Quarta-feira, 14 de maio de 2025
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No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (09/12), o jornalista Breno Altman entrevistou a economista, autora e professora Lenina Pomeranz por ocasião dos 30 anos do fim da União Soviética, onde a especialista morou nos anos 1950 e realizou seus estudos em planificação econômica.

“A experiência soviética marcou o mundo. O mundo não foi o mesmo depois da criação da URSS, que mostrou que é possível desenvolver um país, vencer o nazismo, ter um povo que defende sua pátria, que ensinou para o mundo o que é viver sob um sistema diferente, com todas suas contradições. Isso é algo que a sociedade nunca vai esquecer, principalmente num cenário como o atual em que as pessoas vivem sob um modelo em que não têm o que comer”, defendeu a professora.

Ela definiu o sistema do país como “socialismo soviético”, diferente do teórico, em que a situação da população dependia do que o Estado provia, desde medicamentos e alimentação até emprego e moradia. Essa, para a economista, era a maior virtude do sistema, pois promovia a distribuição de renda e possibilitava ao Estado promover o desenvolvimento e bem-estar. 

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Pensando nisso, Pomeranz afirmou que “o socialismo sempre será uma alternativa, depende apenas do tipo de socialismo a que nos referimos”. Para ela, diante da situação atual de crises, a perspectiva socialista “é inevitável”.

Isso não significa, contudo, que o socialismo voltará a atrair as massas, “porque a ideologia sendo vendida agora é muito forte, as pessoas estão dispostas a abrir mão de uma série de liberdades políticas, que não vão mais conseguir recuperar porque perdem poder em nome do suposto bem-estar”.

Para ela, vivemos numa situação da barbárie vencendo o socialismo, similar ao que aconteceu na URSS, cujos problemas começaram no período stalinista, do ponto de vista ideológico, “que corrompeu o sistema”, e acabou ruindo quase sem resistência popular, “porque a população foi massacrada”.

“Havia uma parcela da população, já um pouco de classe média, que queria o fim da URSS e a falta de resistência do resto da população se deveu ao choque que tomou com a quebra do sistema dos benefícios que recebia. Me dava vontade de chorar ver o tamanho da tragédia humana da população quando visitei o país na época da perestroika: senhoras vendendo meias no metrô para comprar pepinos, algo impensável antes. O povo não reagiu porque não tinha força física”, lembrou.

Trajetória soviética

Voltando no tempo, Pomeranz retomou a trajetória da criação e derrubada da URSS. Para instaurar uma sociedade socialista, Vladimir Lênin, após a guerra civil, adotou a Nova Política Econômica (NEP), “que era o caminho para organizar a sociedade socialista, algo que levaria tempo, precisaria repensar a propriedade privada, passá-la à propriedade estatal”.

A NEP foi abandonada depois de oito anos, por um lado porque serviu seu propósito e já não funcionava, e, por outro, “porque Lênin, depois do atentado que sofreu, tinha dificuldades de governar, quem o fazia era já [Josef] Stalin”.

Economista que morou na URSS retoma a história do país socialista e fala sobre alternativas atuais ao capitalismo; veja vídeo na íntegra

Moreira Mariz/Agência Senado

Lenina Pomeranz morou nos anos 1950 na URSS e realizou seus estudos em planificação econômica

Nos anos 30, Stalin conseguiu consolidar o socialismo soviético, de acordo com a professora, com uma forte industrialização que levou a taxas altíssimas de crescimento graças ao investimento público, “não à eficiência da estratégia”.

Entretanto, ela classificou a era Stalin como “a mais triste”, porque era uma “ditadura, criou gulags, campos de trabalho forçado para pessoas que não tinham culpa daquilo que tinham sido acusadas, não eram inimigas do sistema”.

O desmonte das gulags aconteceu nos anos 50, durante o governo de Nikita Kruschev, mas, apesar da liberdade conseguida, a situação econômica seguiu a mesma, como explicou Pomeranz.

“A reforma que Kruschev fez foi descentralizadora do ponto de vista econômico, descentralizou o planejamento das regiões, mas era tudo muito burocratizado, não havia liberdade para empreender, havia pouca produtividade. Mas as taxas de crescimento seguiam altas por causa da intensidade do investimento público que havia. E outras reformas acabaram sendo bloqueadas por conta da burocracia do partido”, discorreu.

Quando Mikhail Gorbatchov assumiu o governo, no fim dos anos 80, o país já encontrava uma série de dificuldades, como a de comercializar internacionalmente — “daí a perestroika, na tentativa de criar uma economia mais livre” —, mas a economista não classificou o período como sendo de crise. 

“Os problemas eram outros. Acho que Gorbachev subestimou a formação de grupos clandestinos que queriam o fim da URSS e ele não tinha maioria no partido. Por isso criou a glasnost, porque sabia que não ia conseguir levar a cabo as reformas que queria fazer sem a ampla participação e mobilização da população a seu favor”, justificou.

Aliás, essa seria a grande diferença entre a URSS, que falhou em implementar a perestroika, e a China, onde a abertura da economia deu certo “porque o processo começou de baixo para cima e os dirigentes ainda mantêm um controle político e social”.

Entretanto, Pomeranz não classifica a China como socialista: “Eventualmente seria um capitalismo de Estado com todas as aspas possíveis porque na China os dirigentes do país são grandes proprietários de capital, donos de empresas, algo que na URSS não acontecia”.