No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (30/11), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, retomou a Revolução Haitiana de 1791, que ele definiu como “episódio magistral”.
“O movimento revolucionário haitiano abriu o período das vitórias anticoloniais que marcou o sul das Américas no século XIX, derrotando a França de Napoleão Bonaparte. Foi a mais bem-sucedida revolta de escravizados no mundo colonial, a única na qual os escravos conquistaram tanto sua liberdade quanto o poder político”, enfatizou.
Até o início da revolta, o Caribe era um dos grandes centros econômicos do mundo, dominado principalmente por espanhóis e franceses, produzindo produtos primários com mão de obra escrava em latifúndios monocultores. A colônia francesa de Santo Domingo era um desses polos mercantis, lembrou o jornalista.
“A parte ocidental da ilha, onde hoje fica o Haiti, foi cedida à França pela Espanha em 1697. A parte oriental, na qual atualmente se localiza a República Dominicana, continuou com os espanhóis até o final do século XVIII, em 1795, em plena revolta escrava, quando também passou ao controle francês, depois da derrota da Espanha frente aos exércitos napoleônicos”, complementou.
Segundo o jornalista, no auge colonial eram 40 mil franceses explorando 450 mil escravos “da forma mais brutal e perversa que a história registra”. Antes da colonização, a ilha era ocupada por índios arauaques, ou taínos, e pelos caraíbas. Esses povos foram dizimados pelos europeus.
Resistência à escravidão
“Por ser um território relativamente pequeno, especialmente se comparado com Brasil e Estados Unidos, as fugas de escravos eram mais difíceis, a implantação de quilombos sofria muitas limitações geográficas”, destacou Altman.
Por isso, de acordo com ele, se inverteu o fluxo natural da luta dos escravos ao longo da história no país, expandindo e radicalizando o conflito direto com os proprietários de terras: “os escravos haitianos, ao contrário de terem sua trajetória marcada por quilombos de libertação, embora existissem essas estruturas, foram construindo uma cultura de classe, associando seus interesses emancipatórios à independência do país e à construção de um Estado sob o seu controle”.
Quem fez o chamado à rebelião, em 14 de agosto de 1791, foi Dutty Boukman, um respeitado hungã (sacerdote do vodu haitiano), “que encontrou campo fértil para a colheita”. “Não foi um raio em céu azul, mas uma palavra de combate para escravos que já possuíam uma ampla experiência de luta contra os colonizadores e que viam seu futuro vinculado à expulsão dos franceses e ao seu poder sobre a ilha, não a um mítico retorno à África ancestral ou a construção de territórios livres dentro do próprio Haiti”, explicou o jornalista.
Boukman acabou executado pelos franceses três meses depois do início da rebelião, com sua cabeça decepada e exposta para servir. O movimento, porém, já contava com a participação de aproximadamente 100 mil escravos e seguiu adiante, “tomando terras e colocando um fim à vida de seus proprietários”.
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Para Altman, ‘movimento revolucionário haitiano abriu o período das vitórias anticoloniais que marcou o sul das Américas no século XIX’
Diante da força do movimento de Santo Domingo, a França pós-monárquica decidiu abolir a escravidão em todas as suas colônias. Entretanto, segundo o jornalista, era tarde demais: mais do que a liberdade, “os escravos haitianos queriam independência e poder”.
Emergiu como novo líder da revolução Toussaint L’Ouverture. Sob seu comando, as tropas negras rebeldes ocuparam grande parte do território haitiano, na luta por uma república independente, associada à França revolucionária. “Durante o período entre 1794 e 1796, após a abolição, o exército de L’Ouverture teria efetivamente um pacto com os franceses, passando a combater os espanhóis, aliados aos ingleses, que ainda controlavam a parte oriental da ilha”, narrou Altman.
Ofensiva napoleônica
Em 1801, a situação, porém, começou a mudar. Napoleão queria retomar o domínio sobre as colônias e o trabalho escravo. “L’Ouverture respondeu com a radicalização da luta independentista, rompendo com a associação antes imaginada com a França”, contou.
Nessas condições, Napoleão enviou seu cunhado, o general Charles Leclerc, para retomar o controle do território e derrotar L’Ouverture. O exército negro venceu os franceses e seu comandante, ao lado de Jean-Jacques Dessalines, assinou uma trégua com a metrópole.
“Inicialmente convencido que os franceses estavam dispostos a uma negociação séria, Dessalines chegou a romper com L’Ouverture, quando soube que este estaria sabotando o acordo de paz e preparando tropas para um novo confronto”, expôs Altman. Segundo o jornalista, existem relatos de que ele teria até mesmo escrito a Leclerc para denunciar seu antigo aliado e para demonstrar que não tinha qualquer responsabilidade no que estaria se passando. Esse seria um dos pretextos para a prisão e o banimento de L’Ouverture, em 1802.
“Dessalines, no entanto, logo se deu conta de sua ilusão com os franceses, percebendo as manobras para dividir a liderança negra, tentando derrotá-la aos pedaços e restabelecer tanto a escravidão quanto o controle territorial”, ponderou.
Assim, ele comandou a partir da segunda metade de 1802, uma ofensiva geral contra as forças francesas, até expulsá-las da ilha em 1803, na derradeira Batalha de Vertières, em 18 de novembro daquele ano.
Independência
Dessalines declarou a independência da ilha em 1º de janeiro de 1804, “renomeando-a como Haiti, velho nome indígena”.
O jornalista enumerou os desafios que Dessalines enfrentou, destacando o bloqueio dos EUA, aliado da França, que impuseram forte embargo econômico ao país. A independência haitiana somente foi reconhecida pela Casa Branca em 1862.
“Em setembro de 1804, Dessalines se tornou imperador do Haiti, nomeado Jacques I, e reinaria até ser assassinado, em 17 de outubro de 1806, em confronto contra uma dissidência comandada por Alexandre Pétion e Henri Christophe, mulatos que representavam uma certa elite mais próxima dos franceses. O assassinato de Dessalines abriu uma longa crise na nova nação”, concluiu Altman.