No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta segunda-feira (30/08), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, analisou a suposta passividade estrutural do povo brasileiro quando é feita a comparação com os chilenos ou os colombianos, que protagonizaram revoltas contra seus governos, em cenários até menos graves que o do Brasil.
O jornalista lembrou que, historicamente, “o povo brasileiro protagonizou grandes batalhas”, desde o próprio início da colonização portuguesa, com a resistência indígena e negra, até os dias atuais, com greves operárias contra a ditadura e a campanha das Diretas Já.
Por outro lado, Altman reconheceu que as lutas do povo foram “incapazes de mudar o roteiro da formação político-econômica do país e interromper o que o revolucionário italiano Antonio Gramsci chamou de ‘revolução passiva’”.
“Ao contrário de rupturas como as revoluções francesa e russa, nas quais novas classes sociais derrubam as antigas e constroem um novo Estado, na revolução passiva as mudanças econômico-sociais ocorreriam por cima, sem que houvesse substituição das classes sociais, com o transformismo interno das velhas classes dominantes por distintas etapas de desenvolvimento”, explicou.
Esse seria o caso do Brasil, onde o jornalista argumentou que as oligarquias geradas pelas capitanias hereditárias e o sistema de sesmarias jamais foram derrotadas ou substituídas.
“Houve momentos em que o povo esteve perto de romper os grilhões da ‘revolução passiva’. Isso ocorreu ao menos em três processos: com o movimento antifascista entre 1934-1935, a campanha da legalidade em 1961 e a confluência entre as greves operárias e a luta pelas diretas, no início dos anos 80. Mas foram episódios que terminaram selados com derrotas e a imposição de novos pactos pelo alto, isto é, entre frações das classes dominantes”, narrou.
Altman ainda citou um quarto processo, “talvez o mais importante de todos”, que foi o período dos governos petistas, “quando um partido da classe trabalhadora chegou pela primeira vez ao comando do Estado”. Segundo o jornalista, esse processo foi interrompido pelo golpe de 2016.
‘Passividade não é mito’
“Embora falar em passividade do povo brasileiro não corresponda à verdade dos fatos históricos, tampouco é propriamente um mito. Não se pode negar que o povo e suas vanguardas jamais se mobilizaram o suficiente, em todos os planos, para romper sua condição de personagem subalterno na formação do país, ao contrário de outras nações”, ponderou Altman.
Rovena Rosa/Agência Brasil
Manifestação contra Bolsonaro em 2018: suposta passividade do brasileiro foi tema do 20 MINUTOS HISTÓRIA
Ele listou cinco razões para as dificuldades do povo em lutar por seus direitos. A primeira, na própria “revolução passiva”: como nunca houve um confronto com o sistema colonial e, depois, com o imperialismo, as elites nunca precisaram armar e construir uma consciência popular-nacionalista para que o povo lutasse a seu lado.
“Sempre dirigido por elites reacionárias e neocoloniais, embora tenham ocorrido algumas dissidências importantes, como é o caso do varguismo em certo período, o Brasil foi plasmado pela exclusão econômica, social e política de suas grandes massas”, ressaltou.
A segunda razão colocada por Altman está nas raízes escravocratas como principal fator de formação das classes trabalhadoras.
“Os escravos não lutam para derrubar os seus senhores, para lhes tomar o poder de Estado e construir outra sociedade, lutam pela sua própria liberdade e seu principal método é a fuga. Esse processo deixa marcas culturais de longa duração, gera uma psicologia defensiva, de sobrevivência, de buscar caminhos nas frestas do próprio sistema opressor, percebido como invulnerável e externo aos interesses imediatos de classe”, discorreu.
O terceiro motivo, relacionado ao anterior, está nas condições extremas de exploração, “um povo faminto e inseguro sobre o dia de amanhã, analfabeto ou sem acesso à educação volta-se normalmente à sobrevivência individual ou a formas mágicas de solução da vida”.
A quarta razão listada pelo jornalista vincula-se aos padrões permanentes de repressão contra o povo e suas organizações, que gera inibição da mobilização social. Já a quinta, Altman a relaciona às deficiências e dificuldades da esquerda “de operar uma modificação profunda na consciência, na organização e na mobilização do povo”.
“Claro que a repressão contra os comunistas e outras correntes socialistas foi um elemento de peso nessas dificuldades, mas há também muitos erros cometidos. O mais importante deles foi uma certa acomodação, ao menos entre 1940 e 1980, a ideia de que o palco central da luta de classes, em um Brasil que ainda não havia concluído sua revolução burguesa, deveria ser ocupado por duas frações distintas das classes dominantes. Uma delas, mais vinculada ao latifúndio e ao imperialismo, outra mais próxima às teses de um suposto desenvolvimento capitalista democrático, inclusivo e independente”, ponderou.
Contudo, o jornalista acredita que esse cenário mudou com o surgimento do PT. “Infelizmente, nos anos de governo, o partido não teve como objetivo central transformar as massas organizadas em instrumento hegemônico de poder. Uma chance histórica foi efetivamente perdida”, disse
Processo próprio
A partir disso, Altman concluiu que o povo brasileiro criou sua própria idiossincrasia político-cultural, “que não tem a ver com passividade, mas com outro processo de mobilização”.
“O povo brasileiro não vive em estado permanente ou contínuo de mobilização, não se move centralmente por indignação, ainda que haja picos explosivos de protestos, que vêm e vão, mas quando há chances reais de vitória, quando as massas percebem que sua causa, além de justa, pode triunfar”, enfatizou.
Por isso ele acredita que, frequentemente, o povo se mobiliza após processos eleitorais, “até por conta das eleições serem o instrumento de participação e resistência com o menor risco”. E conforme vai se configurando uma chance real e imediata de vitória, o povo vai correndo mais riscos, na avaliação do jornalista.
“Esse avanço depende também de sentir confiança em suas lideranças, de se sentir identificado com seus projetos, de perceber coerência, coragem e unidade em suas ações. Um povo sofrido e maltratado tem muito a perder, ou seja, o pouco que lhe resta. Marchará adiante a pensar se e quando suas vanguardas forem capazes de provar que um caminho para a vitória pode ser asfaltado e que esse caminho realmente mudará radicalmente a vida das classes trabalhadoras”, reforçou.