No programa 20MINUTOS ENTREVISTA desta quarta-feira (05/05), o jornalista Breno Altman entrevistou o professor e escritor João Paulo Netto, autor do livro Karl Marx, uma biografia (editora Boitempo). Durante a conversa, o autor reforçou a atualidade do marxismo, afirmando ver “seu renascimento dando os primeiros passos”.
“Vemos como as mentiras se articulam atualmente, vimos o que aconteceu em Madri [nas eleições regionais], vivemos a fase mais contrarrevolucionária da história moderna, com derrotas seríssimas para os trabalhadores. Então, Marx nos leva a discutir coisas de agora, não há pensador mais vivo”, ressaltou.
Além disso, para ele, o capitalismo “continua sendo o capitalismo”, mesmo com todas as suas mudanças e graças a elas, já que a atual crise sanitária mundial está escancarando os limites do sistema. Por isso, em sua opinião, a leitura de Marx se faz tão necessária.
“O capitalismo na pandemia desvestiu suas vestes. Alguém ainda acha que o capitalismo pode oferecer alguma perspectiva mínima de uma alternativa apenas decente de vida?”. questionou. Nesse cenário, “Marx vem para ser nosso incômodo companheiro de jornada”.
Netto acredita, portanto, que é possível um caminho rumo à consciência de classe e à revolução, mas alertou que este será longo e demorado. “Estamos vivendo um processo de levar os jovens e todos aqueles que não querem o desastre e o suicídio da humanidade para outras vias, mas vai ser um processo longo, vamos penar muito ainda”, ponderou.
O professor, porém, não vê essa demora como uma tragédia. Ele comemorou que o marxismo, antes presente apenas na academia brasileira ou entre os partidos comunistas trotskistas, hoje está mais presente na sociedade e mais diversificado.
“Hoje a quantidade de professores universitários escrevendo, participando de movimentos, a quantidade de publicações disponíveis vejo com muito otimismo. Acho bom que não haja o monopólio de uma corrente marxista, até porque a esquerda é hegemônica em torno do marxismo de forma mais geral. Por isso sou otimista. Acredito que viverei para ver o renascimento do movimento socialista mundial”, disse.
Keynesianismo e pós-modernismo na esquerda
Discorrendo em detalhe sobre o marxismo na esquerda brasileira e os movimentos progressistas em geral, Netto refletiu sobre a adesão cada vez maior de economistas de esquerda ao keynesianismo.
“Temos que ser cautelosos. [John Maynard] Keynes foi um pensador sério e sua influência é enorme. Foi um homem culto, mas que só conhecia a economia e que escreveu que na guerra de classes seu lugar era ao lado da burguesia letrada. Não sei o que seria uma burguesia letrada, mas foi o que ele disse”, expôs o professor.
Apesar disso, ele não descartou a importância de Keynes e sua influência até progressista entre economistas, “mas só entre os que não têm nada a ver com o marxismo”.
“Penso que ele deve ser um interlocutor dos economistas marxistas. Agora, não podemos transformar essa interlocução em uma espécie de abertura do marxismo às ideias keynesianas e neokeynesianas. Aí acho que é ecletismo teórico, algo que nunca deu bons resultados para ninguém”, atentou.
Netto também lamentou a popularidade que os ideais pós-modernistas vêm ganhando. “Há teóricos pós-modernos sérios, mas são minoria. Eu li o essencial desses autores e acho que, apesar de ateu, isso me garante um lugar no paraíso celestial”, comentou.
O professor explicou que as questões postas pelo pós-modernismo são pertinentes, mas que suas soluções e encaminhamentos “são as mais primárias”.
‘É muito complicado escrever só sobre Marx’
Falando sobre a biografia de Marx e seus estudos para escrever a obra que se tornou sucesso de vendas da editora Boitempo, Netto chamou a atenção para Friedrich Engels: “No livro eu comecei dizendo, porque foi um dos problemas que encontrei o tempo todo, que é muito complicado escrever só sobre Marx. Uma das primeiras dificuldades nesse aspecto é trabalhar com rigor a importância de Engels”.
Para ele, muitos marxistas negligenciam Engels, limitando-se a dizer que ele era um positivista, enquanto Marx era dialético. “Nunca embarquei nessa”, contrapôs o professor.
“Engels é um pensador de luz própria. Acho que ele fez certos desenvolvimentos que são problemáticos, mas dissociá-lo de Marx não é apenas um problema espinhoso, mas é um equívoco. A importância de Engels está muito clara em O Capital. Estou convencido, depois de anos de leitura, que os livros dois e três nós só temos graças a Engels. Ele não foi um mero editor, há elementos de coautoria”, acrescentou Netto.
Aliás, de acordo com o professor, Engels “chegou primeiro” do que Marx aos pensamentos comunistas, “ainda que do ponto de vista filosófico”, e à classe operária. “Enquanto Marx estava tentando entender o que era o proletariado, Engels, antes de completar 25 anos, estava editando a obra que se tornou um clássico sobre a situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Não que Marx não fosse chegar sozinho à economia política, mas Engels antecipou isso naquele texto de 30 páginas que mandou para Marx editar antes de publicar”, argumentou.
‘A ditadura do proletariado é extremamente democrática’
Discorrendo sobre aspectos teóricos da obra de Marx, Netto abordou o tema da ditadura do proletariado, que justificou como sendo “extremamente democrática”, lamentando a percepção negativa que existe do termo.
“Temos que pensar como eles entendiam ditadura. Entendiam como uma hegemonia política, porque Marx e Engels não vinham da tradição liberal em que ditadura é governo de exceção. Para eles, ditadura era qualquer governo de dominação de uma classe”, justificou.
Por isso defendeu o aspecto democrático da ditadura do proletariado, cuja proposta era universalizar as demandas da maioria, apontando para a Comuna de Paris, grande exemplo dos autores para cunhar o termo.
“Era o que se configuraria como ditadura do proletariado, mas era democrática, com revogabilidade de mandatos imperativos, eleições e subordinação das autoridades ao eleitorado. Isso é democracia”, reforçou.