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Hillary Clinton em uma central de processamento de produtos hortifruti em Iowa, na primeira semana de sua campanha à candidatura à presidência dos EUA pelo Partido Democrata
Por meio de um vídeo divulgado nas redes sociais no dia 12 de abril, Hillary Clinton anunciou oficialmente sua intenção de se candidatar às primárias do Partido Democrata. O vídeo “Getting Started” (“Começando os trabalhos”, em tradução livre), com foco na classe média e no eleitorado que levou Obama à Casa Branca em 2008 e o reelegeram em 2012 – mulheres e pessoas negras, asiáticas e homossexuais – marcou o início e o tom geral de sua campanha política até agora.
Karrin Vasby Anderson, especialista em comunicação política e questões de gênero e professora da Colorado State University, comenta em entrevista a estratégia de campanha que tem sido apresentada. Ela avalia que mais do que a imagem de uma candidata “mulher”, Hillary deve trabalhar a imagem de candidata “durona” “que defende os interesses dos norte-americanos”.
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Anderson é coautora do livro “Woman president: Confronting Postfeminist Political Culture” [“Mulher presidente: confrontando a cultura política pós-feminista”]. Leia trechos da entrevista a seguir.
Com base no vídeo de Hillary Clinton, qual seria a narrativa oficial de sua candidatura?
A narrativa que ela espera construir – e a que os meios de comunicação estão recebendo – é a de uma Hillary Clinton que luta pelos Estados Unidos, como uma candidata que defende os interesses dos norte-americanos. O que me parece muito interessante no vídeo com o qual anunciou sua candidatura é que, estilisticamente, ele é muito similar ao vídeo da campanha de Ronald Reagan em 1984, intitulado “Morning in America” (“Amanhece na América”), no qual se podem ver imagens cotidianas do povo norte-americano em pequenas cidades e na zona rural, com suas vidas e acontecimentos corriqueiros. É um vídeo com um tom muito otimista, que a peça de Hillary parece copiar, apesar de ela não estar competindo por uma reeleição, mas sim com o propósito de manter um democrata na Casa Branca.
O que me chama a atenção é como o vídeo de Hillary Clinton só mostra a candidata no fim. Me pergunto como esta estratégia, de indicar que o que importa são as pessoas e não quem se está se candidatando, poderia ajudar uma candidata mulher. Como se encaixa a estratégia da candidata ausente na era da política do espetáculo e dos políticos pop stars?
Obama competiu como uma superestrela, como um candidato que se constituiu como celebridade e, parece-me que muitas pessoas, inclusive eleitores democratas, acabaram por se decepcionar, porque ele não está à altura do que esperavam. Por outro lado, é provável que Hillary seja uma das mulheres mais famosas do mundo, uma verdadeira celebridade, mas ela não quer basear sua campanha nisso, já que acabaria sendo associada às decepções da administração Obama.
A outra razão pela qual creio que ela não está construindo sua campanha ao redor de sua própria imagem é porque ainda é muito difícil para uma mulher ser presidente dos EUA, razão pela qual sua campanha tem se baseado na figura do “norte-americano comum”. E se os meios de comunicação a criticarem de maneira descarada como fizeram em 2008, ela poderá se defender com mais facilidade dizendo que estão criticando as pessoas comuns por quem ela luta.
Por outro lado, o nome “Clinton” está carregado de significados, motivo pelo qual ela está utilizando a estratégia de eliminá-lo tanto quanto possível, até o ponto em que o símbolo de sua campanha seja um simples “H”. Quando Bill Clinton competiu ao cargo de governador nos anos noventa, Hillary teve que mudar seu nome de Hillary Rodham Clinton para Hillary Clinton, eliminando o sobrenome de solteira, que a associava na época com os valores do feminismo radical. Quando Hillary se candidatou ao Senado, apresentou-se com seu nome de batismo e, agora, apenas com um “H”.
Esta forma de etiquetar a candidata identifica muito bem até que ponto Hillary deseja se retirar do foco e, se for essa a maneira pela qual uma mulher conseguirá ser presidente dos EUA, retirando-se da linha de frente até se converter em um simples “H”, isso nos dirá muita coisa sobre a cultura política do país.
Após o lançamento do vídeo, um artigo no site Vox, que cobre política nos EUA, sugeriu que a campanha de Hillary Clinton fosse especificamente feminina ao acentuar sua capacidade de saber ouvir e de lutar pelos interesses de seus eleitores. Você acredita que esses valores ajudarão Hillary como candidata?
Como opção estratégica, eles apresentam vantagens e desvantagens. Os benefícios que eles têm para Hillary são o fato de que ela é tradicionalmente vista como uma pessoa mandona, autoritária e sedenta de poder, ou seja, uma figura antipática, motivo pelo qual se posicionar como confiável e facilitadora dos objetivos alheios é uma boa estratégia.
No entanto, ser mais popular como candidata mulher pode dificultar o acesso à Casa Branca, o que já é tradicional nos EUA, onde as mulheres têm mais sucesso em conseguir postos representativos no Congresso, onde se trabalha como representante da população, do que postos executivos, onde se concentra mais poder. A pergunta, portanto, é: se ela se apresentar como servidora da cidadania, quantas pessoas a verão e votarão nela como “comandante-em-chefe” (“commander-in-chief”, na expressão em inglês)?
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Voluntários fazem campanha pela candidata nas ruas de Iowa
Outro tema surgido é que, para esta candidatura, Clinton está disposta a desempenhar o papel de “pioneira” ao se apresentar como a primeira mulher com possibilidades reais de alcançar a presidência. Você já escreveu que essa estratégia acaba minando as possibilidades reais das candidatas; poderia explicar?
As mulheres estão se apresentando à candidatura do governo dos EUA desde antes de sequer terem direito de voto. A primeira mulher a se apresentar foi Victoria Woodhull, no fim do século 19, e as mulheres têm se apresentado desde então até a republicana Elisabeth Dole, que competiu contra George W. Bush nos anos 2000. O caso de Dole é interessante porque, após uma longa carreira política, ela se tornou muito popular entre os eleitores republicanos, mas ninguém investiu em sua campanha porque se achava que ela não teria chances de ganhar.
O que quero dizer é que, sim, houve candidatas antes, mas o problema é que cada vez que uma mulher teve a oportunidade, era sempre a primeira: a primeira candidata, a primeira candidata de um partido majoritário, a primeira candidata de um partido majoritário com chances reais de ser eleita… A narrativa é a de que as mulheres são sempre pioneiras, o que faz com que o eleitor as perceba de maneira diferente. Mas é provável que Hillary utilize esta narrativa para marcar sua eleição como um momento histórico, assim como foram as eleições de 2008, mas talvez utilizando-as não como novidade de gênero, mas como demonstração da maturidade do país, o que não minaria suas possibilidades.
Um dos elementos que chamou a atenção nos primeiros dias de campanha é esta poética da corrida presidencial em que Hillary Clinton decidiu viajar em uma van chamada “Scooby”, realizando pequenas reuniões e fomentando uma espécie de nostalgia hipster generalizada. Quais seriam as razões disso?
Para uma pessoa que já teve guarda-costas, que circulou pelas mais altas esferas do poder como senadora, secretária de Estado e primeira dama, a ideia de que esteja viajando pelo país com uma caravana a aproxima imediatamente da classe média que ela deseja atingir.
Mas há uma razão pop muito específica para que a van se chame “Scooby”, e ela é precisamente a tentativa de ganhar os votos dos mais jovens e das mulheres. O uso do nome “Scooby” tem como público uma faixa etária muito grande, desde mulheres de 40 e 50 anos, que cresceram vendo o desenho Scooby Doo, até as pessoas nascidas nos anos 80, para quem o nome foi revivido pelos protagonistas da série “Buffy, a Caça-vampiros”, que eram chamados “os Scoobies” ou “a gangue Scooby”.
Também gostaria de lhe perguntar sobre o humor político e como ele pode afetar a campanha de Hillary Clinton. Estou pensando em como, para a campanha de 2008, as humoristas Tina Fey e Amy Poehler colocaram em circulação, no Saturday Night Live, a ideia de que Hillary Clinton era uma “bitch” (“cadela”, em tradução literal), mas uma “cadela” que consegue que as coisas sejam feitas, reivindicando o termo com frases como “bitch is the new black” (“ser uma cadela é o novo preto”). Hillary usará esta carta?
Eu, pessoalmente, acho que muito mais do que desempenhar o papel de “bitch”, Hillary desempenhará o de “badass” (durona). E “badasses” e “bitches” não são a mesma coisa. Porque “bitch” é uma mulher pouco atraente, incontrolável, como a cadela do vizinho de quem ninguém gosta e que está sempre irritado. Literalmente, a palavra “bitch” está relacionada com uma cadela mal-educada e incontrolável.
Mas “badass” estaria mais relacionado com essa Hillary Clinton já secretária de Estado, com óculos de sol e mandando mensagens de texto que se tornaram famosas por meio do tumblr Texts from Hillary, que mostrava uma Hillary que conhece a cultura pop, com senso de humor e em pleno domínio da situação, viajando com seu avião oficial e cuidando de seus próprios assuntos. Uma Hillary que não se mostra ansiosa em busca do poder, porque já o tem. Por isso, creio que a Hillary de 2015, mais do que tentar ser feminina e maternal como tentou em sua campanha eleitoral de 2008, será uma “badass” que simplesmente diz “sim, estou me candidatando a presidente”. Faz o anúncio com confiança, sem ter que esconder suas intenções, e é por isso que a atitude “badass” é o caminho intermediário entre ser uma “cadela” e uma mãe ou avó.
As candidatas mulheres são especialmente afetadas pela sátira política?
A sátira política afeta muito tanto os candidatos homens quanto as candidatas mulheres, porque é uma das principais ferramentas de formação de opinião nos EUA. Há estudos que mostram que, em 2000, o então candidato democrata Al Gore mudou suas estratégias de debate presidencial conforme era satirizado pelo programa humorístico Saturday Night Live e vimos a mesma coisa, de maneira muito clara, com a republicana Sarah Palin.
A sátira de Sarah Palin feita por Tina Fey foi devastadora porque fixou de maneira muito clara a narrativa de que Palin não estava preparada para ser vice-presidente. Sem Tina Fey assentando essa ideia nas mentes dos norte-americanos, creio que talvez Palin tivesse sido uma candidata crível para aquelas eleições. Mas, depois de Fey, sua carreira como política séria foi para o beleléu, e ela agora é apenas uma presença recorrente na conservadora emissora de TV Fox News.
Por isso eu acredito que o modo como o Saturday Night Live enfocar essas eleições será decisivo no olhar que lançaremos sobre Hillary. É, por exemplo, muito significativo que em 2008 os humoristas Amy Poehler e Seth Meyers tenham começado a escrever piadas nas quais ironizavam os dois pesos e as duas medidas com os quais a imprensa tratava Hillary em comparação com Obama. Creio que essa é uma das razões pelas quais Hillary pôde repetir sua candidatura depois de haver perdido contra Obama, porque Poehler expôs como a mídia a estava tratando injustamente.