Acordei com cólica, menstruação a mil. Ultimamente tem sido assim: em um belo (ou nem tão belo assim) dia, acordo e vou direto para o banheiro com uma intensa vontade de número 2 e catando o primeiro absorvente que consigo encontrar.
Depois de alguns anos de briga, preciso admitir que nunca me adaptei ao coletor menstrual. O coletor é aquele copinho de silicone todo maleável que está na moda entre nós, mulheres de unhas sujas porque agora a gente decidiu, todas juntas, a brincar mais com terra e menos com teclados.
Não deu certo porque sou uma pessoa tensa. Quase tudo em meu corpo está sendo pressionado. Difícil relaxar, estando na minha pele. Já estou acostumada com isso. Parece que assim, tensa, me mantendo melhor quando estou de pé ou caminho por aí. Sei, tem a ver com as mil coisas relacionadas ao patriarcalismo e todas essas mazelas sociais. Mas não consegui lidar com a tensão inconsciente de ter de ficar segurando um copinho alocado na minha vagina, recolhendo por até 12 horas um sangue que deveria sair logo do meu corpo, que deveria fluir.
Juro que, pelo bem do meio ambiente, comprarei absorventes reutilizáveis ou aquelas calcinhas absorventes chiques que também estão na moda. São produtos destinados a mulheres como eu, que não conseguiram se adaptar a este tipo de vaso e preferem que as coisas sigam o seu curso sem interrupção.
O capitalismo nos ama tanto. O capitalismo adora o corpo da mulher. Agora, o capitalismo quer que as mulheres, culpadas até o útero, usem produtos que não impactem o meio ambiente. A questão é que só de respirar a gente já está impactando o meio ambiente. O que nos torna ainda mais culpados.
Tenho uma amiga que fez aniversário recentemente. Canceriana. Nunca conheci mulher mais amorosa. Ela ama tanto que passa desapercebida na maioria das vezes. Ela causa cada vez mais impacto, e isso é muito admirável. Mas essa questão de causar impacto é algo que ela acredita mais do que todo mundo que a conhece. Ela acha que não causa tanto impacto assim. Na verdade, todo mundo adora ver ela passar. Todo mundo, menos o capitalismo.
Eu sou super impactada por essa amiga. Impactar não é só fazer mal. Feliz aniversário bem atrasado, Janaína.
Ninguém tem culpa de nada, senhor capitalismo.
Agora vou voltar pro assunto menstruação. Hoje lembrei de uma roda de conversa sobre sonhos e cultura indígena que aconteceu na Chapada dos Veadeiros, um idílico e mágico lugar em Goiás, na terceira semana de maio, uns dias depois do meu aniversário. Essa roda de conversa fazia parte da programação de um evento chamado Raízes, que foi gratuito e um pouco desorganizado, mas interessante para nós, mulheres das unhas sujas pós-30, que resolvemos sair juntas por aí lendo “Mulheres que Correm com os Lobos” e Simone de Beauvoir e brincando com terra e plantas e aprendendo a importante questão de reverenciar a terra e as plantas e a água e o sol e a lua.
Quem falou foi o imponente chefe indígena Álvaro Tukano, com seu cocar branco e sua pose elegante:
“Quando a mulher está menstruada na nossa aldeia, ela não pode entrar na água. Faz muito mal para ela e para a natureza”.
No momento em que ele falou isso, nós, mulheres livres das unhas sujas, que só agora nos pós-30 que descobrimos que a verdadeira liberdade é tomar banho de cachoeira na hora que a gente bem entender, ficamos bem desconfortáveis. Entreolhamo-nos. Pigarreamos. Franzimos a testa.
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Na real, o Pajé Tukano tava era certo.
Tá louco entrar na água menstruada. Primeiro porque precisa usar absorvente interno. E, se o copinho me causa desconforto, o OB idem (só um parênteses para dizer que estou ciente de que OB é uma marca, assim como Modess também era). Um pouco menos desconforto, na real, mas só pelo fato de o OB ser menor. Depois de algumas horas, o sangue retido transforma aquele micropênis de algodão em um micropênis gorducho de algodão, sangue e bactérias.
Usar OB em dia de praia, então, é um horror. Quando a gente vai tirar, sai uma coisa estranhíssima de dentro da gente, como se estivéssemos parindo um Alien ao puxar aquela cordinha verde (gente, e o medo da cordinha ficar pra fora do biquíni? Ser mulher não é fácil). Um alien coberto de sangue coagulado e muito fedorento. Fede a carniça.
Uma vez um homem que conheci disse que tinha transado com uma mulher que havia esquecido de tirar o OB. Foi durante um acampamento, e ele contou com tanto nojo que parecia que ele estava até sendo sexista.
Mas não, conheço o homem o suficiente para dizer que ele é bem empático, tá fazendo seu trabalho direitinho depois de ler a “Cartilha do Esquerdomacho”, que foi distribuída nas festas do coletivo Calefação Tropicaos durante o maravilhoso governo Lula.
OB usado é uma das coisas mais fedorentas que podem sair do corpo de uma mulher. Depois de uma imersão na água do mar, da piscina ou da cachoeira, fica ainda mais mórbido.
Eu decidi que vou parar de ficar enfiando objetos estranhos na minha vagina. A começar por coletor menstrual e OB.
Mesmo se eu entrasse na água sem usar objetos estranhos dentro da minha vagina, não me apetece a ideia de que a água está um pouco mais fria do que o ar. Mesmo se a água estivesse quente, como nas praias do Alagoas, não me apetece entrar porque tudo o que preciso agora é da gravidade “puxando” o meu sangue para fora de mim, e na água, a gravidade aparentemente funciona de um jeito diferente. A gente flutua mais, né.
Também não quero entrar na água porque eu respeito demais a água. A água nos lava, retira as impurezas. Só que, neste momento, as impurezas estão saindo de mim, e é melhor que a água me lave de dentro para fora, e não de fora para dentro.
Não que eu seja um poço de impurezas. É só uma crença. Ciência hoje em dia tá tão fora de moda, né? O capitalismo ama a ciência. Arrisco até a dizer que, se não fosse o capitalismo, a ciência nem existiria. Não da maneira que é hoje. Parece religião. Uma religião que dá bastante dinheiro. Menos pros bolsistas da Capes. Religião tem de ser alimentada pela iniciativa privada, taolkey?
Entendeu a lógica? Se não entendeu, não tem problema. É só pensar sobre a água. Água é uma composição química foda pra caralho. É tão foda que a gente não vive sem. Merece até um texto só sobre ela.
Então, hoje eu não vou à praia. Prefiro me aterrar, tomar sol, cobrir os pés, beber água fresca (essa é a parte que estava falando, sobre fazer a água me lavar de dentro para a fora) e não deixar o frio entrar no meu corpo de jeito nenhum. Que é para o útero parar de se contorcer feito um bebê mal parido e o sangue descer logo, renovando meu corpo, retirando as impurezas acumuladas no mês, me fazendo ser mulher plena de novo.
Daqui a pouco vem a plenitude. A vida em ciclo é muito maravilhosa. Até as dores.