No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (29/03), busquei explanar quem são os companheiros mais próximos do presidente russo, que sobre ele tiveram ou têm influência de destaque.
Há muita desinformação sobre essa trajetória sobre o chefe do Kremlin. A maioria da imprensa ocidental, especialmente desde a irrupção do conflito ucraniano, trata de vinculá-lo tanto às tradições czaristas quanto ao passado soviético, para reforçar a imagem de um líder supostamente autoritário e até tirânico. Há também, nesses veículos de comunicação, uma versão mais sofisticada para desenhar o presidente russo, pintando-o como um nacionalista grão-russo vinculado à supremacia étnica eslava e ao sonho de uma grande Eurásia, influenciado por teóricos chauvinistas da geopolítica clássica.
A carreira política de Vladimir Putin começa em 20 de agosto de 1991, quando ele renuncia ao cargo de tenente-coronel do Comitê de Segurança do Estado, o KGB, o principal serviço de inteligência da União Soviética. Ele o faz se colocando contra o golpe organizado para derrubar Mikhail Gorbatchev, então presidente do país e secretário-geral do Partido Comunista, e que tinha como objetivo deter a restauração capitalista em curso.
Putin era, naquele momento, um admirador de Boris Yeltsin, que viria a ser o primeiro presidente da Rússia independente, pós-soviética, a partir dos ultimas dias de 1991. Mas seu primeiro mentor foi Anatoly Sobchak, quando era prefeito de Leningrado, hoje São Petersburgo, cidade natal de Putin.
Assessor do prefeito nos anos 90, o atual líder russo permaneceria como chefe do Comitê de Relações Internacionais da cidade até 1996, acumulando desde 1994 com o cargo de vice-prefeito. Exercendo essa função, ele seria o principal organizador, em São Petersburgo, a partir de 1995, do partido Nossa Terra, de orientação liberal e dirigido pelo braço direito de Yeltsin, Viktor Chernomyrdin, o segundo nome de relevo na carreira de Putin, primeiro-ministro entre 1992 e 1998.
Ascensão ao Kremlin
Pelas mãos de Chernomyrdin, Putin estabeleceria relações com um dos grandes oligarcas russos, Boris Berezovsky, outra das pessoas mais próximas de Yeltsin, responsável pela transferência de Putin a Moscou depois que Sobchak perde as eleições para a Prefeitura de São Petersburgo, em 1996.
Putin se tornaria, então, assessor da Presidência russa e, a partir de 1998, seu chefe de gabinete, para logo em seguida assumir a liderança do Serviço Federal de Segurança, o FSB, agência de inteligência que sucedeu o KGB.
Comandando a inteligência russa e ainda um importante aliado de Yeltsin, Putin ingressa no partido Unidade, de direita, organizado para combater o partido Pátria, organizado por Yuri Luzhkov, prefeito de Moscou, e Yevgueni Primakov, primeiro-ministro escolhido pelo Parlamento em setembro de 1998, depois de Yeltsin ser obrigado a indicá-lo, já que tinha perdido maioria entre os deputados eleitos naquele ano.
Pátria era um partido que representava uma cisão no bloco que havia dirigido a restauração capitalista a partir dos anos 80 e se contrapunha à visão neoliberal de Yeltsin e seus seguidores.
Para enfrentar e derrotar Primakov, Yeltsin indica Putin para primeiro-ministro, formando maioria, tornando seu protegido o novo chefe de Governo a partir de agosto de 1999 e indicando-o como seu candidato à sucessão presidencial.
Mesmo que Putin ainda permanecesse nas fileiras liberais, pode-se dizer que Primakov foi o precursor das posições que o atual chefe russo viria a adotar, com um programa nacionalista e em defesa da substituição do neoliberalismo por um capitalismo de Estado.
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Carreira política de Putin começa em 1991, quando o presidente russo renúncia ao cargo na KGB
Com a abrupta renúncia de Yeltsin, em dezembro de 1999, Putin o substitui na Presidência e as eleições presidenciais são antecipadas em três meses, de junho para março de 2000, pegando a oposição de surpresa. O principal rival de Putin deveria ser exatamente Primakov, que abdica da postulação quando se dá conta que suas chances eram poucas.
Putin é eleito presidente com 53% dos votos e toma posse em 7 de maio de 2000, tendo Primakov como um de seus principais assessores. Essa é uma referência fundamental para entender a transição de Putin do liberalismo para o nacionalismo, pois ao redor de sua aliança com Primakov vai se formando um outro núcleo dirigente, descartando seus velhos tutores e amigos.
Putin presidente
O novo presidente, que em 2005 consideraria o colapso da URSS “a maior catástrofe geopolítica do século XX”, assumiria um programa amplo de recuperação do controle estatal sobre setores estratégicos da economia, de reorganização dos serviços públicos, de modernização das Forças Armadas, de defesa da unidade territorial e de soberania na política externa, afastando a Rússia da órbita norte-americana.
Putin não apenas se afastaria de seus antigos aliados, como a alguns deles perseguiria implacavelmente, tirando-lhes boa parte da fortuna e ameaçando-os com a prisão, como foi o caso de Berezovsky.
Recordemos que, nessa época, Putin travava uma batalha simultânea contra os liberais e contra os comunistas. Arregimentaria, no bloco nacionalista, todas as forças que estivessem dispostas a apoiá-lo, incluindo frações que flertavam com teorias apoiadas na supremacia eslava, no hegemonismo eurasiático e na xenofobia grã-russa.
Um dos que sempre permaneceram ao lado de Putin, desde os tempos de São Petersburgo, foi Dmitri Medvedev. Muitos o têm como braço direito do presidente russo ao longo dos últimos 25 anos, embora suas posições sejam mais próximas às do liberalismo do que as de seu chefe. Medvedev, de toda maneira, cumpriu sempre funções estratégicas: foi chefe da Gazprom depois da reestatização, primeiro-ministro durante os dois primeiros governos Putin e presidente entre 2008 e 2012, quando o líder russo não pôde concorrer a um terceiro mandato. Voltou a ser primeiro-ministro entre 2013 e 2020.
Perdeu força, porém, quando aparentemente quis moderar o crescente afastamento de Putin em relação ao Ocidente e sua aproximação com a China. Diante de uma proposta do presidente de reduzir os poderes do chefe de governo, renunciou ao cargo e passou a ser vice-chefe do Conselho de Segurança da Federação Russa.
Aliados atuais
Após a renúncia de Medvedev, o novo primeiro-ministro passou a ser Mikhail Mishustin, que por 10 anos tinha sido o chefe da receita federal russa, onde fez fama na luta contra a evasão fiscal dos mais ricos, especialmente os oligarcas, muitas vezes acusado de utilizar as cobranças tributárias como instrumento de luta política.
Mishustin, junto com o chanceler Sergei Lavrov e o ministro da Defesa, general Sergei Shoigu, constitui a trinca dos principais assessores diretos de Putin atualmente. Lavrov desempenha suas funções desde 2004, Shoigu a partir de 2012.
Todos os três representam a corrente nacionalista fundada por Primakov, depois abraçada por Putin, que derrotou os liberais e os empurrou ao ostracismo.
Olhando para essa trajetória de Putin e seus principais aliados internos em cada etapa podemos entender melhor quem é o líder russo.