No programa 20MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (25/05), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, falou sobre o tenentismo, as rebeliões da baixa oficialidade do Exército que abalaram a República oligárquica dos latifundiários de São Paulo e Minas Gerais nos anos 1920.
Para abordar o tema, Altman listou quatro episódios relevantes: a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (de 5 e 6 de julho de 1922); a Revolução Paulista (de 5 a 28 de julho de 1924); a Comuna de Manaus (entre 23 de julho e 28 de agosto de 1924); e a Coluna Prestes (entre 28 de outubro de 1924 e 3 de fevereiro de 1927).
“Foram capítulos decisivos na lenta e incompleta revolução burguesa no Brasil, cujo desfecho ocorreria em 1930, com a derrocada da República Velha e a ascensão de Getúlio Vargas ao comando do país”, justificou.
Para contextualizar esse processo, o jornalista explicou a transição do modelo escravagista-colonial para o capitalismo no Brasil: “Ao contrário do que ocorrera nos Estados Unidos, em países europeus e mesmo na América Hispânica, não foi produto de uma revolução política, de uma guerra de libertação ou de uma ruptura com o velho sistema. O principal traço desse processo foi o transformismo, isso é, a capacidade das velhas elites coloniais, agrárias e escravagistas de controlarem a transformação capitalista, preservando seu poder político e econômico, antigos privilégios, velhas relações de produção que seriam sobrepostas por novas, instituições ancestrais recauchutadas por mudanças periféricas na organização do Estado”.
Segundo ele, o desenvolvimento brasileiro poderia ser enquadrado no que o teórico e líder revolucionário Antonio Gramsci chamava de “revolução passiva”, e Vladimir Lênin costumava tratar como “via prussiana”.
De forma objetiva, as mudanças que ocorreram, ao menos entre 1822 e 1930, não implicaram na substituição das classes e frações de classe que exerciam o poder do Estado. Estas regeram a acumulação capitalista, tanto em sua fase primitiva, durante o escravagismo, quanto em sua etapa mais madura.
“O poder dos senhores de terra, antes donos de escravos, sempre latifundiários, depois banqueiros e industriais, por metamorfose ou associação, tinha como coluna vertebral, desde a Guerra do Paraguai, o Exército brasileiro”, reforçou.
A partir daí, os militares passaram a exercer uma função tutelar e unificadora sobre o Estado, frente à divisão regionalista das oligarquias, sua fragilidade cultural e política, sobre a emergência dos crescentes movimentos proletários e populares.
Ainda que o país fosse predominantemente agrário, vivendo da exportação de produtos primários, o desenvolvimento capitalista empurrado pelas rendas rurais e a associação com o capital imperialista, especialmente britânico, começava a urbanizar o país.
“Foram surgindo camadas médias que almejavam prosperidade através da educação, de empregos modernos e da abertura de novos negócios, em boa parte favoráveis a um ambiente menos conservador e tacanho que aquele oferecido pelo perfil ruralista herdado de séculos anteriores”, expôs.
Esse movimento levaria, por exemplo, à Semana de Arte Moderna, em São Paulo, em fevereiro de 1922, “um terremoto cultural cujo pano de fundo era a aspiração desses setores médios em acelerar a revolução burguesa, concebida como a modernidade da época”. Para Altman, o tenentismo, contemporâneo da Semana de Arte Moderna, poderia ser considerado o braço armado dessas camadas médias urbanas.
“Muitos filhos desses extratos, de fato, procuravam acolhimento social e econômico ingressando nas Forças Armadas, particularmente no Exército, que também avançava em seus mecanismos educacionais para seguir adiante em seu papel tutelar, capaz de enfrentar estágios capitalistas mais consistentes”, reforçou.
Os novos ingressos na carreira militar, então, traziam as aspirações e as críticas de seu meio. Não eram anticapitalistas, nem mesmo críticos diretos do modelo excludente que se desenvolvia no Brasil. Pelo contrário: tudo o que queriam era espaço para que sua fração de classe participasse da riqueza e do poder, como apontou Altman.
“Por isso, se confrontavam contra os mecanismos mais evidentes do poder oligárquico: a corrupção, a fraude eleitoral, o autoritarismo, a esqualidez da educação pública”, refletiu.
A tendência inicial desses militares, portanto, não era socialista, mas republicana e liberal, como reconhecido por vários de seus líderes. “Naquela época do país, contudo, ser republicano e liberal era quase revolucionário, pois se confrontava com o velho poder dos latifundiários do café e do leite”, ponderou o jornalista.
Foi neste cenário que surgiu o tenentismo, “um movimento que leva esse nome por ter ganho força entre militares de baixa e média patentes”.
Investidas tenentistas
Nas eleições presidenciais de 1922, os setores civis e fardados alinhados à chamada Reação Republicana apoiariam a candidatura do fluminense Nilo Peçanha, contra o mineiro Arthur Bernardes, comprometido com as demandas dos grandes cafeicultores. Mesmo sob acusação de fraude e considerado um rival dos jovens militares, Bernardes venceu, instalando-se, assim, a crise.
A oposição se mobilizou contra o presidente eleito, que havia decidido fechar o Clube Militar e prender o marechal Hermes da Fonseca, no dia 2 de julho, expondo uma clara fratura no Exército.
“Estava em curso uma conspiração que deveria levar à revolta em quartéis por todo o país, mas apenas o Forte de Copacabana se rebelou, no dia 5 de julho, sob o comando do capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do marechal feito prisioneiro”, relatou Altman.
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Tenentismo no país ‘foram capítulos decisivos na lenta e incompleta revolução burguesa no Brasil’, disse Altman
Bombardeados pelas forças legalistas, cerca de 300 revolucionários resistiram até às 4h da manhã do dia 6, quando os dois principais oficiais, Euclides Hermes e Siqueira Campos, permitiram a todos que quisessem desistir da luta. Apenas 29 decidiram continuar. Euclides Hermes tentou uma negociação, mas acabou preso. Os 28 restantes marcharam, então, pela avenida Atlântica em direção ao Leme, mas alguns se dispersaram. Somente 17 militares, mais um civil, chegariam à rua Barroso, atual Siqueira Campos, na altura do Posto 3 de Copacabana, para se renderem.
“Terminava, assim, a primeira das revoltas tenentistas. Derrotados, os tenentes se transformariam em símbolo da resistência contra a República Velha e sua chama se propagaria pelo país, inspirando novas conspirações”, afirmou o jornalista.
A Revolta Paulista, segundo episódio citado por Altman, irromperia dois anos depois, no segundo aniversário do levante de Copacabana, liderada pelo general Isidoro Dias Lopes. “Era para ter sido uma insubordinação nacional, mas somente conseguiu estimular outros focos em Mato Grosso, Amazonas, Pará, Sergipe e Rio Grande do Sul”, narrou.
A capital paulista se transformou em palco de guerra. Os tenentistas, que tinham apoio do nascente movimento operário, tomaram vários pontos estratégicos e atacaram o Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo estadual, obrigando o governador, Carlos de Campos, a fugir da cidade.
As forças oficiais começaram a bombardear pesadamente São Paulo. No dia 10 de julho, os revoltosos divulgaram um manifesto que exigia a deposição de Artur Bernardes e uma série de reformas políticas.
Não resistindo à superioridade bélica dos legalistas, os tenentes decidiram sair da cidade e romper o cerco no dia 28 de julho, marchando para a região norte do Paraná, na fronteira entre Paraguai e Argentina, chegando a tomar algumas cidades paranaenses e catarinenses.
“Inspirados pelo levante paulista, os tenentes de Manaus também se insurgem, em um movimento irrompido no dia 23 de julho e que se estenderia até Óbidos, no Pará, local onde se concentrariam as operações militares. O alvo dessa expansão do tenentismo era Belém, mas nunca seria alcançado. Os tenentes, no entanto, controlariam o governo de Manaus até o dia 28 de agosto, comandados pelo tenente Alfredo Augusto de Ribeiro Junior, quando as forças federais recuperariam o controle da cidade”, contou Altman.
A Coluna Prestes
Para, contudo, a mais importante das revoltas tenentistas para o jornalista foi a quarta, conhecida como Coluna Miguel Costa-Prestes ou simplesmente Coluna Prestes.
Seu início se deu no dia 28 de outubro, quando se levantaram batalhões na Região das Missões, no Rio Grande do Sul, sob o comando do capitão Luiz Carlos Prestes, que chefiava o 1º Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo. As tropas de São Luiz Gonzaga, São Borja e Uruguaiana também se somariam. As forças oficialistas, muito mais numerosas e bem armadas, tentaram tomar São Luiz Gonzaga, mas os homens de Prestes romperam o cerco “a partir de uma tática que entraria para a história e inspiraria a luta guerrilheira em muitos países, a da ‘guerra de movimento’”.
Denominados Coluna Gaúcha, subiriam para Santa Catarina e pelo Paraná, até se juntarem aos rebeldes paulistas em fuga, formando no dia 12 de abril de 1925, em Foz do Iguaçu, a 1ª Divisão Revolucionária da Coluna Costa-Prestes: Miguel Costa era o comandante militar e Prestes o chefe do Estado Maior. Os quatro destacamentos eram comandados por Siqueira Campos, João Alberto Lins de Barros, Cordeiro de Farias e Djalma Dutra.
“A Coluna Prestes, com aproximadamente 1.5 mil homens e 50 mulheres, percorreria cerca de 25 mil quilômetros pelo país, atravessando 13 estados brasileiros, sem jamais ter sido derrotada em batalha. No entanto, incapaz de derrubar o governo Bernardes, perseguida implacavelmente, se exilaria na Bolívia entre fevereiro e março de 1927, dissolvendo-se”, relembrou Altman.
Assim encerrava-se o ciclo tenentista, que durou cinco anos.
“Apesar de não terem sido militar ou politicamente vitorioso, abalaram o poder oligárquico e abriram caminho para a Revolução de 1930, quando uma fração da oligarquia agrária, os pecuaristas sulistas, oposta aos latifundiários de São Paulo e Minas, sob a chefia de Getúlio Vargas, compuseram um novo bloco histórico, que conduziria o país à modernização capitalista”, avaliou o fundador de Opera Mundi.
A divisão do tenentismo
Os tenentes foram o braço armado da chamada Revolução de 1930.
A Prestes, Getúlio Vargas ofereceu o comando militar do movimento, um convite recusado: “O comandante da guerrilha aprofundara sua crítica social durante os combates e, no final dos anos 20, já se aproximava do marxismo, do Partido Comunista e da experiência soviética”. Para Prestes, a “revolução” de Getúlio de revolucionária tinha apenas o nome, porque não enfrentaria nenhuma das grandes tarefas necessárias para eliminar a concentração absurda de renda e riqueza, a começar pela reforma agrária, segundo Altman.
O jornalista conta que, nesse momento, os tenentes começariam a se dividir em duas alas. Uma majoritária, de direita, liderada por João Alberto, Cordeiro de Fria e Juarez Távora, “que se incorporaria ao movimento de Getúlio, se reintegraria ao Exército e terminaria seus dias apoiando a ditadura militar pós-1964”.
A minoritária, de esquerda, “seguiria sob a batuta de Prestes”. Muitos de seus integrantes acabaram se filiando ao Partido Comunista e organizaram a Rebelião de 1935, contra o governo de Getúlio Vargas, chamada pela direita de “Intentona Comunista”, “movimento que diversos estudiosos consideram como terceiro ciclo do tenentismo”.