No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (24/09), o jornalista Breno Altman entrevistou o professor da Unicamp, médico sanitarista e ex-secretário municipal de saúde de Campinas Gastão Wagner sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), sua atuação durante a pandemia, limitações e necessidades.
Para ele, o campo progressista, que em geral argumenta pela falta de recursos do sistema, se equivoca: “Temos um problema crônico de subfinanciamento, mas, ao mesmo tempo, temos um problema de gestão gravíssimo. Não conseguimos montar uma rede, não temos política de pessoal, cada hospital tem uma política de pessoal, em cada município funciona de uma forma, tudo isso é gestão”.
Wagner acredita que, reformando a gestão do SUS, será possível pedir mais financiamento de forma mais objetiva, pois o dinheiro que chega atualmente é desviado para privatizações, compras de hospitais, por exemplo, entre outros fins, segundo ele.
“Claro, não podemos usar o argumento da má gestão para justificar terceirizações, porque isso é um horror para a saúde e é uma fonte incontrolável de corrupção. Mas não podemos pedir mais dinheiro para o SUS sem dizer para que”, reforçou.
Com esse tipo de argumento, o médico sanitarista avaliou que a esquerda foi perdendo protagonismo no debate da saúde, tema que ainda é a preocupação principal dos brasileiros, por justamente negar que há problemas de gestão no sistema.
Ele defende que a esquerda deve tratar como prioridade uma reforma do SUS a fim de resolver os dois principais problemas que revertem no que ele considera como a principal falha do SUS no que diz respeito ao atendimento: precária atenção primária.
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Médico sanitarista considera que o sistema não precisa apenas de mais recursos, mas também de uma mudança profunda na gestão
Reforma do SUS
Como medidas efetivas, em primeiro lugar, Wagner mencionou que uma reformulação do sistema que promova sua integração, não descentralização, pois isso impede que haja uma estratégia nacional de saúde, por exemplo em atenção primária, e prejudica os trabalhadores do SUS, que não têm projetos de carreira.
“Tem que ser construída debaixo para cima, como foi a política nacional de saúde mental. O Ministério da Saúde deveria criar uma comissão tripartite nacional, uma autarquia especial para criar uma política nacional integrada de pessoal, por exemplo”, detalhou.
Isso, contudo, não significaria uma federalização do SUS, porque senão ele ficaria na mão do presidente, “a gente já vê o efeito que isso tem nos municípios. No Rio de Janeiro, o Crivella desmontou toda a atenção primária, imagina com seria na mão de Bolsonaro”.
Com Bolsonaro, aliás, o problema crônico da fragmentação do SUS se agravou, na opinião do médico, o que se mostrou fatal durante a pandemia, em que cerca de 80% da população dependia do sistema público.
“Temos que voltar às raízes do SUS, às suas diretrizes, que são ótimas, são diretrizes que Cuba também possui, por exemplo, mas que falhamos em implementar. A atenção primária em todos os países socialistas e inclusive em alguns capitalistas atende quase todo o mundo. Aqui só começamos a tentar implementar isso em 1994 e ainda estamos em 40% de atendimento”, argumentou.
SUS na pandemia
O resultado de ter uma atenção primária precária foi a incapacidade, ainda que não total, do SUS de lidar com os casos de coronavírus. “A questão é que o controle da pandemia não depende só do SUS, mas do Estado, da sociedade e do apoio orçamentário”, ponderou Wagner.
O médico afirmou que o papel do presidente é fundamental para o desempenho no combate à pandemia, e o Brasil falhou nesse aspecto, devido ao negacionismo de Bolsonaro.
“Apesar disso, inclusive com o apoio da sociedade, o SUS foi impondo uma campanha de vacinação, demonstrou um rendimento razoável”, contrapôs.
Entretanto, ele identificou que o erro do sistema público foi priorizar os casos graves em vez de investir na questão primária de prevenção e realização de bloqueios e quarentenas, como fizeram Vietnã e Nova Zelândia, por exemplo, casos de sucesso no combate ao vírus.
“O controle da pandemia é multifatorial e o nosso enfrentamento tinha que ser conversando com a sociedade, impedindo a transmissão de um vírus que é de alta transmissão. A gente deveria ter isolado o Rio quando apareceu a variante delta, não permitir a saída de carros particulares salvo em emergências, cancelar voos, mas quem faz isso é o governo federal e o governo federal não queria”, lamentou.