O mundo ficou perplexo com a eleição de Trump em 2016. O fenômeno baseado num discurso xenófobo e agressivo com minorias chocou a maior democracia do planeta. Posteriormente foi reconhecida uma rede de boataria e Fake News em favor de Trump.
A Fake News é aquele texto falacioso, geralmente construído de forma jornalística para dar maior credibilidade. No caso de Trump o uso foi combinado a um discurso cada vez mais comum no mundo, de que a imprensa está sempre a serviço de alguém e não tem credibilidade. Lá, como cá, as Fake News foram disseminadas com a intenção de fingir serem fatos jornalísticos apurados, uma estratégia que vem enganando milhares de eleitores.
Enquanto Trump acusava – e segue acusando – a mídia de fazer campanha contra ele, uma profusão de sites desconhecidos se fingiam passar por veículos isentos e trabalhavam para divulgar as notícias mentirosas.
No Brasil, um dos primeiros a importar esse fenômeno foi o Movimento Brasil Livre. Para compreender as dificuldades da justiça em se combater essa máquina é preciso entender alguns aspectos das redes sociais.
Quando em julho deste ano, o Facebook anunciou em que retirou 196 páginas e 87 perfis ligados ao MBL, por violar as políticas de autenticidade, o estrago já estava feito. Como se sabe, o Facebook tem diversos algoritmos que espalham (ou deixam de espalhar) o conteúdo postado.
Um dos critérios para que o conteúdo seja mais ou menos exposto pelos robôs da rede social é justamente a interação. Isso explica porque toda rede que pretende disseminar notícias falsas é composta por páginas e perfis falsos. Os perfis fazem as primeiras interações e os robôs espalham para perfis reais, que seguem espalhando as notícias sem checar o conteúdo.
Mas por que pessoas reais espalham notícias falsas?
Como se viu na eleição norte-americana, há diversas formas de se analisar o perfil psicológico de seus eleitores nas redes sociais. Os chamados metadados são a base que dá origem às notícias falsas.
“Comunistas comem criancinhas”; “PT é comunista”; “Haddad fez o Kit gay para sexualizar crianças de 6 anos”. A narrativa não é feita ao acaso. As notícias reais têm a infelicidade de não irem sempre de encontro ao sentimento dos leitores. A notícia falsa segue um roteiro construído com maestria.
Mas foi a campanha de Bolsonaro quem conferiu um aspecto novo a essa estratégia: o uso do WhatsApp para viralizar as Fake News. Para dar outro exemplo de como a estratégia funciona no Brasil, podemos ver a proposta feita por Jair Bolsonaro de dar 13º salário aos beneficiários do Bolsa Família.
Durante uma palestra em ambiente fechado, Mourão (vice de Bolsonaro) afirma que é contra o 13º salário e que ele deve acabar. A campanha de Haddad então começa a utilizar o vídeo com a fala de Mourão para as eleições. Bolsonaro, para corrigir o estrago da fala de seu vice candidato, declara que Mourão se equivocou e propõe, às pressas, o 13º no Bolsa Família.
Imediatamente, dezenas de sites desconhecidos replicam a proposta de Bolsonaro e isso é disparado em massa, para milhares de grupos e pessoas por WhatsApp até chegar, claro, no grupo da minha e de sua família. No Google, a busca dispara em “13º salário Bolsonaro”. E os resultados colocam, em primeiro lugar nas buscas por Internet, conteúdos de sites parceiros de Bolsonaro, considerados como relevantes pela intensidade da procura sobre o assunto, e não pela verificação da qualidade das informações veiculadas.
No entanto, há um atraso entre o ranqueamento de interesse nas notícias mais buscadas no Google e as correções quando há duplicidade de conteúdo ou informações falsas. Ou seja, se hoje o Google pune boa parte destes sites que espalham Fake News e a busca na plataforma prioriza sites de notícias políticas reais, nos dias em que o debate estava quente no assunto, quem pesquisasse “13º salário Bolsonaro” encontraria somente a rede parceira do candidato do PSL.
Agora some Facebook, WhatsApp e otimização de buscas no Google. As pessoas, mesmo as que estão bem-intencionadas, têm poucas chances de descobrir a verdade dos fatos, quando uma série de instrumentos são utilizados de forma conjunta para atingir o mesmo objetivo de manipulação do conteúdo.
A morosidade para julgar a velocidade da Internet
A Justiça parte do princípio democrático – e nem poderia ser diferente – de que é preciso tempo para o contraditório. Abre-se investigação, ouvem-se as partes e só então se toma uma decisão.
Quando a Folha de São Paulo denunciou um suposto esquema de caixa 2 para criar e espalhar notícias falsas contra Haddad, no dia 18 de outubro, o WhatsApp, empresa privada, sem precisar ouvir parte nenhuma baniu centenas de milhares de contas ligadas às empresas denunciadas.
Também o Facebook dias depois excluiu dezenas de páginas e perfis ligados à mesma denúncia. E a justiça deu prazo de cinco dias para que os acusados se defendessem. Assim, o mesmo prazo que deve ser seguido é também o que impede a solução.
Ao banir as contas, o WhatsApp e o Facebook foram mais céleres que a Justiça. Mas, para se ter uma ideia, só no Facebook, as visualizações destas páginas e perfis com notícias falsas já haviam ultrapassado a marca de 12 milhões de interações, entre comentários, compartilhamentos e reações. No WhatsApp não é possível calcular os milhares atingidos por estas notícias. E o que é mais grave, a informação já está impregnada nos eleitores.
Enquanto tudo isso acontece, a Justiça, que por dever democrático precisa ouvir todas as partes antes de tomar qualquer decisão, instaura seu processo por meio de regras e leis feitas antes da internet ou, para ser mais específico, antes das redes sociais se tornarem tão relevantes na vida das pessoas.
Com isso, soam como piada de mau gosto declarações como a da ministra Rosa Weber de que “o TSE está entendendo o fenômeno [das Fake News], porque o fenômeno não é de fácil compreensão, não é de fácil prevenção, e não é problema brasileiro. Mas o TSE está atento”.
A democracia brasileira está refém de notícias falsas fabricadas sob a instrução dos metadados. E não há solução em um horizonte próximo capaz de, ao mesmo tempo, manter os princípios democráticos de direito ao contraditório e a celeridade capaz de embarreirar a difusão de notícias falsas. Dormiremos com esse barulho.
No Brasil outro fator importante é a falta de neutralidade da rede. Vamos relembrar o artigo 9º, parágrafo 2º, inciso IV do Marco Civil da Internet, que diz:
IV – oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais.
O que significa impedir que sua operadora de internet limite acesso a determinados conteúdos ou faça cobranças adicionais para esses conteúdos. Sem o artigo seria possível, por exemplo, que uma operadora cobrasse mais caro em um plano ‘que incluísse o YouTube’, por exemplo.
Acontece que no Brasil se dá pingo em gota d’água e as operadoras por aqui passaram a oferecer de forma gratuita alguns serviços. Quais? Facebook e Whatsapp, principalmente.
Ou seja, a rede de Fake News pode chegar tranquilamente, mas o desmentido nem sempre.
Alie a isso o fato de que as notícias políticas em questão são criadas conforme o perfil psicossocial das vítimas e temos quase metade do país acreditando que Haddad pretendia distribuir “mamadeiras-pornô” para crianças.
Não é a razão ou o pensamento que explicam a crença nesse tipo de coisa, mas o apelo a um sentimento amplamente difundido e, neste caso, com a colaboração da imprensa nacional – que é adepta ao antipetismo.
(*) Victor Amatucci é editor do Blog ImprenÇa {{não acredite em mim}}
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WhatsApp é o principal vetor de fake news no Brasil