Terça-feira, 17 de junho de 2025
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No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (03/02), o jornalista Breno Altman entrevistou Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

Ele fez um balanço das eleições legislativas que ocorreram em Portugal no último domingo (30/01), que culminaram com o Partido Socialista obtendo a maioria absoluta no Parlamento e enterrando definitivamente a “geringonça”, coalizão de esquerda entre o PS, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista.

“O PS está livre e isso não augura nada de bom para as políticas mais à esquerda que queremos. Não vou dizer que o PS não é de esquerda, porque acho que é, mas tem lá dentro muitas tendências à direita que não acham que o PS não deve fazer alianças com a direita. Mas acho que António Costa [o primeiro-ministro] tem tendências mais progressistas, então vamos ver o que ele vai fazer”, afirmou o intelectual.

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Santos explicou que foram dois fatores que levaram ao resultado “absolutamente surpreendente” do último domingo: o controle da pandemia e o crescimento da extrema direita no país.

“Portugal foi um dos poucos países que não politizou a pandemia nem a proteção contra a pandemia, por mérito do governo e da oposição. O líder do principal partido de oposição, o Partido Social-Democrata, até disse que o inimigo naquele momento era a pandemia, não o Partido Socialista. Além disso, somos o país com uma das maiores taxas de vacinação completa do mundo e isso é um mérito”, discorreu.

Com relação à extrema direita, o intelectual defendeu que a população se assustou ao ver que o Chega, a legenda conservadora de Portugal, saudosista do salazarismo, aparecia como uma das forças que mais cresceria durante as eleições.

“Os portugueses temeram que a estabilidade que estávamos conseguindo fosse posta em risco e imediatamente o António Costa fez um cordão sanitário em volta do Chega, rejeitou a possiblidade de governar com eles. Por outro lado, esse rechaço não aconteceu por parte do PSD, principalmente quando as pesquisas apontaram empate técnico entre eles e o PS. Quando as pessoas viram que o projeto de governo atual poderia não ter continuidade, que poderia haver uma geringonça de direita, optaram pelo voto útil — punindo o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista”, argumentou.

As legendas de esquerda, aliás, chegaram a acusar o PS de ter implodido a “geringonça” propositalmente quando propôs um orçamento mais conservador do que o esperado que tanto o BE quanto o PCP sentiram que não podiam apoiar, para conseguir maioria absoluta.

Santos discordou dessa hipótese, “acho difícil crer que um premiê ia querer eleições durante uma pandemia”. Para ele, o PCP e o Bloco de Esquerda têm obtido resultados piores a cada eleição justamente por sua aproximação ao PS, que não é visto como sendo de esquerda por muitos setores da população.

Como resultado de toda essa situação, desde o orçamento fracassado até as eleições antecipadas, o intelectual afirmou que o projeto português de encontro da tradição marxista, em suas diversas vertentes, com a social-democracia como estratégia de superação do capitalismo “fracassou, por agora”.

“Há muita mágoa recíproca. O PCP agora quer ir para a luta de massas fazer a oposição. Se as forças de esquerda não fizerem uma autocrítica, não se unirem, a extrema direita vai chegar ao poder e as primeiras vítimas serão as forças de esquerda, independentemente da vertente. Na esquerda temos o hábito de polarizar as diferenças porque não temos uma teoria de transição para chegar ao nosso objetivo”, ponderou.

Intelectual português fez balanço das eleições legislativas celebradas em Portugal e refletiu sobre o rumo da esquerda mundial; veja vídeo na íntegra

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Intelectual português faz balanço das eleições legislativas celebradas em Portugal

Rumos da esquerda no mundo

Santos também refletiu de forma geral sobre os rumos da esquerda mundial. Disse que não lhe convencem nem a possibilidade de um “populismo de esquerda” nem a aproximação ao neoliberalismo, mais reformista.

“Para mim, não existe populismo de esquerda, só de direita. E agora ficamos sem reformismo. Sem reformismo e sem revolução. Sobrou só o contrarreformismo, em que chega alguém como Bolsonaro e destrói como se não fossem nada os direitos trabalhistas e sociais sem que haja nenhum levante”, criticou.

O intelectual argumentou que os partidos de esquerda deveriam se unir para organizar uma nova transição, que não seja aliar-se ao liberalismo nem optar pela ruptura total, mas que siga lutando contra o capital, “e quanto digo capital me refiro ao racismo e ao machismo que são estruturantes do capitalismo”.

“O problema é que sabemos o que não queremos, mas não sabemos o que queremos. Vivemos sob uma lógica de crescimento infinito que já não serve. Temos democracias representativas que são bons pontos de partida, mas não devem ser pontos de chegada”, ponderou.

Pensar sobre essa nova transição, na opinião de Santos, se faz cada vez mais urgente, principalmente dada a capacidade do capitalismo de se reformar e da “pulsão destrutiva” do neoliberalismo: “Não acredito na ideia de uma crise do capitalismo, porque ela foi anunciada há décadas e o sistema consegue se reformar, mas o capitalismo que temos agora, o neoliberalismo, tem uma pulsão destrutiva que põe em risco a vida no planeta. Não apenas destrói para construir, destrói por destruir”, alertou.