Sebastián Freire/ Página/12
Após quatro meses de tratamento e algumas consultas para receber assessoria da Defensoria LGBT argentina, Luciana Bustamante, que é a mãe não gestante, armou-se de coragem. O que ela tinha de fazer era ir à empresa de produtos químicos onde trabalha e pedir licença para amamentar Martina, sua filha recém-nascida.
Na empresa, ficaram boquiabertos ao escutá-la e, com alguma dificuldade para emitir opinião, tentaram negar-lhe esse direito. Guiados pelo raciocínio binário, os chefes e colegas de Luciana, — a maioria de homens cisgêneros[1] — deram um motivo insólito, que supuseram ser imbatível: nenhum deles tinha solicitado licença para dar a teta a seus bebês (imagine que se eles tivessem feito isso, este texto seria de fato outro). “A primeira reação que tiveram foi dizer que o tempo de licença para amamentação é para a mãe biológica —conta Luciana — e argumentavam coisas como: eu fui pai e não tive essa licença. Eu tive de explicar-lhes que eu não tinha sido pai, mas sim mãe e que o tempo para amamentação deveria ser igual para mim assim como para qualquer mulher porque não sou uma mulher diferente.”
No entanto, ainda que se diga não, percebe-se sim nela uma diferença que não consiste no que de fato deixou perplexo os empresários, mas na incomum paixão que expressa quando fala de seu processo de amamentação. Este desejo começou a ser gestado quando sua parceira finamente engravidou, após sete tentativas. A partir de então e durante um tempo, Luciana não conseguia nenhum médico que a pudesse orientar porque todos que ela consultou achavam sua proposta “um pouco esquisita” (algo inexplicável quando costumam fazer estimulações para aumentar o nível de prolactina e produzir leite nas mães adotivas, ou seja, não biológicas).
Foi então quando surgiu a doutora Alejandra Marina Mercado, uma médica de um bairro da periferia da cidade de Neuquén (na Patagônia, a 1.139 quilômetros de Buenos Aires), com a qual Luciana entrou em contato através de seu blog. Alejandra, de uma forma totalmente gratuita, a acompanhou nesse processo, descrito por ela como um gozo maravilhado, semelhante ao de ter parido. “Eu tirava dez minutos de leite de cada peito, no começo eu conseguia tirar três ou quatro gotas, porém ainda assim eu sabia que havia casos de mães não gestantes que tinham conseguido. Primeiro não conseguia muito, mas com a ajuda da médica, eu consegui.
Flickr/CC/danielpeinado.photo
“Dez minutos depois de nascer, eu já estava lhe dando o peito. Agora Martina tem um mês e vinte dias e é linda: mama em quatro tetas”, diz Luciana
“E a verdade é que algo muito lindo. Eu não passei pelo processo de gestação, porém amamentar me parece super lindo. Eu queria que meu corpo passasse por isso. No dia em que nasceu minha filha — eu presenciei o parto —, o obstetra me perguntou se eu tinha conseguido fazer o tratamento e nesse mesmo instante ele a colocou em meus braços. Dez minutos depois de nascer, eu já estava lhe dando o peito. Agora Martina tem um mês e vinte dias e é linda: mama em quatro tetas”.
Por parte dela, na empresa a coisa não foi tão difícil porque, segundo Luciana, foram o desconhecimento ou o desconcerto e não a má vontade que lhes fez disparar essa primeira resposta. Pouco depois de seu pedido, depois de conseguir assessoria, o grupo de químicos aprovou a licença de amamentação e entendeu os limites com os que até ali tinham interpretado essa parte da lei do contrato de trabalho, que diz que “toda trabalhadora mãe de lactante — ‘toda’ — poderá dispor de dois descansos (…)”.
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Pelo critério de Luciana, o que se oferece com esta lei não é o ótimo: “Em alguns momentos é insuficiente o tempo que se dá de amamentação. O que dão para você em uma empresa, como para qualquer mãe, são dois descansos de trinta minutos, antes de entrar ou antes de sair. Ainda assim, a cada três horas eu tenho de ir tirar o leite, se o bebê não faz isso naturalmente, é você quem tem que fazer. Este tempo deve ser dado à mãe durante um ano, e se o médico recomendar, mais seis meses. Estimo que para todos os acordos seja a mesma coisa.”
O caso de Luciana é, pelo menos dentro do que até aqui ficou visível, o primeiro a reivindicar a intenção desta lei que, segundo explica a dirigente social da área de direitos humanos e do coletivo LGBT da Argentina Maria Rachid, é confusa: “nós, da Defensoria, apresentamos dois projetos, um na cidade e outro em âmbito nacional, para poder fazer a correção”. Até agora, enquanto esperamos que seja modificada e que a sociedade continue modernizando a existência das novas maternidades, talvez seja preciso continuar explicando que uma mãe não é a mesma coisa que um pai e que os pais biológicos não costumam dar a teta.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Publicado originalmente em espanhol no Página 12
[1] Termo utilizado para designar pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento, ou seja, há concordância entre a identidade de gênero e o sexo biológico do indivíduo [N.E]