No programa 20MINUTOS ENTREVISTA desta quarta-feira (12/06), o jornalista Breno Altman entrevistou o ator José de Abreu, uma das principais figuras da resistência cultural e política ao bolsonarismo atualmente. Ele analisou a agressiva guerra cultural que o governo de Jair Bolsonaro vem travando contra o meio artístico.
Para ele, essa perseguição se dá pelo fato de que a cultura “faz as pessoas abrirem os olhos, quanto mais incultas, mais fácil dominá-las”. Segundo o ator, cujas origens artísticas vêm do teatro, este é sempre o primeiro alvo da extrema-direita, “que acredita no seu potencial revolucionário talvez até mais do que a esquerda”.
“Com o que estamos vivendo no Brasil, esse bolsonarismo, que é mais uma seita do que um movimento político, é difícil fazer algo a respeito. Agora eu não posso fazer mais teatro, na televisão o que vemos nas novelas normalmente são distrações. Os artistas precisam de liberdade para criar, não consigo viver em um país sem liberdade. Me dá aflição”, desabafou José de Abreu.
Por outro lado, o ator comemorou a pouca influência do bolsonarismo no meio artístico. De acordo com ele, o conservadorismo era mais comum durante o período da Operação Lava Jato e do golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, mas o bolsonarismo “me serviu para duas coisas importantes: que as Forças Armadas são uma porcaria e trazer para o meu lado 90% dos meus colegas”.
Na visão de José de Abreu, ao mesmo tempo que o bolsonarismo não encontra adeptos no meio cultural, ele também não encontra resistência.
“A esquerda cultural desapareceu. Você vai ao teatro hoje e de dez peças, uma é de cunho humanístico ou político. Só se fazem comédias. Se colocou na cabeça a ideia de que ninguém quer ver peças sérias. Acho que porque quando comecei, a gente queria ser ator de teatro e cinema. Hoje, as pessoas querem estar na TV, mas o que faz de um ator um ser consciente é o teatro”, ponderou.
Isso porque, para o ator, as peças de teatro são obras vivas que só existem “naquele momento efêmero, resultado do contato direto com o público, intenso, porque é efêmero. Acho que por isso os governos fascistas e autoritários sempre buscaram censurar o teatro primeiro, por provocar essa experiência profundamente enriquecedora, que agora já não se encontra. Falta à esquerda brasileira voltar para o teatro”.
O retorno da esquerda
Diante desse cenário, José de Abreu disse não ver uma saída a curto prazo para o Brasil, “vamos precisar de muito tempo para reconstruir o país”. O que não significa, contudo, que ele é um pessimista.
“Vamos ganhar com Lula no primeiro turno. Acredito muito na lei do retorno. Acho que quando Lula for para a televisão, vai atrair muitos votos, inclusive o de pessoas que votaram em Bolsonaro”, defendeu o ator.
No caso de que em 2023 o Brasil tenha um governo de esquerda, do ponto de vista da cultura, o artista colocou como urgente a reconstrução do Ministério da Cultura: “Há anos funcionários se demitem, desde o governo Temer, por perseguição política”.
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José de Abreu aponta que destruição cultural faz parte da estratégia de dominação da extrema-direita
Além disso, ele apontou para a quantidade de teatros fechados, a escassez das produções televisivas e o grande número de profissionais desempregados. Não apenas atores e atrizes, mas marceneiros, eletricistas, entre outros trabalhadores do mundo artístico.
“Qualquer governo democrático que assumir o Brasil, espero e estou seguro de que será Lula, terá de fazer um esquema radical para salvar a cultura. É necessário um programa emergencial para que as pessoas voltem a trabalhar”, reforçou José de Abreu, que sugeriu voltar a nomear Juca Ferreira como ministro da Cultura, cargo que o sociólogo ocupou durante o segundo mandato dos ex-presidentes Lula e Dima.
Sobre a possibilidade de se candidatar a deputado, o ator admitiu ter colocado seu nome à disposição do Partido dos Trabalhadores. “Mas não sei, ainda estou pensando. Minha família é totalmente contra e conversando com Lula ele me disse que não vê um caminho político para mim. Bater de frente contra a família e contra o Lula é difícil”, riu.
Lei Rouanet
Falando sobre o passado progressista do Brasil e a possibilidade de uma nova onda, José de Abreu avaliou a Lei Rouanet, alvo de muitas críticas por ser baseada em incentivos fiscais que dão às empresas o poder de decisão sobre o patrocínio de produções.
“A ideia inicial da Lei Rouanet era que ela fosse direcionada para grupos de teatro experimental da periferia, por exemplo. Era para incrementar a cultura onde a cultura não pudesse conseguir patrocínio ou bilheteria. Mas tudo se deturpa”, lamentou.
O ator desmentiu a ideia que se tem de que os artistas foram os que se beneficiaram da Lei Rouanet, lembrando que a CPI da lei, realizada em 2018, concluiu que os maiores beneficiários foram os empresários e, inclusive, contatos próximos de políticos como Aécio Neves.
“O erro que o PT cometeu foi, no momento em que se percebeu que a lei estava sendo deturpada, permitir que aquilo seguisse. Houve um deslumbramento com a possibilidade de ganhar dinheiro com cultura. Então peças que custariam 20, 30 mil passaram a custar dois milhões”, refletiu.
Nesse sentido, para José de Abreu, projetos de incentivo nos moldes da Lei Rouanet deverão ser repensados, caso a esquerda retorne ao poder.
“Temos que pensar em que cultura queremos reconstruir. A de duas ou três grandes produtoras fazendo grandes peças da Broadway? Ou a cultura do teatro da periferia?”, questionou.