a explodir, criando um característico “pop” parecido com as pipocas do milho. Durante a torrefação, o volume do grão aumenta em 50%, enquanto seu peso se reduz em uma quinta parte.
Dependendo da temperatura, a torra pode durar entre 90 segundos a 40 minutos. Um tempo curto precisa de uma temperatura elevada, dando lugar a um sabor bem mais amargo devido ao polifenol. Torrefações maiores são usadas com variedades de menor qualidade, deixando escapar o sabor. Quanto mais alta a temperatura da torra, mais amargo será o resultado. Temperaturas baixas, no entanto, não chegam a desencadear as reações que dão lugar ao sabor próprio do café, e o resultado tende a ser ácido.
Já temos o café na cafeteira devidamente moído. Para extrair os componentes, o que fazemos é passar água quente pelo pó do café a uma pressão de aproximadamente nove atmosferas e uma temperatura entre 92 e 94 graus centígrados. Quando o pó do café se comprime na cafeteira, as partículas se mantêm unidas graças a uma substância oleosa, e entre elas ficam alguns espaços de ar.
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Máquina de espresso preparando o café
Alguns experimentos demonstraram que a pressão à qual o café triturado deve ser submetido tem de ser ligeiramente menor do que a pressão da água de forma que a mistura final flua em um ritmo de um mililitro por segundo. Trinta segundos de percolação (processo de fazer passar a água entre as partículas de café) dão como resultado um denso café de uns 30 mililitros, com a correspondente espuma.
Uma das consequências mais notáveis do café, além do prazer de sua ingestão, são os efeitos que ele provoca no organismo. O primeiro, e a razão pela qual muita gente “precisa” deste café matutino, é o de acordarmos. Porém o excesso de cafeína pode ter um efeito negativo. Por trás de cada um desses efeitos, há um sem fim de reações químicas implicadas.
A melatonina é o hormônio que controla o ciclo dia/noite, também conhecido como ciclo circadiano. Ela é a responsável pelo fato de uma determinada hora da noite sentirmos sono. A concentração deste hormônio no corpo começa a se reduzir depois de cerca de oito horas de sono.
Em geral, dormimos menos horas do que o recomendado, ou seja, quando acordamos, nosso organismo ainda não teve tempo de absorver toda a melatonina. A cafeína suprime a melatonina, fazendo com que nos sintamos mais acordados. O problema é que a falta de melatonina pode provocar insônia, principalmente se você ingeriu café poucas horas antes de dormir.
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A cafeína é uma molécula muito parecida com a adenosina, uma substância que se encontra no cérebro e que nos protege, reduzindo sua atividade nervosa, quando nos sentimos cansados. Por ter uma estrutura parecida, a cafeína se insere nos receptores da adenosina, bloqueando dessa forma sua entrada e deixando-nos sem a sua proteção. O resultado: a atividade nervosa é incrementada e nos mantém alerta e estimulados. No entanto uma privação prolongada da adenosina pode ter efeitos negativos no cérebro.
No fígado, a cafeína pode se romper em três moléculas diferentes: a paraxantina, a teobromina e a teofilina. A paraxantina melhora o rendimento atlético enviando gordura aos músculos como fonte de energia. A teobromina aumenta os níveis de oxigênio e nutrientes do cérebro. Finalmente, a teofilina aumenta o ritmo cardíaco, a força de contração do coração.
Mas, então, qual é a quantidade máxima de cafeína diária recomendada? Para os adolescentes, em média 200 a 300 miligramas, porção presente em cerca de três latinhas de energético. Para os adultos, algo em torno de 400 miligramas, o equivalente a quatro xícaras de café. A recomendação, no entanto, depende do metabolismo de cada um.
Uma superdose de cafeína tem um efeito semelhante ao das anfetaminas. Pode provocar nervosismo, dor de cabeça e taquicardia. Além disso, antibióticos bloqueiam o processamento da cafeína, e a combinação entre os dois pode ser perigosa. A mistura de cafeína com álcool também pode ter efeitos negativos no organismo.
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Embora muitas vezes se associe o consumo de café com seus possíveis efeitos prejudiciais à saúde, alguns estudos revelam que na verdade a bebida pode ter efeitos que vão além do impulso de energia.
Por exemplo, observou-se que o café é uma das principais fontes de fenólicos da dieta ocidental, sendo estes importantes antioxidantes que regulam certos processos de envelhecimento.
Outros estudos concluíram que os bebedores habituais de café têm uma probabilidade ligeiramente mais baixa de contrair alguns tipos de câncer, como o câncer de fígado, câncer de colo ou câncer de boca.
Também sugere-se que o café pode proteger de doenças como gota, queda dos dentes e de cálculos biliares, além de proteger da diabetes tipo 2.
Por outro lado, a cafeína poderia ter efeitos positivos em pacientes de Alzheimer. Administrando cafeína em ratos com essa doença, observa-se uma diminuição dos beta-amiloides, os peptídeos que se acumulam e danificam o cérebro durante a doença. Em humanos ainda não foi demonstrado que a cafeína provoque tal efeito. O que se observou é uma diminuição da perda de capacidade cognitiva em homens de idade avançada.
Felizmente, não é preciso saber nada de química nem de produção de café para poder desfrutar de uma boa xícara matutina, porém saber quais são os mistérios que se escondem por trás do café deixam aumentam o fascínio e deixam a bebida muito mais prazerosa.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.