A notícia da acusação contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro e dos membros do seu governo por tráfico de drogas me deixou sem palavras. Ao observar a perseguição contra a Venezuela, eu que já vi tantas coisas, honestamente, não pensei que a quadrilha que está no poder nos Estados Unidos chegaria tão longe.
Depois de roubar 5 bilhões de dólares em recursos financeiros da Venezuela, que estão depositados em bancos de 15 países. Depois de estabelecer um bloqueio de toda a economia do país através de sanções atrozes, com o objetivo de golpear a população civil e empurrá-la (sem sucesso) a uma rebelião contra o seu governo. E depois de algumas tentativas fracassadas de golpe, aqui está o tiro final, a calunia mais infame.
O golpe é tão desmedido que não creio que tenha consequências relevantes. Nem as Nações Unidas, nem a União Europeia, nem a maioria dos estados do planeta que votou a favor do atual governo da Venezuela e seu presidente, durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro passado, darão maior peso a este episódio de guerra assimétrica.
Não acontecerá nada, porque não existe a mínima evidência capaz de apoiar a calúnia de que a Venezuela tem inundado os Estados Unidos com cocaína nos últimos anos.
PR VZ/Fotos Públicas
Não existe a mínima evidência capaz de apoiar a calúnia de que a Venezuela tem inundado os EUA com cocaína nos últimos anos
O que também me deixou perplexo é o fato de que trabalhei com políticas antidrogas durante 40 anos, e nunca encontrei nada sobre a Venezuela nesse então. Antes, durante e depois de exercer como diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), encarregado do programa antidrogas da ONU, entre 1997 e 2002, nunca tive a oportunidade de visitar esse país, e isso porque a Venezuela sempre esteve fora dos principais circuitos de tráfico de cocaína, a maioria dos quais conecta a Colômbia, principal país produtor, e os Estados Unidos, principais consumidores.
A respeito da ideia de comércio ilegal de produtos narcóticos entre Venezuela e Estados Unidos, não existe nada além da fantasia doentia de Trump e seus aliados. Para entender isso, basta consultar as duas fontes mais importantes sobre o tema: o último informe da UNODC sobre drogas e o último documento da DEA (sigla em inglês do Departamento de Enfrentamento às Drogas), a polícia antidroga norte-americana, com data de dezembro de 2019.
Segundo este último, cerca de 90% da cocaína introduzida nos Estados Unidos vem da Colômbia, 6% do Peru e o resto é de origem desconhecida. Podem estar certos de que se nesses 4% restantes houvesse qualquer cheirinho de Venezuela, não teria passado desapercebido.
Mas é o informe da ONU que proporciona a imagem mais detalhada, já que menciona o México, a Guatemala e o Equador como os lugares por onde a droga transita até chegar aos Estados Unidos. No documento da DEA, também são citados os famosos narcos mexicanos como os maiores provedores do mercado norte-americano.
Não há qualquer vestígio de conexão com a Venezuela em nenhuma página dos dois documentos. Ademais, em nenhum outro material das agências anticrime dos Estados Unidos nos últimos 15 anos (conheço muito bem o tema) são mencionados fatos que possam levar, ainda que indiretamente, às acusações lançadas contra o presidente legítimo da Venezuela e contra seu governo.
Portanto, não passa de sujeira, entulho político, e espero que seja tratado como tal, fora do sistema político-midiático dos Estados Unidos.
(*) Pino Arlacchi é um sociólogo italiano, foi membro do Parlamento Europeu e ocupou o cargo na direção do Escritório das Nações Unidas em Viena e também no Escritório de Controle de Drogas e Prevenção ao Crime.