No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta sexta-feira (11/06), o jornalista Breno Altman entrevistou Moara Crivelente, diretora do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e uma das principais estudiosas da questão palestina no Brasil.
Quase 30 anos após a assinatura dos Acordos de Oslo, Crivelente avaliou que a ocupação da Palestina não apenas continua, “como foi regularizada”: “Há mais de 600 mil colonos israelenses vivendo em territórios palestinos. Os Acordos de Oslo fragmentaram o povo palestino, então todo o território está sob ocupação. Existe um controle estrutural até de territórios que supostamente deveriam estar sob gestão palestina”.
Com a pandemia, outra estratégia do apartheid israelense foi relevada: não providenciar vacinas para os palestinos. “Como nação ocupante, Israel tem a obrigação de oferecer vacinação, mas as vacinas que chegaram aos palestinos vieram da China”, contou a especialista.
“Israel viola praticamente todos os artigos da Convenção de Genebra, não só violando o direito internacional, como enterrando qualquer possibilidade da solução dos dois Estados. Não sobra mais terreno para a existência de um Estado palestino”, reforçou.
Exemplo disso são as ordens de despejo dadas por tribunais israelenses contra os moradores do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, território, em teoria, palestino.
Para Crivelente, se a situação já é preocupante, ela pode ficar pior ainda com a possibilidade de que assuma o governo de Israel a coalizão entre o partido centrista Yesh Atid, o partido árabe de direita Ra’am e a aliança de partidos de extrema-direita sionista, Yamina.
“O Yamina tem como base eleitoral os colonos dos territórios ocupados. Naftali Bennett [líder da aliança] se coloca como porta-voz dos colonos, defende a colonização da Palestina como valor nacional. O temor é que o novo governo seja pior ainda, porque será encabeçado por um extremista religioso, sionista que defende abertamente a ocupação [Bennett], ainda mais com a esquerda enfraquecida no Knesset [parlamento israelense]”, alertou a especialista.
Solução possível
Diante da aparente impossibilidade de chegar à solução dos dois Estados, alguns analistas propõem a criação de um Estado só, federado, laico e democrático para toda a chamada Palestina histórica. Crivelente avaliou essa opção: “Tenho conversado com israelenses e palestinos sobre isso. Como pessoa solidária à causa, vejo como solução a descolonização da Palestina, mas como isso vai se dar depende dos palestinos e dos democratas israelenses para identificar um caminho”.
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Especialista considera que a pressão internacional joga papel decisivo para derrotar colonização sionista
Para ela, ter um Estado único seria a solução ideal, pois não reforçaria a ideia da partilha da Palestina, “imposta pela Liga das Nações e depois pela ONU”. “A partir daí se poderia lutar pela democratização desse Estado”, mas, como ela mesma admitiu, essa possibilidade parece pouco viável no momento atual.
Ainda que a luta fosse “apenas” por direitos civis iguais, “que é um objetivo bastante moderado, não há sinal de otimismo para essa luta”. De acordo com a especialista, o central neste momento é reforçar o direito da autodeterminação do povo palestino, “direito já reconhecido internacionalmente, inclusive”.
Para mudar a correlação de forças de forma a favorecer o povo palestino, Crivelente falou de uma série de ações que devem acontecer de forma conjunta. Para além do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), ela relembrou que os palestinos “têm uma mobilização riquíssima há décadas de contestação daquilo que permite que Israel siga existindo, a nível estrutural”. Ela citou o patrocínio dos EUA, mas revelou que é importante combater, também, “a normalização da existência de Israel”.
Ela celebrou, por exemplo, o apoio de países como China e Irã no fortalecimento da causa palestina, principalmente num cenário em que pressionar os EUA para retirar seu apoio financeiro parece impossível, mesmo com um democrata na Casa Branca.
“A União Europeia e outros países estabelecem acordos com esse Estado, que alimentam a máquina econômica e política israelense, legitimando a situação. O direito internacional não é o fim da luta, é um dos instrumentos dela, é importante contar com a solidariedade internacional, ela tem um peso cumulativo de colocar em questão a narrativa vendida sobre Israel”, reforçou.
Mas reconheceu: “É realmente complicadíssimo desafiar Israel, até pela superioridade militar que possui. Acho que é por isso, inclusive, que os palestinos que se empenham tanto no direito internacional, na sociedade civil, nos governos, têm essa noção de que, militarmente falando, o único que se pode fazer é desgastar a posição de Israel”.