Cássio Abreu / Flickr CC
Fazenda de eucaliptos no interior de São Paulo
A aprovação do plantio de eucalipto transgênico, decidida em abril em audiência na Coordenação-Geral da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, teve uma repercussão internacional que pode ser contabilizada em mais de 100 mil assinaturas contrárias à aprovação, informa João Dagoberto dos Santos, doutor em Recursos Florestais pela USP e professor na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq/USP.
Como reação às manifestações, afirma o professor, o Ministério das Relações Exteriores votou contra a aprovação do eucalipto transgênico, enquanto o “Ministério do Meio Ambiente não esteve presente e não votou”.
Na avaliação do engenheiro florestal, os experimentos realizados para a aprovação do eucalipto transgênico foram “insuficientes, porque seguiram o procedimento de espécie de ciclo curto”, como a soja e o milho, e porque, “em campo, não ofereceram subsídios para as conclusões de que os eucaliptos não irão gerar impactos”.
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Segundo ele, nos últimos anos tem aumentado o número de pesquisas que analisam as consequências ambientais do uso combinado de agrotóxicos e transgênicos na agricultura. Por conta disso, “as empresas juntaram seus pesquisadores para acelerar alguns processos para poder ganhar tempo e aprovar a maior parte de processos e projetos possíveis”. No Brasil, frisa, “empresas estão querendo mudar as regras da CTNBio para agilizar os processos; argumentam que o processo atual de avaliação da liberação dos transgênicos toma muito tempo e, por isso, estão propondo a criação de comitês ad hoc externos para acelerar os processos de aprovação”.
Leia trechos da entrevista com João Dagoberto dos Santos a seguir.
A discussão sobre a aprovação de um organismo transgênico é feita em outra instância, além da CTNBio?
A aprovação de um organismo transgênico não existe em nenhuma instância superior à CTNBio. A única possibilidade de barrar a aprovação de um organismo transgênico, depois de aprovado pela CTNBio, é através da convocação do Conselho de Ministros, algo previsto no regulamento da Comissão. Esta é a única instância que pode revogar essa decisão, mas isso nunca aconteceu. Como essa é uma política de Estado, o Estado assume que não vai rever e que não vai rediscutir a aprovação de um organismo transgênico, porque terá que admitir as falhas, que são inúmeras.
Tudo que nós prevíamos como grupo crítico contra os procedimentos, e não contra a tecnologia, está se comprovando: aumentou a resistência dos organismos geneticamente modificados aos herbicidas e aos insetos, portanto a tecnologia não está funcionando. A produtividade também não é maior nos organismos transgênicos. A CTNBio atribui essas responsabilidades à empresa, mas isso é um absurdo, porque a empresa é responsável por fazer os estudos e ela mesma é responsável por monitorar as culturas transgênicas; trata-se de algo surreal.
O Estado assina embaixo; é parceiro e sócio das empresas na prática porque as próprias empresas fazem e monitoram todo o processo de desenvolvimento de um produto transgênico. Se precisar identificar uma falha, as empresas é que deverão fazer isso, mas elas não vão fazer isso, como não estão fazendo. A única exceção é a própria Embrapa, que declarou que forçou um processo por uma contingência política, referindo-se ao feijão transgênico. Depois da aprovação do feijão, a Embrapa verificou que ele tem problemas, e não está liberando essa cultura transgênica, porque está admitindo que o que prevíamos na época da aprovação, em 2011, está acontecendo.
Como se dá a fiscalização dos impactos e das implicações dos cultivos transgênicos?
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é o responsável legal, ou deveria ser, mas se omite e nem participa das reuniões referentes ao tema. O MMA tem um assento dentro da CTNBio, mas nas últimas duas reuniões nem se fez presente. O responsável legal, que pode ser ele ou o Ministério Público, se omite e não se manifesta sobre a aprovação de transgênicos.
Como as discussões são feitas antes de uma proposta transgênica ser apresentada à CTNBio? São feitas apresentações ao MMA?
Não existem apresentações ou debates prévios, porque todos os processos são conduzidos como segredo industrial, com causas de confidencialidade. Quando os projetos são submetidos à CTNBio, os membros têm que assinar um termo de confidencialidade, segundo o qual não podem emitir informações sobre o assunto e tampouco informar que um novo organismo está sendo usado para criar um novo evento, seja lá qual for. Só os membros da CTNBio têm acesso a essas informações, mas eles nem aparecem nos processos, porque trata-se de segredos industriais. É uma situação muito orquestrada politicamente.
Aldo Rebelo, quando era deputado, fez uma coalizão e consultou a cúpula do governo para saber a posição sobre os transgênicos. No mês passado, antes da aprovação do eucalipto transgênico, Rebelo se reuniu com os membros da CTNBio e com a cúpula do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, e declarou publicamente: “pesquisadores e cientistas que têm algum tipo de relação com movimentos sociais e ONGs são ignorantes e obscurantistas, portanto não é possível que pesquisadores sejam contra esta tecnologia”. Então, estamos em uma situação complicada, na qual a CTNBio e parte do governo estão capituladas.
Quem votou contra a aprovação do eucalipto transgênico foi o Ministério das Relações Exteriores, porque está vendo a repercussão desse caso no mundo inteiro: chegaram quase 100 mil assinaturas de instituições, indivíduos, embaixadas do mundo inteiro repudiando a aprovação. O Ministério do Meio Ambiente não esteve presente e não votou, e os outros representantes da agricultura familiar foram contra. Os 13 representantes do MCTI sempre votam a favor, nunca votam contra nada, votam em bloco, fazem pareceres de forma homogênea. Parece uma receita de bolo: eles olham, avaliam, seguem um script, e nunca perderam uma votação.
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Fernanda Guerra Gil / Flickr CC
Alimentos produzidos com grãos transgênicos
Quais argumentos importantes foram desconsiderados pela CTNBio na ocasião do eucalipto transgênico? Que aspectos deveriam ser considerados antes da sua aprovação?
Um dos argumentos foi o de que o eucalipto seguiu o mesmo protocolo de outras espécies, o que é um absurdo, porque ele é uma árvore. O outro argumento é de que os experimentos realizados são insuficientes, primeiro porque seguiram o procedimento de espécie de ciclo curto; segundo, porque os experimentos foram descaracterizados por vários motivos, e experimentos em campo não ofereceram subsídios para as conclusões de que os eucaliptos não vão gerar impactos. O tempo de experimentação é insuficiente, porque nós estamos falando de uma árvore de ciclo longo, perene, e as empresas estão considerando ciclos curtos. Os testes feitos com relação aos derivados, seja do eucalipto em si, seja do seu impacto ou das externalidades, que nós chamamos da relação do pólen e da contaminação, foram insuficientes e não conclusivos. Contudo, o argumento da empresa é de que isso não é importante, que eles vão plantar eucalipto transgênico, monitorar as plantações e, se houver algum impacto, irão reverter a situação.
Só que eucalipto não é soja e milho, que têm ciclo curto e que você pode passar um trator em cima e destruir a plantação. O setor florestal e a empresa — no caso, a proponente — têm mais de um milhão de hectares plantados no Brasil. Quando a empresa fala que só irá plantar uma pequena porcentagem de 2% a 3% de eucalipto transgênico, nós estamos falando de 20 a 30 mil hectares. Eles nem calcularam nem dimensionaram o impacto, porque fizeram o experimento em um hectare. Avaliaram um ciclo de polinização apenas, em que as colmeias entraram em colapso. Ou seja, todos os indicadores que podiam dar segurança à sociedade não foram respeitados, foram negligenciados ou feitos de forma artificial. Os próprios experimentos e as pessoas que eles contrataram, que têm relação com a empresa, admitiram que houve cortes de recursos, que não houve tempo de realizar as pesquisas e que o ideal seria prorrogar a decisão.
Entre as questões que para nós são significativas, uma delas é a do mel — da contaminação que o pólen pode ocasionar — e também a do consumo de água. O eucalipto transgênico não vai ter esse rendimento de 20% que estão prevendo, mas, supondo-se que terá este rendimento, irá criar um impacto gigantesco tanto no consumo de água quanto no uso de insumos aloquímicos, porque vai se cortar o ciclo na época em que a floresta plantada está chegando ao nível de estabilidade, momento em que se pode controlar um pouco a quantidade de agrotóxicos que é utilizada.
Além disso, todos os estudos admitem que o ganho sugerido pelo eucalipto transgênico não é real e não está comprovado. Além disso, os métodos atuais de melhoramento tradicional, de multiclones ou mesmo melhorias nas empresas, dentro da fábrica, no processo industrial, dão um ganho tão grande ou maior do que este que está sendo prometido.
Como a lei de biossegurança é interpretada em casos de aprovação de transgênicos?
Sim, porque a dona da tecnologia, a Suzano, via FuturaGene, que é a empresa de tecnologia, tem áreas plantadas em São Paulo, na Bahia, em Minas Gerais e, mais recentemente, no Piauí e no Maranhão. Eles irão plantar nas áreas deles. Os argumentos que usam é de que os primeiros clientes aos quais irão oferecer as mudas transgênicas são os agricultores familiares e fomentados, que são os mais possivelmente impactados pela contaminação do pólen.
Nós que somos contra o eucalipto transgênico — engenheiros florestais, professores de universidades, instituições —, não somos contra a tecnologia, porque seria um sonho ter um evento desse nível que realmente trouxesse o que se está prometendo, mas não é essa a questão. Os plantios de eucalipto estão seguindo a mesma rota das culturas dos monocultivos agrícolas, estão sofrendo um sério ataque de pragas e doenças.
Que outras culturas estão na pauta de aprovação da CTNBio?
Os maiores pedidos de aprovação são em relação ao milho, mas algo muito preocupante é a tentativa de aprovar o milheto transgênico. A previsão é de que se tente aprovar a cana-de-açúcar, com a mesma lógica de piramidados, ou seja, das tecnologias associadas onde os impactos são gigantescos principalmente por causa da instabilidade genética. O herbicida 2,4-D é o exemplo mais claro do absurdo, porque estão revendo uma molécula que tem uma lógica baseada no agente laranja em substituição ao Roundup, que teve sua patente caída e que já não funciona mais para a maior parte das culturas do pacote tecnológico dos transgênicos. Quando foi interrompida a votação do eucalipto, dois minutos antes foi aprovado o 2,4-D, o que no nosso entendimento é tão pior ou mais grave do que a aprovação do eucalipto.
Tudo isso está casado com a aprovação na Câmara dos Deputados da retirada da identificação “T” das embalagens dos produtos transgênicos. As empresas são muito eficientes e estão agindo em todas as frentes: na frente da comunicação, na frente parlamentar e política, na frente da cooptação.
A Monsanto, em especial, achou que não haveria resistência a transgênicos no Brasil, como não está tendo na África. Então eles avaliaram que foi um erro de estratégia achar que não haveria resistência, e agora estão tentando recuperar o tempo perdido. O pessoal da tecnologia do eucalipto disse o seguinte para os membros da CTNBio: “fiquem tranquilos, nós não somos a Monsanto, nós não estamos cometendo o mesmo tipo de erro que a Monsanto, estamos tentando fazer 'direitinho’”. Essas empresas têm um time hegemônico de assessores e consultores, mas nós que somos contra não temos essa equipe; temos que ler todos os processos e tentar fazer pareceres para deixar um registro histórico para que a sociedade tenha onde se referendar, pois, do contrário, nem isso aconteceria, porque vamos para as audiências da CTNBio sabendo que não ganharemos nenhuma votação.
Qual a situação de outras culturas transgênicas já cultivadas?
Os casos que chamam muito a atenção são o milho e a soja, que são nossos principais carros-chefes. Uma praga em algumas áreas de zona de plantio de soja, atualmente, é o milho, que está resistente ao processo e está se reproduzindo espontaneamente no meio das plantações de soja. Então, o milho está com vários problemas, porque inclusive a produção não está aumentando. Em relação à soja, a produtividade estacionou, cada vez mais existem ervas daninhas resistentes aos herbicidas, tanto que aprovaram o 2,4-D, porque todo o pacote anterior do Roundup se mostrou insuficiente.
Vários dados começam a aparecer em pesquisas no mundo inteiro mostrando os resultados desse pacote de transgênico com agrotóxico. As empresas perceberam isso e juntaram seus pesquisadores para acelerar alguns processos para poder ganhar tempo e aprovar a maior parte de processos e projetos possíveis. As empresas estão querendo mudar as regras da CTNBio para agilizar os processos; argumentam que o processo atual de avaliação da liberação dos transgênicos toma muito tempo e, por isso, estão propondo a criação de comitês ad hoc externos para acelerar os processos de aprovação. Se hoje os processos já são ruins, imagina com processos acelerados. O governo está totalmente à mercê da pressão das indústrias.