No programa 20MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (14/05), o jornalista Breno Altman entrevistou o ex-chanceler do governo Lula Celso Amorim, que falou sobre a diplomacia brasileira, sua reconstrução e a nova ordem mundial centrada na disputa entre Estados Unidos e China.
“O dano feito à diplomacia brasileira por [Jair] Bolsonaro foi enorme. Vamos ter muito trabalho para reconstruir, mas acredito que com Lula ficaria imensamente facilitado o trabalho de recuperação da diplomacia brasileira e da credibilidade internacional, porque o Lula já traz nele a imagem do que foi o Brasil. Se tivermos outro presidente de esquerda, terá mais trabalho. Se for alguém que não seja de esquerda, pior ainda”, comentou o ex-chanceler.
Amorim ressaltou que Lula é o único político atualmente que “dá a garantia de vencer o bolsonarismo e acho que essa é a prioridade absoluta”, mas descartou a possibilidade de voltar a ser ministro, “é necessário alguém mais jovem”.
Enquanto isso, até as eleições de 2022, o ex-chanceler não vê possibilidades de melhora. “É quase impossível”, mas disse que, pelo menos, “podem não se agravar mais” com o novo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França. “O incendiário é o presidente, mas quem jogava gasolina em vez de água era o chanceler Ernesto Araújo”.
Caso um governo de esquerda volte ao poder em 2023, Amorim argumentou que as prioridades com relação à política externa devem restabelecer as alianças regionais com países da América Latina, “a Unasul deve ser recuperada”, e trabalhar para fortalecer e ampliar os BRICS.
“Precisamos fazer de nossa região um bloco com um peso parecido com o dos blocos mundiais. O Brasil se apequenou com algum custo, mas irá se recuperar. Agora, nem o Brasil é grande o suficiente para disputar de igual para igual com EUA, China ou União Europeia, então precisaremos fazer alianças”, ponderou.
Com relação aos BRICS, reforçou o papel do bloco de fortalecer a multipolaridade mundial, “é importante para o equilíbrio global”. No entanto, antes de trazer outros países para o grupo, ampliando-o, Amorim argumentou que deve-se priorizar a construção de um equilíbrio interno: “O Brasil está na situação em que está e a Índia agora está com um problema sério de excesso de nacionalismo hinduísta e rivalidade com a China”.
‘Não creio que haja uma nova Guerra Fria’
Sobre a polarização EUA e China, que se acentuou durante o governo Trump e que não dá sinais de arrefecimento com Joe Biden, Amorim descartou a existência de uma nova Guerra Fria.
“Quando uma potência supera a outra em termos econômicos, gera tensão. São dois sistemas diferentes em disputa, mas não creio em uma nova Guerra Fria. O mundo evoluiu, as questões mundiais são outras. Há uma dependência financeira entre eles muito grande. Quando tivemos a Guerra Fria, os EUA e a União Soviética eram mundos diferentes. Hoje, você vai a Shangai e poderia estar em um país ocidental. A grande diferença é que nos EUA os empresários mandam no governo e na China o governo manda nos empresários”, justificou.
Além disso, o ex-chanceler apontou para as características menos belicistas e de confronto de Biden, “então não acho que haverá uma escalada no sentimento anti-China e anti-Rússia, mas haverá, sim, uma rivalidade muito grande ainda”.
Casa de América/ Flickr
Amorim afirmou que Lula é o único político atualmente que ‘dá a garantia de vencer o bolsonarismo’
Amorim acredita, aliás, que a rivalidade com a Rússia será ainda mais intensa que com a China, “uma tradição dos democratas”. Sinal disso foi a troca de “granadas verbais” entre Putin e Biden, com o segundo chamando o primeiro de assassino e vice-versa.
Apesar disso, o ex-ministro não acredita que as rivalidades possam ter qualquer desdobramento militar. “Com Trump corríamos riscos de conflitos mais fortes, principalmente na América Latina, com a Venezuela. Acho que Biden não vai por essa linha”, refletiu.
“Não tenho ilusões sobre Joe Biden, mas costumo dizer que as nuances em política internacional são importantes, porque podem significar dezenas de milhares de vista. Nesse caso, a nuance atual é mais favorável”, enfatizou.
Israel e Palestina
Com relação à questão Israel e Palestina, em que na última semana a Faixa de Gaza vem sendo alvo de mísseis israelenses que já deixaram cerca de 119 mortos, Amorim não acredita que a postura dos EUA mudará. O país sempre apoiou Israel e deverá seguir nessa linha, “quem sabe se abstendo no Conselho de Segurança, como já fez em outros momentos”.
“Deveria ser exercida uma pressão diplomática muito grande contra Israel e não vejo um governo democrata fazendo isso, não vejo Biden fazendo isso. Ele não fez como outros governos norte-americanos já fizeram, pedindo cautela ou condenando os assentamentos israelenses, ele já culpou diretamente os palestinos pelo que está acontecendo agora”, justificou.
Sobre a questão no Oriente Médio, Amorim disse que para sua resolução seria necessário passar pela proposta dos dois Estados, “para garantir um mínimo de soberania e igualdade para a formação de um Estado só”, afirmou.
“Mas, sendo realista, o desejo de soberania dos palestinos é muito forte, assim como é o desejo israelense de manter suas fronteiras. Acho que oportunidades foram perdidas de se estabelecer a paz e agora a situação vai ficando cada vez mais complicada”, salientou.