Combinando questões gerais e outras bastante pessoais, Opera Mundi traz o especial A Pandemia no Mundo. O objetivo é verificar o impacto da covid-19 em diferentes países. Trata-se de uma enquete: as mesmas 27 perguntas são repetidas para moradores deles, de modo que as respostas possam ser acompanhadas e comparadas.
Quando a pandemia começou, dizia-se muito que o coronavírus era “democrático”, atacando igualmente pobres e ricos, brancos, asiáticos e negros, homens e mulheres.
O que a realidade mostrou é que os pobres são mais vítimas da covid-19, como a condução das políticas de saúde por governos de todo o mundo resultou em radicais diferenças no número de contaminados e de mortos.
Quem responde as perguntas hoje é o historiador André Machado, de Providence (EUA).
1. Descreva o grau máximo de isolamento social praticado onde você está.
Em Providence, o auge do isolamento foi o fechamento de restaurantes, escolas, parques e qualquer outro lugar que pudesse ter aglomeração de pessoas. No entanto, as pessoas sempre saíram para a rua para caminhar ou correr. Eu mesmo saí para caminhar quase todos os dias. Nesse momento, já está ocorrendo uma reabertura gradual. Os restaurantes, por exemplo, podem servir refeições em mesas ao ar livre.
2. Quando começou sua quarentena?
Em meados de março.
3. Quem está com você?
Minha esposa e minha filha de 10 anos.
4. É fácil conviver assim?
Obviamente, o convívio fica prejudicado, pois estamos todos confinados. Ainda que as nossas relações sejam, de modo geral, harmônicas, há um desgaste por não encontrar outras pessoas, ocupar-se com atividades externas etc. É especialmente difícil para a nossa filha.
5. Quando você sai de casa?
Quase todos os dias saio para caminhar. Um vez por semana, em geral, também vou ao supermercado, já que o sistema de delivery não funcionou adequadamente com a pandemia.
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6. Teve ou conhece alguém no país em que está que teve covid-19?
Não.
7. Como viu a ação do governo do país em que está em relação ao coronavírus?
Nos EUA, o processo foi muito semelhante ao que ocorreu no Brasil. O governo federal minimizou o problema, mas vários governos estaduais endureceram a quarenta. Aqui, em Rhode Island, a governadora ganhou projeção política justamente por ser dura nas regras de distanciamento social. Camisetas com frases suas viraram moda na cidade.
8. Ela mudou muito com o tempo?
Em relação a essa pandemia, tudo mudou o tempo todo. Pelo visto, não só aqui, mas no mundo inteiro a sensação em relação às regras sempre foi de incertezas. A decisão e a efetivação do fechamento foi muito rápida e com rigor crescente. Nas universidades, os alunos foram orientados a deixar os alojamentos em um período muito curto. Um caos para pessoas que precisavam voltar para várias partes do mundo. Várias coisas, como as bibliotecas, não iriam fechar, mas em dez dias a orientação mudou e tudo fechou.
9. Você está neste país por que motivo?
Eu e minha mulher estamos fazendo um pós-doutorado nos Estados Unidos.
10. Acompanhou a situação brasileira?
Sim, todos os dias.
11. A embaixada brasileira se comunicou com você ou com pessoas que você conheça?
Como o nosso primeiro voo de retorno foi cancelado, escrevemos para o Consulado em Boston dizendo que poderíamos ter problemas para retornar. A orientação é que só serão criados voos especiais se não houver mais voos comerciais entre Brasil e Estados Unidos.
12. O governo brasileiro ofereceu algum tipo de ajuda?
Não, apenas essa resposta acima.
13. Como você acompanha as notícias do Brasil?
Pelos jornais e blogs através da internet.
14. Gostaria de voltar ao Brasil? Por quê?
Nós voltaremos ao Brasil no final de junho. Vou reassumir as minhas funções na universidade.
15. Sua vida profissional mudou durante a pandemia? Como?
O ritmo de trabalho rapidamente voltou ao normal ou até foi acelerado. Obviamente, algumas coisas foram prejudicadas porque alguns acervos foram fechados. Também perdi a oportunidade de viver mais intensamente a vida universitária daqui, já que o convívio pessoal, as atividades culturais e acadêmicas diminuíram.
16. Sua vida afetiva (inclusive sexual, se quiser tratar disso) mudou durante a pandemia? Como?
Tudo foi afetado por esse novo estado de coisas. As pessoas ficaram tristes e preocupadas. Além disso, a dinâmica do tempo foi alterada. Antes, eu e minha mulher tínhamos mais tempo sozinhos, mais momentos de privacidade. Agora, compartilhamos o mesmo espaço, 24 horas, com uma filha pequena.
17. Você engordou, emagreceu ou manteve o peso?
Engordei bastante.
18. Você bebe mais ou menos durante a pandemia?
Isso continuou o mesmo.
19. O que tem feito para ocupar o tempo durante a quarentena?
Não tem sobrado mais tempo durante a quarentena. O trabalho manteve o mesmo ritmo ou até aumentou. Além disso, o trabalho doméstico aumentou. Agora cozinhamos em casa muito mais do que antes. Além disso, as aulas online da nossa filha criaram novas demandas, ainda que ela seja muito independente.
20. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum hobby durante a pandemia?
Tentei fazer uns pratos brasileiros aqui, o que sempre é um desafio divertido, pois é necessário encontrar ingredientes e torcer para que eles tenham o mesmo efeito que os que você conhece. Além disso, passei a fazer meditação de uma forma mais corriqueira.
21. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum vício durante a pandemia?
Acho que não. Meus vícios continuam os mesmos.
22. Tem realizado atividades para cuidar da saúde mental durante a pandemia?
Pra minha sanidade, tem sido fundamental a possibilidade de caminhar todos os dias. Os exercícios de meditação têm me ajudado bastante, uma vez vencido o meu preconceito inicial com a prática. Outra coisa importante tem sido conversar regularmente com os amigos pela internet. Falamos agora com algumas pessoas mais do que antes da pandemia.
23. A pandemia fez com que você mudasse seu posicionamento político?
Não, pelo contrário. Só aumentou as minhas convicções políticas.
24. Se pudesse dar um conselho a você mesmo antes de entrar em quarentena, qual seria?
Eu li isso numa entrevista anterior e vou repetir porque é perfeito. Eu diria para mim: “prepare-se, porque será mais longo do que estão dizendo.”
25. Você tem lido mais ou menos notícias durante a pandemia? Como é sua relação com o noticiário?
Mais ou menos a mesma quantidade, o que sempre foi muito. Agora estou tentando evitar uma prática bastante corriqueira que era acordar e já dar uma geral nas notícias. Percebi que isto me deixava muito ansioso e estou tentando mudar esse procedimento.
26. Como está a questão do abastecimento de insumos no país em que você está?
O desabastecimento nos EUA foi bastante surpreendente para mim. Acreditei que isso durasse apenas uns 15 dias. Mas até hoje a compra de carne é controlada. Papel higiênico, papel toalha e guardanapos aparecem e desaparecem dos supermercados. Alguns produtos de limpeza são caçados pelas pessoas, que informam aos outros onde encontrar. Coisas básicas, como termômetro, desapareceram. Levamos mais de um mês para conseguir um. Ainda hoje algumas prateleiras do supermercado estão vazias, o que nunca tinha visto.
27. Como está o relacionamento com sua família? Melhorou? Piorou?
Em relação a minha família nuclear – mulher e filha – já falei acima. Em relação aos meus pais e ao meu irmão, sinto que a relação melhorou. Temos nos falado mais, confidenciado mais as nossas angústias.