No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (14/10), o jornalista Breno Altman entrevistou a professora de História Árabe da Universidade de São Paulo Arlene Clemesha sobre a questão das mulheres no Islã.
Apesar de reconhecer que existe opressão contra a mulher no mundo islâmico, disse que é importante entender que a opressão contra a mulher existe em todas as religiões e contextos socioculturais, não sendo maior do que a judaica ou a cristã. No entanto, a especialista defende que “essa visão, principalmente do hijab como símbolo da opressão, foi algo amplificado durante os processos de dominação do século 19 e 20”.
Segundo ela, o argumento da mulher oprimida era utilizado para justificar a ocupação por exemplo do Afeganistão, “o que também acabava apagando a luta das próprias mulheres por sua própria emancipação, como se elas precisassem da ajuda do Ocidente”.
A professora explicou que, mesmo em análises menos condescendentes, é feita uma simplificação perigosa, que “toma o Islã como sendo uma coisa só”, agregando: “A questão da opressão é social e política, não religiosa. A condição da mulher no Egito é diferente do que na Indonésia, por exemplo”.
Nessa lógica, ela também enfatizou que se confunde o uso do véu com repressão e que “o véu não é a fonte da opressão”.
“O hijab, que se usa sobre o cabelo, sem cobrir o rosto, é uma recomendação do Alcorão. Ela se torna obrigatória em países fundamentalistas, mas a não imposição do hijab não significa que não há opressão. Já o niqab e a burka são práticas tribais que fazem parte de uma construção social. É preciso analisar caso a caso, país a país e período a período”, ponderou a professora.
Clemesha, por outro lado, confessou que uma coisa é certa: “ocorre hoje uma islamização dos costumes”.
Fundamentalismo islâmico
A época do pan-arabismo representou um momento de conquistas de direitos para as mulheres. Entretanto, a historiadora apontou três fatos ao longo da história que levaram a sua decadência e ao fortalecimento de tendências mais regressivas do Islã contra a mulher: A Guerra dos Seis Dias, que representou uma importante derrota para o presidente egípcio Abdel Nasser, grande defensor do pan-arabismo no Oriente Médio; a Revolução Islâmica do Irã, que devolveu o comando do país a líderes religiosos; e o fortalecimento dos petrodólares sauditas, utilizados para fomentar movimentos fundamentalistas na Arábia Saudita e em países árabes em geral.
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Professora explicou que algumas análises fazem uma simplificação perigosa, que ‘toma o Islã como sendo uma coisa’
“Desde o século 19 vemos movimentos de reforma do Islã, que discutiam o que deveria ser mantido no original e o que era passível de modernização, movimentos de mulheres que liam e interpretavam o Alcorão sob uma perspectiva feminista, porque afinal é um texto poético. Mas esses movimentos foram sofrendo cada vez mais repressão, até porque eram movimentos de contestação política, de contestação da ordem”, narrou Clemesha.
Ela contou que, durante a chamada Primavera Árabe, esses movimentos viveram um período de esperança, ganharam impulso e força, “mas isso foi revertido, porque o processo revolucionário foi revertido e reprimido”.
Apesar do “baque” que as feministas árabes tomaram, a professora destacou que os movimentos de mulheres não acabaram só por causa disso, “só saíram dos holofotes e espaço de conquistas, voltando ao espaço de pequenas movimentações”.
“O movimento feminista nessas regiões não é de contestação da religião, é de contestação política. Causa um choque cultural, contesta monarquias. Temos que abandonar esse estereótipo porque mesmo feministas muito embasadas e com boas intenções tenta transportar seu modelo de emancipação para 'ajudá-las' a conquistar o que no Ocidente elas acham certo. É difícil se desvencilhar desse contexto cultural, mas é preciso ter uma posição de solidariedade, não de ajuda”, agregou.