A Secretaria de Projetos, Orçamento e Gestão do Governo do Estado achou necessário publicar no jornal Primeira Página uma nota (leia ao final do texto) afirmando que este colunista “desinforma os leitores” ao manifestar preocupação com a “boiada” doriana. Agradeço o tom ponderado, mas não a argumentação.
O texto completo do PL 529, em apreciação pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), não traz nenhum cálculo consistente a embasar a proposta de eliminar, numa única penada, mais de uma dezena de instituições de pesquisa e planejamento e a avançar sobre os recursos das três universidades estaduais e da Fapesp.
Se “as reformas são necessárias” então o governo poderia oferecer aos deputados e à população os cálculos e planilhas mostrando essa necessidade e indicar os planos de médio e longo prazo para o suposto saneamento das finanças do Estado. Nada disso foi feito.
Ao contrário, a Secretaria confessa que pretende utilizar esses recursos “para sanar um problema atual”, isto é, de curtíssimo prazo. É isso que a Secretaria entende por Planejamento?
Ao garantir que “todos os serviços, projetos e obras serão continuados (…) sem qualquer prejuízo para a população”, o governo poderia informar quem e como realizará o planejamento e apoio à habitação populares ou ao transporte coletivo metropolitano.
Como não o faz, não pede um sacrifício consciente de cidadão bem informados, mas uma manifestação de fé na palavra do governo. Convenhamos que, se nem o presidente Bolsonaro confia nas palavras e na lealdade do governador, este está pedindo demais dos paulistas.
É preocupante que a Secretaria se refira às reservas financeiras das Universidades e da Fapesp como “recursos sem destinação”. Garantir a continuidade de programas de pesquisa e inovação tecnológica de média e longa duração (Fapesp) ou preservar-se para as recorrentes variações do repasse de recursos orçamentários (Universidades) é não ter “destinação”?
Se não há má fé, nem intuito de desinformar, então há flagrante desrespeito à inteligência dos leitores. E dos eleitores.
Flickr
Se nem o presidente Bolsonaro confia nas palavras e na lealdade do governador, este está pedindo demais dos paulistas
Quanto à promessa de que “os gastos futuros com pesquisa e ensino superior serão garantidos”, o governo terá muito em breve a oportunidade para comprová-la. Ou não.
Ao enviar à Assembleia a previsão orçamentária para 2021, veremos, sem espaço para a retórica, se o governador manterá o compromisso histórico do governo paulista com a parcela do ICMS para as universidades ou, a exemplo de seu ex-padrinho Alckmin, embutirá, com mão de gato, as palavrinhas “no máximo” ou “até o valor de…”.
Por ora, o que nenhuma manifestação do governo deixou claro é que o governo saiba o que pretende fazer com o saldo da “boiada” ou, se sabe, que pretenda dizê-lo de forma transparente e republicana como a nossa constituição exige da administração pública.
Para melhor compreensão, reproduzo abaixo o inteiro teor da manifestação da Secretaria de Projetos, Orçamento e Gestão, publicada no jornal Primeira Página de 28/08/20:
O artigo do professor Carlos A. Ferreira Martins desinforma os leitores. O Governo de São Paulo preparou um conjunto de medidas, submetido ao Legislativo, para a modernização administrativa e equilíbrio fiscal das contas públicas de São Paulo, com o objetivos de evitar um déficit estimado em R$ 10,4 bilhões para 2021. As reformas são necessárias para a execução de todas as ações programadas em prol da população de São Paulo e para que o Estado possa sustentar seus compromissos, incluindo o pagamento de servidores, aposentados e fornecedores. Todos os serviços, projetos e obras serão continuados com a mesma qualidade, sem qualquer prejuízo para a população.
A ciência conta com todo o apoio do Governo do Estado. O projeto de lei propõe usar recursos sem destinação para sanar um problema atual, que é a necessidade de pagamento de servidores, inclusive professores, com a queda abrupta de arrecadação causada pela pandemia. Os gastos futuros com pesquisa e ensino superior serão garantidos pela destinação obrigatória da arrecadação estadual, prevista na Constituição do Estado, nos próximos anos.
*Carlos Ferreira Martins é Professor Titular do IAU-USP São Carlos