No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta segunda-feira (26/04), o jornalista Breno Altman entrevistou o professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) Sérgio Amadeu sobre os dilemas das redes sociais como espaços de democratização da informação e de coleta de dados.
“A internet e as redes sociais democratizam, mas trazem algumas crises que agora estamos vivendo. Achávamos que porque a internet não tem um centro de controle, por ser distribuída, seria necessariamente democrática e que não é. Porque distribui, também, autoritarismo e vigilância”, explicou o professor.
De acordo com ele, os princípios segundo os quais se pensava que funcionaria inicialmente a internet não se confirmaram.
“A gente pensava que quem participava das redes era também quem defendia os direitos dos outros de participar, mas isso não se confirmou. A participação, na verdade, reproduz a dinâmica da sociedade, dando mais força para quem tem dinheiro. Além disso, achávamos que devíamos permitir que qualquer dado navegasse livremente pela internet para que ela de fato fosse livre, mas esses dados são usados para controlar e para vender”, reforçou.
Amadeu detalhou o controle que as redes sociais exercem atualmente sobre os usuários e que se baseia numa combinação de publicidade, “que é algo que existe há muitos anos”, com um modelo de negócios baseado na coleta de dados pessoais, que acabou se transformando em um dos pilares do neoliberalismo.
“As empresas que estão explodindo em rentabilidade são as que criaram o modelo de negócio baseado em oferecer serviços gratuitos em troca de coletar dados pessoais. A partir da construção de uma interface que te mantém nela o tempo todo, se tornou possível extrair o teu padrão de comportamento e saber onde você está na rede. Se criou uma rede de controle jamais vista”, argumentou.
Segundo o professor, os beneficiados são quase exclusivamente as corporações que, baseadas nas informações coletadas, estão o tempo todo tentando vender produtos, ideais ou mesmo posturas políticas.
Para ele, existe a ilusão de que os usuários também se beneficiam de mecanismos de busca gratuitos, como o Google. “Quando você faz uma busca no Google, ele vai tentar te identificar, muito dificilmente não vai conseguir, então quando te der uma resposta da busca, não vai ser uma resposta objetiva. Ele vai te dar o que ele acha que é o seu desejo”, ponderou.
Hoje, além dos dados que se coletam pelas buscas na internet, o fenômeno dos equipamentos smart fez com que a coleta passasse a acontecer também por áudio, em TVs e celulares.
“Se você quiser conter essa coleta abusiva de dados, no caso da TV, é só não falar nada que te comprometa, mesmo com ela desligada. Se quiser falar de algo sério com alguém por telefone e e-mail, use criptografia. Se você tem dificuldade de usar criptografia, não concentre seus dados numa única empresa porque o Google não vai passar seus dados para a Amazon, que não vai passar os seus para a Microsoft”, recomendou Amadeu.
No caso de aplicativos de conversa, como o WhatsApp, no entanto, o professor afirmou que “eles não estão interessados no conteúdo da sua mensagem”. O interesse está nos metadados, isto é, quantas vezes um usuário se comunica com o outro, de quantos grupos forma parte, quais são os horários nos quais mais usa o aplicativo, etc.
“Além de que o WhatsApp é do grupo do Facebook, então eles cruzam os dados. O WhatsApp não precisa saber do conteúdo das suas mensagens”, ressaltou.
Regulação e supervisão democrática
Amadeu apontou para a necessidade urgente de uma lei de regulação ou supervisão democrática das redes sociais. Não apenas devido à coleta de dados que realizam, mas às práticas autocráticas que têm, por exemplo bloqueando a conta no Twitter do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.
“Trump deveria ter tido seus ataques bloqueados pelo judiciário estadunidense e instrumentos da república democrática que os EUA dizem ser, mas todos ficaram quietos. Uma rede social que diz ser uma esfera pública e neutra, tendo um ato autocrático, colocando-se acima da lei é muito perigoso. Se as redes sociais querem ser parte da esfera pública, têm de estar subordinadas às constituições e às estruturas democráticas”, defendeu.
Reprodução/Facebook
Sérgio Amadeu foi o entrevistado de Breno Altman nesta segunda (26/04)
Para ele, organizações da sociedade civil devem formar parte de iniciativas públicas de proteção aos usuários. Nesse sentido, o professor lamentou o governo atual e a presença de militares na Autoridade Nacional de Proteção de Dados: “que proteção de dados podemos ter nesse cenário?”.
“O [ex-ministro da Educação Abraham] Weintraub tinha feito um acordo com a Microsoft que passou todos os dados SISU para serem rodados fora do Brasil, dados sobre o desempenho escolar de adolescentes. Você está deixando a inteligência dos dados com eles e perdendo inteligência aqui. Não há meio de precificação do que nós estamos perdendo. É perda de soberania digital”, disse.
Amadeu celebrou o Marco Regulatório da Internet, aprovado durante o governo Dilma Rousseff (2011-2016), mas ressaltou que ele leva em conta apenas as contradições estruturais do sistema, não regula aplicativos e redes sociais.
“A neutralidade da rede impede que uma operadora pegue todos os dados que saiam do seu celular. Não pode armazenar esse dado, não pode te cobrar a mais por usar Netflix ou ver conteúdo multimídia, por exemplo. Isso foi muito importante principalmente para a população mais pobre, que tem planos pré-pagos”, refletiu.
Para ele, a solução estaria em, além de realizar uma vigilância democrática, criar novas plataformas que concorram com os oligopólios para garantir soberania e evitar o “colonialismo cibernético”. Isto é, que dados sensíveis de interesse nacional sejam coletados por empresas estrangeiras que podem manipulá-los segundo seus próprios interesses.
Redes sociais como ferramenta de luta
Todas essas contradições, entretanto, não significam que as redes sociais não têm outra função além da de coleta de dados, como considerou Amadeu – a exemplo da Primavera Árabe, cujas manifestações eram convocadas exclusivamente através do Facebook. Ou mesmo de organismos de direita, que se utilizam desses aplicativos para disseminar fake news e promover seus próprios interesses.
“São movimentos com sinais diferentes. No caso da direita, usou muita grana e vários instrumentos distintos, como fazendas de cliques [pessoas contratadas para atuar como bots, mas fugindo do algoritmo de robôs], para inundar as redes. A esquerda também investiu nessa estratégia, mas como não representa os interesses do capital, não tem tantos recursos financeiros para ser tão eficiente nesse sentido”, argumentou.
Amadeu acredita que é por esse motivo que a esquerda deve se preocupar em conscientizar as suas bases sobre o poder das redes, para criar novas formas de financiamento e gestão da atuação online.
“Além de também promover novas plataformas, viáveis, que não sejam impositivas – porque hoje você usa o WhatsApp porque não tem outro – e que chamem as pessoas. É, portanto, uma luta política e cultural que devemos travar”, concluiu.