No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta quarta-feira (28/04), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou a jornalista Florência Costa, que morou na Índia por sete anos, sobre a história e política atual do país. Ela é autora do livro Os Indianos, publicado pela Editora Contexto.
Atualmente, a Índia é governada por Narendra Modi, do Partido Popular Indiano (BJP, em hindi), classificado por Costa como de direita. A jornalista apontou para as políticas neoliberais do BJP, que aprofundaram as desigualdades do país, as quais já vinham se agravando desde a década de 90, quando os projetos liberais começaram a ser implementados.
“O BJP tem sua origem inspirada no fascismo italiano. Tem um projeto nacionalista hindu e tenta alinhar o neoliberalismo ao fundamentalismo religioso, ao hinduísmo. Então concentram o poder em castas intermediárias e altas hindus”, explicou Costa.
Isso significa, segundo ela, que ficam de fora das políticas sociais e projetos de governo as minorias religiosas, principalmente os muçulmanos, e as castas inferiores, principalmente os dalits, cujos membros são párias sociais, considerados intocáveis.
“Além das mulheres, que são minoria. Há uma prática de abortar meninas porque não é vantajoso do ponto de vista financeiro ter filhas. Na tradição indiana, a família da mulher, quando ela se casa, tem que dar um dote, que não é barato. Por causa disso há leis que proíbem realizar exames para ver o sexo do bebê, para evitar abortos, e que proíbem o dote. Mas, na prática, nada disso acabou. Pelo contrário, o consumismo e o neoliberalismo estimulam que essas práticas tradicionais conservadoras sigam existindo”, argumentou Costa.
Sistema de castas
Retomando a questão do sistema de castas, a jornalista detalhou a divisão da sociedade indiana, que obedece um sistema classista criado há séculos.
“Inicialmente esse sistema esteve estruturado em torno de profissões. Existem três classes altas: os brâmanes, relacionados à religião e transmissão de conhecimento; os xátrias, ligados ao poder político e militar; e os vaisyas, que são os comerciantes”, enumerou.
Castas intermediárias e baixas, há muitas. O primeiro-ministro forma parte de uma casta intermediária, disse a jornalista. Por último estão os dalits, “fora do sistema, considerados impuros por ter trabalhos relacionados à limpeza de latrinas, limpar couro de animais, por exemplo”.
Ela reforçou que essa divisão é somente social e hereditária, mantendo-se graças a casamentos arranjados entre pessoas de mesma casta ou de castas similares, mas não econômica.
“Existem cotas para os dalits, então há dalits milionários, cujos pais, devido às cotas, conseguiram virar funcionários públicos e garantir uma educação superior aos filhos. Mas ter dinheiro não impede que sofram preconceito. Eles são identificados por seus sobrenomes, então os mudam para que sejam neutros ou deixam de usá-los diretamente, para não ter problemas para fechar contratos ou pedir empréstimos em bancos, por exemplo”, ressaltou.
De acordo com Costa, apesar de o sistema de castas reger o funcionamento da sociedade indiana, há aqueles que negam sua existência. “A classe média afirma que não existe o problema das castas, assim como no Brasil as pessoas dizem que não existe racismo. O projeto nacionalista tenta negar o sistema. Afirmam que essa é só uma realidade da população rural, mas a população rural representa 70% do país. É verdade que nelas a situação é mais grave, mas é uma realidade no país todo e gera desigualdade”, ponderou.
Mais do que desigualdade, o sistema de castas gera violência. Os dalits são constantemente atacados por comer carne de vaca, entre outros motivos. A vaca é um animal sagrado na Índia, em algumas regiões é proibido matá-las, e comê-las é impensável. No entanto, a Índia ainda enfrenta o problema da fome, “e o que acontece é que as castas mais baixas acabam comendo o que tem. Se a vaca morreu, elas comem. E já houve casos de dalits carregando vacas mortas sendo linchados porque se sabia que aquela vaca ia ser comida, mesmo que aquela pessoa não tivesse matado o animal”.
Decadência do nacionalismo indiano?
Para Costa, esse sistema excludente, fortalecido pelo neoliberalismo, “levou à formação de uma massa muito insatisfeita, que já não pode ser silenciada com propaganda e carisma, que é do que se aproveita Modi. Ele é um líder muito carismático, que apela para a simbologia religiosa, sabe mexer com a emoção das pessoas e usa as redes sociais para disseminar seu projeto”.
Segundo a jornalista, a insatisfação cresce com o descontrole da pandemia, resultado direto de políticas equivocadas do governo. Em março do ano passado, a Índia realizou um lockdown nacional, que foi seguido “pela liberação total da população nas ruas, como se a covid tivesse sido vencida”. Como resultado, a Índia já registrou mais de 18 milhões de casos e 200 mil mortes.
“O maior desafio do Modi é lidar com essa pandemia, principalmente no meio rural. Ele está sendo criticado por todos os lados”, ponderou Costa.
“Por isso agora é o momento para que a população se mobilize e questione a atuação irresponsável do governo que, por politicagem, autorizou comícios e festivais religiosos. A esquerda indiana está fraca, mas tem a chance de se fortalecer nessas mobilizações sociais e quem sabe mudar o cenário nas próximas eleições”, refletiu a jornalista.