No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta quarta-feira (02/06), o jornalista Breno Altman entrevistou Ivana Jinkings, fundadora e diretora da Boitempo, sobre a trajetória da editora, que completa 26 anos este ano, e o hábito de leitura no Brasil.
Segundo dados referentes a 2019, publicados em 2020 pelo Instituto Pró-Livro, 48% dos brasileiros não leram nem mesmo um livro no ano e a maior queda de leitura foi registrada entre pessoas com nível superior. Para Jinkings, esses dados não são resultado necessariamente de menos leitura, mas consequências da concentração do mercado editorial e da disseminação em massa de pdfs, inclusive de livros da Boitempo.
“Mas tenho a impressão de que, do ano passado para cá, os índices possam ter melhorado. Acho que as pessoas encontraram tempo para ler, passaram a sair menos, ir menos ao cinema, ao restaurante, e foram sentindo mais a necessidade de ler nesse período”, argumentou.
Tanto é que, de acordo com a editora, a Boitempo não sofreu economicamente com a pandemia, como tantas outras empresas, principalmente graças ao aumento do site e das vendas diretas, explicou.
“O ano de 2020 não foi ruim para a Boitempo. Lançamos o nosso clube do livro já com mil e tantos assinantes, por exemplo. Isso mostrou que as pessoas têm uma identificação com a editora, têm confiança no que oferecemos e que a gente consegue fazer esse encontro com os nossos leitores. O Blog da Boitempo e a TV Boitempo, por exemplo, são espaços de interação e com muito conteúdo gratuito”, ponderou.
Jinkings reconheceu, entretanto, a necessidade de políticas públicas para incentivar o hábito da leitura na população e movimentar o mercado editorial, “para que seja mais democratizado”.
Assim, um novo governo de esquerda, deveria “adotar medidas que tornem o livro mais acessível”: “Por exemplo a implementação do preço fixo do livro, em que durante um ano ninguém pode vender aquele livro específico por um preço diferente, para manter um equilíbrio na cadeia do livro. Incentivar a construção e manutenção de bibliotecas, e oferecer formação para professores, para que possam trabalhar com os livros”, disse.
A diretora da Boitempo lamentou que o atual governo esteja indo na contramão do resto do mundo, taxando livros e transformando-os em bens de luxo, “quando é um bem cultural e assim deve ser tratado”.
“Que identidade, quais alicerces tem um país que não tem cultura, que não tem identidade? Tudo isso tem que estar contemplado em um governo minimamente democrático e progressista”, reforçou Jinkings.
26 anos de Boitempo
Ivana Jinkings é a filha caçula de Raimundo Jinkings que, além de um importante dirigente comunista, foi dono da Livraria Jinkings, em Belém do Pará, então ela cresceu rodeada de livros, inclusive com a vontade de ter sua própria livraria em São Paulo.
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Jinkings lamentou que o governo esteja indo na contramão do resto do mundo, taxando livros e transformando-os em bens de luxo
“Eu tinha um sócio, tinha o local, mas não tinha dinheiro. Montar uma editora era um atalho para montar a livraria. A Boitempo nasceu por esse motivo, mas o sonho de ter a livraria morreu”, revelou.
O nome veio de uma editora que seu pai teve durante a época da ditadura militar, “de vida muito curta”, chamada Boitempo, em Belém. O nome veio de um poema de Carlos Drummond de Andrade: “O nome era para driblar a censura. E eu descobri que eles tiveram autorização formal do Drummond para usar o nome, então, por conseguinte, me senti autorizada a usá-lo também”.
No entanto, mais que nada, o nome foi uma homenagem ao pai, ressaltou a diretora: “Quando estava com a ideia da livraria e depois da editora, todas as pessoas que consultei me desencorajaram, disseram que era uma loucura. Meus pais foram as únicas pessoas que me encorajaram. Aí quando estava já com o primeiro título na tradução, mas sem o nome da editora, em 1995, meu pai ficou gravemente doente. Foi naquele momento que decidi que queria homenagear meu pai. A Boitempo inaugurou e alguns dias depois meu pai morreu”, narrou.
Hoje, a Boitempo conta até com um selo infantil, a Boitatá, lançado em 2015, quando a editora completou 20 anos.
‘Boitempo não é exclusivamente uma editora de livros marxistas’
Com cerca de 530 títulos publicados e uma média anual de 40 lançamentos, a Boitempo é conhecida por publicar obras de Marx, Engels e Lênin. Mesmo reivindicando ser “a casa brasileira desses autores”, Jinkings salienta que a editora é plural e não está obrigada a publicar apenas autores e autoras com essa orientação ideológica.
“A Boitempo não nasceu inicialmente com essa vocação, eu diria. O plano era resgatar obras nunca publicadas, raras ou perdidas nos catálogos. No meio desse processo surgiu uma ideia de fazer uma coleção sobre sociologia do trabalho e, sem que tivesse um plano inicial, isso acabou levando a editora”, relembrou.
Jinkings, no entanto, não considera a Boitempo como uma editora marxista, “porque não me sinto presa ou com a obrigação de apenas publicar textos que conversem com o marxismo. Agora, é verdade que a Boitempo é uma editora de pensamento crítico”.
A maioria dos livros publicados pela editora são de não-ficção, com tiragens iniciais de três a quatro mil exemplares, em média. Sobre seus principais best-sellers, a diretora disse que Para Além do Capital, de István Mészáros, “colocou a editora em outro patamar”.
“É um livro de mil páginas, difícil, sobre filosofia. Disseram que a gente estava louco, uma editora pequena, publicar um livro desses. Mas vendemos a primeira tiragem em seis meses. Foi uma surpresa para nós”, recordou.
Outros livros que se tornaram fenômenos editoriais foram O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura; Mulher, Raça e Classe, de Angela Davis, e a coleção das obras de Vladimir Lênin, “que a gente tinha receio de fazer porque era uma dificuldade de encontrar na academia alguém que estudasse Lênin, mas a coleção foi super bem recebida”.
Isso porque, na concepção de Jinkings, atualmente, há mais aceitação de livros marxistas, principalmente em comparação a 1998, quando a Boitempo lançou o Manifesto Comunista, e, posteriormente, a coleção com as obras de Karl Marx e Friedrich Engels.
“Acho que as pessoas perceberam que precisavam voltar a ler Marx, sentiram essa necessidade. É uma obra estupidamente atual”, ressaltou.