No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (25/01), abordei o tema das federações partidárias, uma possibilidade que vem sendo discutida desde 2015 e voltado a influenciar fortemente o debate político desde a reforma eleitoral de 2021.
Várias legendas estão discutindo a formação de federações. O PT, o PCdoB, o PSB e o PV, por exemplo, estão em negociações. O PSOL e a Rede, também. Agremiações mais à direita seguem pelo mesmo caminho. Enquanto o sistema de federações pode trazer certos benefícios, principalmente para partidos pequenos, ele também pode ser um cavalo de Troia.
Mas, afinal de contas, o que é a federação partidária? O que muda? Quais suas vantagens, desvantagens e contradições? Para facilitar minha exposição, vou dividi-la em algumas questões que estão na cabeça de muita gente.
Qual a diferença eleitoral entre coligações e federações?
Coligação é uma aliança que os partidos fazem apenas para disputar uma determinada eleição majoritária – isso é, para prefeito, senador, governador ou presidente – e que, portanto, se dissolvem logo após a apuração. Além disso, podem existir distintas alianças para cada pleito
As federações, por sua vez, não são alianças esporádicas ou apenas eleitorais. Tratam-se de coalizões com duas regras básicas: são compostas por dois ou mais partidos e tem abrangência nacional por quatro anos – ou seja, ao menos uma eleição nacional e uma municipal.
Os partidos federados precisam, nesse período, disputar juntos todos os pleitos, da eleição nas cidades à disputa presidencial, e atuar de forma unificada em todas as instituições parlamentares, estando sujeitos a uma liderança comum e normas de fidelidade partidária. A legenda que quiser sair da federação antes do prazo poderá perder o fundo partidário e outros benefícios.
O principal argumento favorável à criação de federações é reduzir a atual fragmentação partidária do país, permitindo às mais de 30 legendas com registro eleitoral definitivo se agruparem em blocos para concorrer às eleições e atuar no Parlamento. Além de permitir a continuidade institucional de pequenos partidos que poderiam não atingir a cláusula de barreira.
Como funcionariam as federações?
As federações teriam que ter programa e estatutos comuns, além de direção única. A regulamentação do TSE não determina como essas direções serão eleitas e irão funcionar, deixando a cargo das normas estatutárias estabelecidas entre seus integrantes. Mas nada está definido, apesar de faltar menos de dois meses para os partidos que quiserem estabelecer uma federação fazerem o registro dessa intenção no TSE.
Do lado dos eleitores, eles continuariam a votar do mesmo jeito, tanto nas eleições majoritárias quanto nas disputas proporcionais: o voto continuaria a ser uninominal e proporcional.
Já nas eleições parlamentares, cada partido não-federado e cada federação apresentaria uma chapa única de candidatos a deputado ou vereador. O eleitorado escolheria um deputado ou vereador de sua preferência. Somariam-se todos votos recebidos pelos partidos de uma determinada federação, estabelecendo proporcionalmente qual seria o peso dessa federação no Parlamento ao qual concorre.
Por exemplo, em um Parlamento de 50 cadeiras, se a federação tiver 20% dos votos, terá dez cadeiras. Essas dez cadeiras serão ocupadas pelos dez candidatos mais votados de cada federação, sem levar em conta o peso proporcional de cada partido que a compõe.
Claro que essa é apenas uma hipótese teórica, mas revela como, se for mantido o voto uninominal, a federação tende a beneficiar os partidos menores e prejudicar os maiores, quase repetindo o esquema das antigas coligações proporcionais, apenas disfarçando-as.
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Federações partidárias não são alianças esporádicas ou apenas eleitorais
Federações podem trazer resultados eleitorais superiores ao sistema atual?
Nada comprova essa tese. Claro, se apenas um grupo de partidos formar federação, a soma dos chamados “restos” poderia levar a uma ampliação de cadeiras, se feita a comparação com eleições anteriores. Os “restos” são os votos que cada partido obtém, na soma de seus candidatos, mas que não são suficientes para atingir o coeficiente para mais uma cadeira parlamentar.
Trata-se, porém, apenas de uma hipótese matemática, sujeita a inúmeras variáveis políticas. Se todos os partidos se federassem, por exemplo, esse cálculo dos “restos” cairia por terra.
Claro que a federação permitiria maior unidade programática, política e organizacional, e isso é muito positivo. Mas mantido o voto uninominal, o principal concorrente de cada candidato é outro candidato ou candidata de seu próprio partido – e, a partir de agora, também da federação. A disputa real é para ver quem chega nas posições que garantem eleição, dentro de cada partido ou de cada federação.
Federações facilitam a governabilidade?
Claro que facilitaria a vida de qualquer governo, potencialmente, negociar com um número menor de partidos ou poder contar com uma base mais disciplinada, agrupada em um bloco federado.
Mas isso não está garantido pela legislação atual. Como fica a cargo de cada federação formular seus estatutos, não se sabe como funcionariam as direções dessas federações. Se não forem proporcionais ao peso de cada partido e as decisões não vierem a ser adotadas por maioria, será muito difícil garantir a fidelidade partidária nos Parlamentos. Aliás, como ocorre hoje. Mesmo o PT tem tido dificuldades de “fechar questão” em diversas votações polêmicas.
Faz sentido uma aliança federativa entre o PT, o PSOL e o PCdoB, por exemplo. Mas atrair o PSB, o PV e a Rede é outra conversa. Uma coisa é fazer aliança com essas legendas para disputar a Presidência ou governos estaduais. Outra é contrair um matrimônio político de quatro anos, no qual possivelmente poderiam ser beneficiados os setores mais conservadores dessas legendas.
Por que a esquerda parece mais empenhada que a direita em construir federações?
Em primeiro lugar, porque muitos dos partidos de direita são balcões de negócios, com donos bem estabelecidos, que preferem fusões partidárias. Federações seriam potencialmente arriscadas para essas legendas de aluguel, trazendo o risco de seus proprietários perderem alguma influência e muitas oportunidades para acumular tanto dinheiro quanto poder.
Na esquerda, há a questão dos pequenos partidos ideológicos, que têm dificuldades em atingir a clausula de barreira, como é o caso do PCdoB e talvez mesmo do PSOL, depois da saída de importantes parlamentares. Essas legendas são decisivas para a unidade da esquerda, para a mobilização e a organização do povo, e para ampliar a presença progressista no Parlamento.
Uma alternativa seria a incorporação dessas legendas ao próprio Partido dos Trabalhadores, que já funciona com uma certa dinâmica federativa, com suas tendências internas. Esse não é, porém, o desejo desses partidos menores.
O jogo complica, no entanto, quando a discussão incorpora partidos que possuem um perfil político-ideológico mais confuso. Nesse caso, uma eventual federação poderia atrapalhar o PT e o conjunto das forças de esquerda, em função de excessivas concessões, além do próprio governo Lula, no caso do ex-presidente ser vitorioso nas eleições de 2022.