1) A apresentação de 20 pré-candidaturas presidenciais revela uma mudança importante do sistema político, ainda mais se compararmos com as 12 pré-candidaturas oficiais que ocorreram nas eleições de 2017, das quais restaram apenas 8 na corrida. Diante de tanta dispersão de votos, é improvável que uma força possa ganhar no primeiro turno. De qualquer forma, aumenta a possibilidade de que, quem passe ao segundo turno, não o faça com uma porcentagem muito alta, talvez não mais que 30%.
2) A novidade mais importante é a apresentação de uma chapa eleitoral que corresponde à esquerda e ao correísmo com o ex-ministro Andrés Arauz como candidato a presidente, embora reste saber se o ex-presidente Rafael Correa participará nessa chapa como candidato a vice-presidente. Por via das dúvidas, até que não se resolva sua situação legal, se apresenta uma alternativa formada pelo ex-ministro Andrés Arauz e pelo comunicador Carlos Rabascall. Se trata de uma chapa com possibilidades de ganhar no primeiro turno, ainda que existam dúvidas sobre o que poderia ocorrer no segundo turno caso se conforme uma “frente anticorreísta”.
3) Com exceção de Guillermo Lasso, Lucio Gutiérrez e, eventualmente, Rafael Correa, nas próximas eleições presidenciais já não participariam como candidatos personagens tradicionais da política equatoriana das três últimas décadas. Nesse sentido, saíram Jaime Nebot e Álvaro Noboa; Abdalá Bucaram só se candidatou como deputado; e Paco Moncayo parece ter ter se aposentado. Da mesma forma, Lenín Moreno não busca sua reeleição como presidente e nem apresentará seu ex-vice-presidente Otto Sonnenholzer, alguém que muitos viam como a aposta do governo ou, eventualmente, uma mudança geracional da direita.
4) A direita e a centro-direita, em suas múltiplas expressões (neoliberal, conservadora, autoritária, moderada, religiosa, ilustrada, populista etc.), atravessará seu próprio processo de redefinições para escolher quem conduzirá esse espaço, quem poderia obter o maior número de votos e, o mais importante, quem poderia chegar a articular da melhor maneira o pólo anticorreísta. Quem corre com mais vantagem na disputa por essa liderança são Guillermo Lasso, com alto nível de conhecimento e importante quantidade de recursos, e Cristina Reyes, a candidata surpresa do Partido Social Cristão, pela presença regional da organização.
5) O governo ficaria sem herdeiros: nenhum candidato nem partido reivindica ser parte desta “linhagem”. A crise econômica, social e sanitária, com uma corrupção institucionalizada e uma péssima imagem do presidente (segundo algumas pesquisas, só teria 20% de aprovação), gera uma situação praticamente inédita com várias candidaturas por chapas diferentes. Nesse sentido, além do Alianza País como partido de governo, aparecem as candidaturas do Democracia Sí, de Gustavo Larrea, e do Construye, antigo Ruptura 25, em uma tentativa de limpar a imagem do partido.
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Diante de tanta dispersão de votos, é improvável que uma força possa ganhar no primeiro turno
6) Pela primeira vez, desde a chegada de Rafael Correa ao poder em 2006, o Alianza País, agora sob as ordens de Lenín Moreno, perderia uma eleição presidencial. Contudo, segue sendo uma máquina eleitoral e financeira com presença em todo o país, o que em partes explica a apresentação de uma candidatura presidencial sem nenhuma chance de vencer. De partido hegemônico há muitos anos, o Alianza País se converteria em uma força coadjuvante.
7) Depois dos grandes protestos indígenas de outubro de 2019, Pachakutik voltará a ter um papel totalmente menor nas eleições presidenciais, podendo angariar, com sorte, 5%. A escolha de um candidato mais moderado (Yaku Pérez) e a tentativa de “desindigenizar” a chapa com uma fraca candidata a vice totalmente improvisada e com declarações infelizes (inclusive contrárias ao movimento indígena), revela os fortes conflitos internos da organização e o desinteresse na sua atuação política. Resta saber se os votos mais radicais por trás dos dirigentes dos protestos de 2019 irão para o correísmo, setor com o qual sua relação também não é fácil.
8) Existem organizações que, com um peso cada vez mais limitado na disputa presidencial, se apresentam sobretudo para conseguir um lugar na Assembleia. É o caso de duas forças poderosas no passado e que atualmente sobrevivem com uma base eleitoral mínima como FE (antigo PRE), da família Bucaram, ou a Esquerda Democrática, com a ameaça de perder novamente seu registro jurídico.
9) Chama a atenção a quantidade de chapas com nomes desconhecidos, em alguns casos com observações legais, que com sorte poderiam conquistar 1%. Chapas puramente eleitorais, como Libertad es Pueblo, Movimiento Amigo, Unión Ecuatoriana etc, mobilizam recursos de todos os tipos, garantem o financiamento público e eventualmente também o privado, e fazem sua aposta no segundo turno, quando os dois maiores partidos deverão negociar apoios (ainda que representem poucos votos) em troca da presença em um futuro governo ou de qualquer outro tipo de benefício. Justicia Social, de Fabricio Correa, irmão do ex-presidente, soma um conflito familiar à disputa política.
10) Com o pastor brasileiro Gerson Almeida, do Ecuatoriano Unido, pela primeira vez no Equador se conforma uma chapa presidencial sustentada em igrejas evangélicas. Se trata de um movimento político e religioso de penetração cada vez mais profunda na região e que teve seus principais êxitos no México, com López Obrador, no Brasil, com Bolsonaro, e em alguns países da América Central. Com um amplo senso de pragmatismo, pode fazer alianças pela esquerda e pela direita.
*Publicado originalmente em Ruta Krítica