Na edição desta quarta-feira (21/04) do programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS, o jornalista Breno Altman entrevistou Juliane Furno, economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, sobre a atual crise econômica no Brasil, decorrente da pandemia do coronavírus.
Ela alertou para o fato de que o Brasil, cujo PIB caiu 4,1% em 2020 e cujo desemprego atinge mais de 14 milhões de pessoas, ainda não chegou no fundo do poço, mas poderia.
“O grosso da crise econômica vai se dar em 2021, quando o resto dos países já estão retomando uma trajetória positiva, porque não tivemos medidas efetivas de proteção do mercado de trabalho, o setor mais penalizado, e que sustentassem as consequências da pandemia. O simples alívio da pandemia no segundo semestre geraria um crescimento automático, mas se a gente não estancar a pandemia, vamos ter dificuldades de aproveitar essa tendência”, explicou.
Por isso, para ela, “a recuperação da economia depende de forte intervenção estatal”. A economista defende que, além de criar planos de emergência de proteção à população e ao emprego, é necessário pensar na macroeconomia brasileira. Neste caso, o Estado deveria trabalhar para realizar um processo de diversificação produtiva, rumo a um setor industrial que tenha capacidade de gerar empregos, por exemplo, “para que a economia brasileira dependa do mercado interno”.
Furno citou como exemplo o Plano Biden, nos EUA, que, mais do que somente um pacote emergencial, é um pacote que inclui propostas de investimento em setores que têm a capacidade de gerar recursos no longo prazo, como o energético.
“O funcionamento das finanças públicas sugere que não existe a priori restrição econômica ao gasto público. O que existe são restrições políticas e administrativas, além das restrições ligadas às desigualdades financeiras entre nações, para realizar um plano da envergadura do estadunidense”, argumentou.
Plano de resgate à brasileira
Pensando nas condições do Brasil, Furno refletiu sobre como o Estado poderia realizar um plano de resgate no país. Ela reforçou que não existem limites ao gasto público e ponderou sobre a possibilidade de maior emissão de moeda como uma medida de reaquecimento econômico.
“Em teoria, o Estado não pode aumentar a base monetária indiscriminadamente porque na medida em que os agentes têm maior poder de compra e querem comprar, se a economia brasileira não tem a oferta daquilo que se quer comprar, isso gera inflação. Mas a economia brasileira sugere neste momento, em função de um desemprego aberto de 14 milhões de pessoas e uma capacidade ociosa de equipamentos e máquina de 20%, que o aumento da base monetária não geraria inflação, porque rapidamente poderiam utilizar essas máquinas ociosas para atender a demanda”, considerou.
Outra possibilidade seria maior endividamento do Estado, medida criticada por analistas neoliberais. Furno explicou: “Se um Estado está excessivamente endividado, os investidores, compradores de títulos públicos, pensam que ele não tem a capacidade de pagar sua dívida ou demoraria muito para pagá-la, então optam por não comprar mais títulos públicos. Mas já vimos que os agentes estão comprando títulos públicos”. Portanto, poderiam vender inclusive mais títulos públicos para arcar com os gastos de um plano emergencial, como fez Joe Biden nos EUA.
Furno relembrou, contudo, que só se pode falar de medidas que extrapolam o teto de gastos porque a dívida brasileira é em reais. “Se não a gente seria como a Argentina, que agora sofre restrições aos gastos públicos porque está endividada de uma moeda que não emite”, reforçou.
A economista-chefe do IREE descartou a possibilidade de usar parte das reservas internacionais brasileiras para pagar um pacote desse tipo. O Brasil atualmente tem em torno de 200 milhões de reservas cambiais, em dólar, acumuladas em função do boom de commodities entre 2000 e 2014.
“Eles são muito importantes porque permitem uma menor vulnerabilidade em relação à economia externa, às flutuações de câmbio”, expôs. Por isso, opinou que utilizar essas reservas seria contraproducente.
“Não faz sentido usar uma reserva em moeda estrangeira para pagar um gasto que pode ser feito usando dívida pública, com a nossa própria moeda, num momento de juros baixíssimos. A gente precisa dessa reserva para realizar compras que realmente são em dólar, como a de vacinas”, sustentou.
Governo de esquerda
Com a possibilidade cada vez maior de que um governo de esquerda assuma a liderança do Brasil em 2023, Furno refletiu sobre as medidas econômicas que uma presidência progressista deveria adotar.
“O primeiro mandato seria muito mais de refazer ou desfazer medidas do que pensar em transformações no longo prazo”, admitiu, citando a revogação do teto de gastos e a reversão da autonomia do Banco Central como prioridades.
Além disso, ela mencionou a importância de um novo governo mobilizar os instrumentos necessários para empregar a população e dinamizar a economia de modo que o mercado privado absorva parte desse contingente de desempregados.
“Medidas de financiamento de inatividade são necessárias. Isto é, que permitam aos jovens se qualificar mais, em vez de ter de entrar no mercado de trabalho tão cedo porque precisa se sustentar, impedindo-o de se formar adequadamente e conseguir empregos melhores. E que incluam os idosos. O estado financiando a inatividade dos jovens e idosos diminui a pressão no mercado de trabalho de incorporar pessoas procurando trabalho e aumenta os salários, porque aumenta a qualificação dos trabalhadores”, justificou.
Por fim, outras medidas importantes a serem adotadas por um novo governo de esquerda para a economista incluem uma reforma tributária e diversificação produtiva para colocar o Brasil “numa rota de crescimento mais sustentável”, com competitividade internacional.
“O Brasil tem capacidade para desenvolver tecnologia de ponta e liderar a mudança na matriz energética”, exemplificou.
Para tanto, reverter os processos de privatização é essencial: “A Petrobrás deve deter o monopólio da extração de petróleo, pelo menos na área do Pré-Sal. A Vale precisa ser reestatizada. Temos empresas com potencial de ser vanguarda na mudança energética do mundo”.