Combinando questões gerais e outras bastante pessoais, Opera Mundi traz o especial A Pandemia no Mundo. O objetivo é verificar o impacto da covid-19 em diferentes países. Trata-se de uma enquete: as mesmas 27 perguntas são repetidas para moradores deles, de modo que as respostas possam ser acompanhadas e comparadas.
Quando a pandemia começou, dizia-se muito que o coronavírus era “democrático”, atacando igualmente pobres e ricos, brancos, asiáticos e negros, homens e mulheres.
O que a realidade mostrou é que os pobres são mais vítimas da covid-19, como a condução das políticas de saúde por governos de todo o mundo resultou em radicais diferenças no número de contaminados e de mortos.
Quem responde as perguntas hoje é do professor Pedro Erber, de Tóquio.
1. Descreva o grau máximo de isolamento social praticado onde você está.
No Japão, não chegou a haver lockdown. A Constituição não permite. Mas, durante o período decretado de emergência, as escolas, academias, e lojas de departamento (entre outros) fecharam; restaurantes foram convidados a fechar às 20:00, empresas a instituir trabalho remoto etc. Tudo na base do pedido. Mas a adesão dos estabelecimentos foi perto de 100%. Pediu-se que as pessoas não se reunissem com amigos, usassem máscara, evitassem sair sem necessidade etc. Um confinamento light, mas bastante efetivo.
2. Quando começou sua quarentena?
Esse estado de emergência começou dia 7 de abril. Mas as escolas fecharam antes, em 27 de fevereiro. Shows e outros eventos com muita gente pararam dia 26 de fevereiro. Nesse momento o número de casos confirmados no Japão ainda era de 149 e de mortos, apenas um.
3. Quem está com você?
Mulher e filho.
4. É fácil conviver assim?
Sim 🙂
5. Quando você sai de casa?
Para levar meu filho à creche (que em nosso bairro continua funcionando); para correr; para ir ao supermercado; às vezes para almoçar fora com minha mulher em restaurantes vazios.
Leia as outras entrevistas da série A Pandemia no Mundo
6. Teve ou conhece alguém no país em que está que teve covid-19?
Não.
7. Como viu a ação do governo do país em que está em relação ao coronavírus?
Há que se reconhecer os acertos, sobretudo comparado com outros países dos quais eu tenho proximidade, como Brasil e Estados Unidos.
8. Ela mudou muito com o tempo?
A ação do governo japonês teve altos e baixos. O Japão tem um sistema bastante eficiente de “tracing” para detectar focos de transmissão. Algo que funciona normalmente para gripe e outras doenças, que foi acionado já em janeiro e teve papel importante no estágio inicial da prevenção. Depois houve o fiasco do navio Crown Princess, em que o governo demonstrou negligência e deixou a situação sair de controle. Em seguida começaram a ouvir mais os especialistas e tomaram medidas importantes que chegaram a conter relativamente a doença por algumas semanas. Mas erraram feio ao não controlar a entrada de pessoas vindas da Europa quando o nível de infecção já estava muito alto por lá, o que trouxe uma nova onda, mais forte, de contaminação. Foi então que decretaram o estado de emergência, de modo bastante razoável e bem sucedido até aqui, a meu ver (para que fique claro, não sou de maneira alguma apoiador do atual governo japonês de Shinzo Abe. Muito pelo contrário). Anteontem (24 de maio) foi decretado o fim do estado de emergência. Resta a ver como a doença se desenvolverá a partir daqui.
9. Você está neste país por que motivo?
Família e trabalho. Minha esposa é japonesa e hoje sou professor aqui.
10. Acompanhou a situação brasileira?
Sim, diariamente.
11. A embaixada brasileira se comunicou com você ou com pessoas que você conheça?
Não a respeito da pandemia.
12. O governo brasileiro ofereceu algum tipo de ajuda?
Não.
13. Como você acompanha as notícias do Brasil?
Jornais, Facebook, amigos e meu pai que vive no Rio de Janeiro.
14. Gostaria de voltar ao Brasil? Por quê?
Volto sempre que posso, para visitar. Mas agora ficou impossível. Se a situação política e econômica melhorar, consideraria sim morar no Brasil no futuro. Mas no momento está difícil.
15. Sua vida profissional mudou durante a pandemia? Como?
Meu semestre na universidade foi adiado por seis semanas (dia 1º de abril é o início das aulas normalmente) e as aulas estão sendo conduzidas online. Não vou à universidade desde o início da pandemia.
16. Sua vida afetiva (inclusive sexual, se quiser tratar disso) mudou durante a pandemia? Como?
As relações de amizade mudaram, pois não encontro ninguém ao vivo desde o início da pandemia.
17. Você engordou, emagreceu ou manteve o peso?
Mantive o peso. Comendo mais por estar em casa, mas correndo pra compensar 🙂
18. Você bebe mais ou menos durante a pandemia?
Muito menos. Gosto muito de beber socialmente, o que fazia com frequência. Com minha esposa também costumávamos beber bastante em casa. Mas ela está grávida no momento. De modo que não tenho mais companhia pra beber.
19. O que tem feito para ocupar o tempo durante a quarentena?
Aproveitei as férias prolongadas da universidade pra escrever bastante. Foi ótimo.
20. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum hobby durante a pandemia?
Abandonei forçadamente o hobby de sair pra beber com os amigos, frequentar cafés e passear na cidade. Fiz grandes passeios de bicicleta com mulher e filho, o que é um bom modo de estar fora em isolamento social.
21. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum vício durante a pandemia?
Ainda não.
22. Tem realizado atividades para cuidar da saúde mental durante a pandemia?
Sim.
23. A pandemia fez com que você mudasse seu posicionamento político?
Não.
24. Se pudesse dar um conselho a você mesmo antes de entrar em quarentena, qual seria?
Não me ocorre nada em especial.
25. Você tem lido mais ou menos notícias durante a pandemia? Como é sua relação com o noticiário?
Um pouco mais, mas sempre li muito. Leio todos os dias a contagem mundial oficial, as notícias do Japão, Brasil e dos EUA por diversas fontes.
26. Como está a questão do abastecimento de insumos no país em que você está?
De insumos hospitalares, está sob controle. Máscaras comuns faltaram por algumas semanas, mas agora já está normalizado. Álcool desinfetante continua difícil de encontrar.
27. Como está o relacionamento com sua família? Melhorou? Piorou?
Sem mudanças.