Em entrevista a Breno Altman no programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (16/04), João Pedro Stédile, dirigente histórico do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) e um dos líderes da Via Campesina, comemorou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmando a anulação das sentenças contra Lula e, portanto, sua elegibilidade, como sendo essenciais para mudar os rumos do Brasil nas eleições de 2022.
“O camisa 10 da classe trabalhadora voltou a campo. Agora cabe a Lula, como o líder da esquerda, organizar as massas para a luta e unir o povo. Só a luta de massas pode garantir que a vontade do povo permaneça”, afirmou Stédile.
Ele ressaltou que o retorno de Lula devolve o otimismo ao povo, pois, se conseguir se eleger, “a partir de 2023 poderemos dar outro rumo para o nosso país”. Stédile reforçou, entretanto, que “a luta começa agora”, e que deve-se exigir vacina para todos, auxilio emergencial e “Fora Bolsonaro”.
Para ele, porém, não basta apenas eleger Lula, ou outro líder de esquerda, é preciso manter o povo organizado para realizar mudanças estruturais, para fazer frente à burguesia e evitar os erros do passado, que culminaram no golpe de 2016. “Espero que a esquerda tenha aprendido a lição”, criticou.
“A esquerda agora tem o desafio de atrair os trabalhadores rejeitados pelo mercado, que em sua maioria são mulheres negras da periferia. Precisamos transformar essas pessoas na esquerda porque, mesmo depois de passada a pandemia, o capitalismo não vai dar empregos a elas”, argumentou.
Agricultura familiar versus agronegócio
Sobre luta de massas, Stédile relembrou que o próprio MST foi resultado de mobilizações populares no fim da década de 70, meados da década de 80, quando os “camponeses perderam o medo de lutar, porque ainda estávamos na ditadura”.
Naquele momento, eclodiram as ocupações de terra no país, “algo que sempre vai acontecer quando se há um latifúndio improdutivo e milhares de sem terra”, de onde surgiu o MST. Com o tempo, o movimento ampliou seu leque de atuação, “percebendo que não bastava só lutar pela terra”.
Atualmente, o MST estimula a produção da agricultura familiar e a agroecologia entre os camponeses organizados, cria escolas para as regiões negligenciadas pelo governo, estimula a produção cultural camponesa e constrói agroindústrias, para agregar valor à matéria-prima produzida na agricultura e gerar trabalho, sobretudo para jovens e mulheres.
“A juventude não quer mais ganhar uma enxada de presente de natal. Quer ganhar um computador, um celular, então precisamos criar alternativas para essa juventude no campo, se não ela vai para a cidade”, explicou Stédile.
O dirigente, que é economista de formação, lamentou que o movimento tenha fama de ser agressiva, “invasora de terras” – “mas a grande imprensa é burguesa, então não me surpreende que defenda os interesses do capital” -, pois a agricultura familiar, realizada nos assentamentos do MST, é o que alimenta o Brasil.
“Temos cinco milhões de famílias em terras distribuídas pela reforma agrária, um milhão são famílias organizadas nossas. E o que fazem esses cinco milhões? Produzem alimentos fundamentalmente para o mercado interno. O agronegócio, que domina a economia brasileira, produz commodities agrícolas, que não são alimentos, são mercadorias padronizadas para o mercado externo”, explicou.
Stédile ainda contou que a renda maior proveniente do agronegócio não reverte para o Brasil, nem mesmo para o fazendeiro, indo parar na mão das corporações transnacionais que exportam os produtos ou que vendem as ferramentas necessárias para a produção dos commodities.
“Ou seja, gera riqueza, mas não é para o povo brasileiro. O agronegócio nem sequer paga imposto. Outro problema é que para a produção, usam muito agrotóxico e, portanto, destroem a natureza, contaminam as águas e o próprio produto. É um modelo que explora a natureza sem nenhum compromisso com a sociedade”, defendeu.
Somado a isso, está o modelo latifundiário, controlado pelo capital financeiro, que, segundo Stédile, consiste em acumular capital sem produzir nada, apenas especulando e expandindo a terra.
“E agora não só o governo está enfraquecendo a agricultura familiar, como quer privatizar as terras”, criticou o dirigente. “Mas a população está vendo. O coronavírus ajudou a revelar a grande contradição do capital: os latifúndios não produzem nem alimentos e, quando produzem algo, são commodities que agridem o meio ambiente. É um modelo insustentável”, reiterou.
Solidariedade e pandemia
Outra importante característica que Stédile destacou sobre o MST é sua política de solidariedade alimentar, como um princípio fundador do movimento.
“Solidariedade não é caridade, o MST só existe por conta da solidariedade do povo brasileiro para com nós. Quando se forma um acampamento, por que ele resiste? Porque há solidariedade do povo que leva comida, vai nos apoiar como pode. A existência do MST só é vitoriosa por conta da solidariedade”, enfatizou.
Por isso, durante a pandemia, o MST se mobilizou para distribuir alimentos, por exemplo. E, enquanto seguirá ajudando aqueles que precisam, o movimento prevê uma mudança de política no combate à epidemia.
Stédile revelou que no início da pandemia, os contágios estavam controlados, pois a população camponesa estava mais protegida que a urbana, pois é possível trabalhar na roça e manter o isolamento. “O problema foi quando os camponeses foram para a cidade, ou receberam seus familiares da cidade, que iam para os assentamentos para se proteger da covid, mas acabavam trazendo a doença”, narrou.
Por isso, os assentamentos irão declarar quarentena a partir de 17 de abril, até o dia 30, “ninguém vai à cidade, ninguém vai à feira, isolamento total”. Além de impedir a entrada de estranhos ou não residentes que não estejam vacinados ou que apresentem sintomas.
25 anos do massacre de Eldorado dos Carajás
Na entrevista, Stédile e Altman rememoraram o massacre de Eldorado dos Carajás, que ocorreu há exatos 25 anos, quando 19 trabalhadores rurais e sem terra foram assassinados pela polícia militar no município de Eldorado dos Carajás, no Pará.
“O massacre foi emblemático e representou o fim do ciclo das lutas pela terra no modelo da reforma agrária clássica”, isto é, uma reforma agrária a nível nacional de redistribuição das terras. “Quando a burguesia comete o massacre, sinaliza, com alto custo, a inviabilidade de uma reforma agrária no Brasil. Então construímos o programa de reforma agrária popular”, detalhou Stédile.
Desde então, o dirigente comentou que a violência contra os trabalhadores rurais só arrefeceu durante os governos Lula e Dilma, ainda que os governos do PT não tenham representado um aumento nos assentamentos, pelo contrário. Stédile afirmou que mais acampamentos foram assentados durante os governos Sarney e de Fernando Henrique Cardoso.
“Mas o latifúndio por si só é violento. Ninguém compra dez mil hectares de terra porque trabalhou para isso ou porque vai trabalhar essa terra. Então os donos de terra sabem que precisam proteger aquela propriedade privada, acumulada com base numa distorção social, e, para tanto, optam pela violência física. Seja dos jagunços, que na cidade se traduz em milicianos, ou pela força do Estado”, discorreu.
Com o governo Bolsonaro, a violência física voltou a escalar, principalmente sobre áreas indígenas e quilombolas. “Além da violência invisível, que é quando o agronegócio aplica seus agrotóxicos e envenena trabalhadores e crianças. Ou quando os prefeitos fecham escolas rurais para poupar dinheiro que eles depois embolsam”, exemplificou.