No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (28/10), o jornalista Breno Altman entrevistou Marco Fernandes, pesquisador do Instituto Tricontinental e Coeditor do Notícias da China, que vive atualmente em Xangai.
Ele contou que o que mais gosta da China é o momento que o país está vivendo, de transformação e “retorno às raízes marxistas, uma virada à esquerda”. Ele identificou dois fatores que estão levando a essa guinada: a política de Xi Jinping e a radicalização da polarização com os EUA.
“Houve uma aceleração desse processo no último ano. A China está sendo atacada com cada vez mais força pelo império e isso faz o país se revirar ideologicamente, voltando às suas raízes socialistas. A juventude está voltando a ter interesse pelo maoísmo e pelo marxismo. Há uma mudança ideológica em curso ligada aos ataques que os EUA não vão parar de fazer”, avaliou.
Também se aceleraram os efeitos das políticas públicas de Xi Jinping, tanto na mobilização de massas quanto no combate à desigualdade. No início de seu governo, seu objetivo era erradicar a pobreza, o que ocorreu, mas, ao mesmo tempo, abriu espaço para o crescimento da desigualdade social.
“A questão é que quando a gente pensa nos países ocidentais capitalistas, o aumento da desigualdade significa que os debaixo estão perdendo, há o empobrecimento da classe trabalhadora. Na China, cresceu a desigualdade, mas a qualidade de vida da classe trabalhadora aumentou muito. Só que está chegando num nível que o governo vai ter que agir até por uma questão ideológica”, contextualizou Fernandes.
Os três desafios do momento, segundo ele, são educação, saúde e moradia. No caso da moradia, aumentaram muito os custos devido à especulação imobiliária provocada por empresas como a Evergrande. Nessa frente, o governo já está atuando. Com a Evergrande, por exemplo, o governo impediu que a empresa conseguisse mais empréstimos, por exemplo, pois pedia esses valores para comprar terrenos sobre os quais só ia construir depois de anos, quando estes se valorizassem.
Com relação à educação, apesar de ela ser 90% pública, houve um crescimento enorme dos serviços de aulas particulares. Agora, o governo decidiu acabar com esse setor, proibindo que empresas lucrem em cima do conteúdo curricular.
Já na saúde, o Partido Comunista está desde 2009 buscando reverter o processo de privatização que estava ocorrendo no país. Apesar de o atendimento público básico ser gratuito, tratamentos mais especializados não eram, de modo que uma das principais causas de empobrecimento da população era por endividamento provocado por contas médicas, como apontou Fernandes.
“O governo está sendo muito bem sucedido em enfrentar as grandes empresas e em organizar o povo de forma a erradicar a pobreza, inclusive. A boa resposta à pandemia também tem a ver com o nível de organização popular que existe. Existem centros comunitários do PC até nas menores comunidades que organizam a sociedade em momentos de necessidade”, elogiou o pesquisador.
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Crise energética
Outro grande desafio que o governo chinês está enfrentando é o da crise energética, já que o país busca realizar uma transição à produção de energia sustentável, mas ainda depende majoritariamente de termelétricas.
Fernandes admitiu que essa transição ainda precisa de ajustes, que está havendo uma falta de coordenação entre o governo nacional e os governos provinciais.
“Estão fechando várias termelétricas, limitando o consumo de energia e fechando minas de carvão por questões de segurança, ao mesmo tempo em que aumenta a demanda global por produtos industrializados chineses e o consumo da população”, destacou.
Por outro lado, a China é atualmente o país que mais investe em energias renováveis, solar, eólica e nuclear. Ano passado inaugurou suas primeiras usinas nucleares com tecnologia 100% chinesa, por exemplo.
A questão de Taiwan
A nível internacional e geopolítico, o maior desafio que Xi Jinping enfrenta diz respeito a Taiwan e à criação da Aukus, o acordo militar e estratégico entre EUA, Reino Unido e Austrália.
“O tema é delicado. Para a China, é inadmissível que Taiwan declare independência, eu espero que eles não façam essa besteira, mas os EUA estão fomentando essa tensão. De toda forma, acho que não são loucos de declarar independência porque a China entraria militarmente na ilha”, ponderou o pesquisador.
Para além disso, ele se mostrou otimista com relação à capacidade da China de reagir às provocações norte-americanas e disse não achar provável que o país asiático entre numa corrida armamentista com os EUA, como o fez a União Soviética ― e que levou o Estado soviético à falência.
“Primeiro que a economia da China é maior do que a da URSS. Segundo que enquanto a URSS gastava 12 ou 13% de seu PIB em defesa, a China gasta só 2,5% do seu PIB nisso. Em segundo lugar, a China também tem um poderoso aliado, que é a Rússia. E, em terceiro lugar, a China não tem interesse em chegar a ter armas nucleares. Ela investe em tecnologia militar para se defender, apenas. Mas, claro, essa pressão não deixa de ser preocupante do ponto de vista geopolítico”, concluiu.