No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta quinta-feira (27/05), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou Vijay Prashad, historiador, jornalista, autor e um dos mais renomados intelectuais marxistas da atualidade.
Segundo ele, apesar de a pandemia ter evidenciado as contradições e limitações do neoliberalismo, o capitalismo “não é um sistema que cai por conta própria”, sendo necessária a mobilização popular.
“Nenhum sistema, na verdade, morre sozinho, especialmente não um em que o poder está tão concentrado em tão poucas pessoas. Essa parcela não vai permitir o colapso de seu sistema, nem vai entregá-lo voluntariamente”, explicou.
Nesse sentido, as classes dominantes não são patrióticas nem possuem nenhum tipo de humanidade com relação ao resto de cidadãos, algo que ficou claro durante a pandemia.
“Quando descobrimos que a covid-19 era transmitida de pessoa para pessoa em janeiro, países como Vietnã, Laos e Cuba tomaram medidas imediatamente, colocaram seus sistemas de saúde pública para funcionar, fizeram quarentenas direcionadas, testagem em massa, não tomaram medidas loucas e extremas. Nos mostraram que você não precisa de dinheiro para lutar contra uma pandemia. O que você precisa é de uma perspectiva socialista que coloque as pessoas, e não o lucro, como prioridade”, ressaltou.
Por isso, Prashad disse que não cabe a ele dizer que o socialismo é melhor que o capitalismo. “Basta ver a realidade da situação. Atualmente, você preferiria viver em São Paulo ou em Cuba?”
Apesar de não acreditar no fim do neoliberalismo, “sobretudo não em países da Ásia, África e América Latina”, o jornalista reconheceu que a Europa e a América do Norte estão percebendo a necessidade de abandonar dois dos principais pilares do sistema – “politização e austeridade”.
“Vamos ver um relaxamento dos parâmetros neoliberais nos Estados Unidos e na Europa, principalmente. Os governos vão passar a gastar mais, veremos o fim do teto de gastos, e talvez até reformas tributárias”, ponderou Prashad.
‘New Deal para os negócios, não para a sociedade’
Nos EUA, o presidente Joe Biden aprovou um extenso plano de gastos públicos para a recuperação econômica do país. Muitos comparam o Plano Biden ao New Deal, plano de investimento em infraestrutura e reformas financeiras de Theodore Roosevelt nos anos 30. Para Prashad, essa é uma comparação “complicada”.
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Vijay Prashad é o entrevistado desta quinta (03/06) no 20 Minutos Internacional
“Na época de Roosevelt, era normal ter o governo promovendo direitos e obras de infraestrutura. A esta altura, porém, o governo não vai construir pontes ou providenciar serviços com dinheiro próprio. O governo vai contratar o setor privado. É um New Deal para os negócios, não para a sociedade”, criticou.
Ele, inclusive, descartou a possibilidade de uma reforma financeira. “Com a crise de 2008 veio a promessa de regular os bancos, mas quando a crise passou, os bancos não aceitaram nenhum tipo de regulação financeira. Se nesse momento não houve nenhuma reforma, não haverá agora”, refletiu.
Para o jornalista, é uma ilusão pensar que a situação nos EUA vai mudar drasticamente só porque, agora, a Casa Branca está ocupada por um democrata, . “O fato é que existem semelhanças estruturais entre republicanos e democratas, principalmente na relação que estabelecem com o resto do mundo. A campanha de pressão à China começou com [Barack] Obama [2009-2017], foi agravada por [Donald] Trump [2017-2021] e Biden não retrocedeu”, agregou.
Prashad reforçou que não prevê o fim do imperialismo no mundo, apenas uma mudança de atitude, pois “os democratas [o partido] são mais sofisticados”. Por isso, ele alertou a América Latina, que depende de financiamento internacional, para pressões políticas vindas dos EUA.
“É da natureza do mundo moderno os países precisarem de financiamento externo. Nossas contas chegam num momento em que não temos dinheiro. E alguns países precisam de mais. Em eras anteriores, a América Latina ia direto ao FMI. Mas, nos últimos dez anos, financiamento chinês passou a entrar na Bolívia, Equador, El Salvador. Os EUA não querem isso, vão usar seu poder político para evitar que países consigam empréstimos da China. A China não faz isso, não mistura relações comerciais com questões políticas. Os EUA, por outro lado, alinham ambos”, apontou o jornalista.
Ele acredita que, para se proteger da pressão estadunidense, os países latino-americanos devem se reunir e se fortalecer a nível regional, desenvolvendo métodos de financiamento que não dependam nem da China, nem dos EUA.
Ascensão fascista
Somada à política exterior dos EUA, que aponta para uma continuidade do sistema imperialista, há a ascensão de governos e políticos neofascistas, fenômeno que a América Latina vive já faz algum tempo e que agora ameaça a Europa.
Para Prashad, discursos autoritários e conservadores crescem em momentos de crise porque “encontram culpados”.
“É uma alucinação, mas uma alucinação poderosa, em que dizem que entendem o problema da população, falam com compaixão, ainda que uma compaixão estreita. Dizem: ‘Eu te entendo, pessoa comum’ e isso é atraente, mas aí eles se viram e culpam imigrantes, pessoas LGBT. É uma forma fácil de chegar ao poder, mas uma forma difícil de governar, porque você não resolve o problema das pessoas, então é forçado a aprofundar o ódio que elas sentem pelos ‘culpados’”, explicou. E esse discurso serve à classe liberal dominante, como agregou o jornalista.
Segundo ele, os governos neofascistas “fazem o trabalho sujo da elite”. Bolsonaro, para ele, é útil à elite.
“A elite não é necessariamente contra os LGBTs ou imigrantes, mas ficam contentes de ter alguém que diga que é. Se fazem de indignados, mas no fundo estão felizes com Bolsonaro fazendo seu trabalho sujo”, reforçou.