A vida cada vez mais corrida tem sido uma a máxima por aqui.
Inclusive, tempo para escrever tem faltado. Mas vamos falar de política? Vamos
falar do movimento de mulheres ocupando as ruas no país inteiro no dia 29 de
setembro?
A primeira coisa que eu quero destacar é que os tamanhos dos
atos #EleNão são algo histórico no movimento de mulheres, creio que nem em
momentos importantes como a luta pelo direito ao voto, movimento custo de vida
ou a primavera feminista tivemos uma mobilização tão grande e plural quanto a
que vivenciamos sábado no Brasil. Isto não é qualquer coisa. O outro dado
importante é que o eixo que organizou os acontecimentos de sábado, fomos
as ruas norteadas por uma pauta essencialmente política e não apenas econômica
o que é de um feito extraordinário. Outra coisa importante é que se formos
pensar todos os momentos em que a política tomou conta das ruas brasileiras nos
últimos 40 anos, as mulheres ali estavam, mas o protagonismo destacado era dos
homens.
Se por um lado a manifestação das brasileiras contra o coiso
conseguiu confrontar a antipolítica, apresentar manifesto político unitário dos
motivos que nos motivava estar nas ruas. Não podemos ignorar o que foram as
manifestações pró-inominável logo no dia seguinte. Ressalto isso porque, as
vezes, ao olhar algumas análises e avaliações sobre o ocorrido me parece que se
esquecer que há em nosso país lastro político para o projeto que o coiso
vocaliza e esse é um projeto muito perigoso, não apenas para quem se reivindica
de esquerda ou progressista, mas também pra quem é de direita. É um erro as
análises ou narrativas que jogam no colo da mobilização das mulheres o
crescimento do Bozonaro nas últimas pesquisas, é não olhar o cenário como um
todo e, pra mim, é um pouco de recalque pelo fato das mulheres de forma diversa
estarem apurando a grande política do país. Precisamos lembrar que no mesmo
final de semana em várias missas e cultos existiu lugares em que se reforçou a
pauta reacionária vocalizada pelo inominável e esse fato explica uma parte do
crescimento do coiso. Isso e o apoio do bispo Edir Macedo anunciado na semana
do dia 29.
É preciso lembrar que a disputa de consciência por parte do
ultraconservadorismo tem sido feita constantemente já há bastante tempo, não é
de agora os motes do estilo “minha bandeira não é vermelha” ou a ação de passar
pano para revisionistas que apresentam leituras complicadas sobre o que foi o
golpe de 64 e a Ditadura civil-militar. Não necessariamente a porcentagem da
população que vota em Bozonaro é consolidadamente fascista, mas também não quer
dizer que o crescimento de um projeto desse criar a amálgama dos descontentes
com o regime não é muito perigoso para todos.
A entrevista de Cássio Cunha Lima, senador do PSDB, para
Folha de São Paulo demonstra isso. Achar que não se deve contrapor o coiso pois
se perde votos da direita para ele só demonstra que o projeto da direita
brasileira de voltar a centralidade do comando do país deu no fortalecimento de
projeto fascista. Bozonaro ganhou relevância no cenário político durante o
processo de construção do golpe contra Dilma, quando setores significantes da
direita brasileira se juntaram com quem defendia a volta da Ditadura e
intervenção militar. Essa é a primeira responsabilização a ser feita, não em
cima das mulheres que estiveram corajosamente no dia 29 de setembro nas urnas.
A segunda coisa que precisamos falar de forma franca em
nossos debates é que a dissociação da luta política da luta econômica, também,
ajudou nesse avanço. Vejam bem, não digo que é o principal ponto para estarmos
onde estamos, mas que ajudou. São patamares de responsabilização diferentes,
mas que precisam ser falados. Não adiantou garantir crédito e recuar em
pontos importantes pra disputa da consciência do povo. Ou seja, do que valeu
recuar no PNDH-3 em 2010 para setores que ajudaram a dar o golpe e que ajudaram
a tornar Bozonaro uma referência política? Do que adiantou recuar no debate
sobre orientação sexual nas escolas via Ministério da Educação para garantir a
governabilidade com setores que hoje dão lastro político para um projeto
político que irá calar a todo mundo? Cede r em pontos relativos a direitos
humanos ajudou a estarmos onde estamos agora e isso não podemos ignorar.
Como escrevi mais acima: a responsabilidade de um é mais
pesada do que de outro. Do meu ponto de vista, o maior responsável é de quem
ajudou a organizar o processo político pelo qual o coiso foi forjado como referência
política, ou seja, o golpe. Identificar isso é fundamental para podermos dar
respostas de fôlego nas ruas e nas urnas. O que se iniciou no sábado é um marco
histórico de uma luta política que precisará ser mais de longa duração do que o
processo eleitoral.
Estamos falando de escolher entre um governo onde poderemos
sair às ruas para nos manifestar contra ou favor das coisas ou um governo em
que nem poderemos debater o que pensamos de forma diversa e democrática. É a
escolha entre poder falar e sermos calados. Nós nunca precisamos tanto falar de
política de forma séria, olhando as movimentações da base social, mas também na
superestrutura, levar em conta os movimentos que eclodem e não apenas os
números das urnas e pesquisas.
Não podemos ter medo de enfrentar o que significa uma
possível eleição do coiso para todos os espectros políticos, também não podemos
achar que passando o sufoco eleitoral nossa vida estará resolvida. Não estará!
O ovo da serpente tá chocado e cabe a nós darmos a batalha contra os filhotes
que saíram desse choco e a movimentação encabeçada pelas mulheres no dia 29 de
setembro é parte importantíssima dessa resposta. É um nítido “daqui não passa!”
e precisa ser assim reconhecida e não deve ser caracterizada como causa de um
avanço eleitoral do inominável, mas como resistência e defesa do direito de
todos nós de podermos falar e debater nossas ideias. Nós estamos tomando as
rédeas do debate da grande política contra o ultraconservadorismo de forma
contundente e politizada, não podemos perder essa localização para o
enfrentamento político futuro.
Por fim, meus sonhos não cabem nas urnas, mas para que eles
continuem a existir precisam delas neste momento.
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