Quarta-feira, 23 de abril de 2025
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O fantasma do neoliberalismo que assombra a história da América Latina tem dado passos largos na nova conjuntura política da região. Após golpes, alternâncias políticas e continuidades dos projetos da direita, a América Latina é atacada novamente por uma agenda neoliberal que coloca em risco a soberania e o desenvolvimento latino-americanos. Em 2019, o avanço dos pacotes do FMI incentivou inúmeros levantes populares, milhares de pessoas foram às ruas no Equador, Chile e Colômbia. Agora, em 2020, com os limites impostos às manifestações pela pandemia, os vários governos da região procuram acelerar as políticas neoliberais.

No Brasil, desde o governo Temer, os avanços do neoliberalismo têm imposto grandes desafios aos movimentos sociais. Em 2019, já no governo Bolsonaro, os ataques se ampliaram com a agenda neoliberal e privatizadora de Paulo Guedes e Weintraub, como, por exemplo, no ataque ao orçamento das Universidades Federais, que colocou em risco seu funcionamento. Diversos setores da educação organizaram uma ampla manifestação contra o governo, com atos que levaram milhares de pessoas às ruas em todo o país – o chamado Tsunami da Educação – refreando momentaneamente os ataques contra as universidades públicas.

A vitória eleitoral da direita nas últimas eleições colocou também na maioria dos governos estaduais defensores da agenda neoliberal, que agora procuram implementar reformas e privatizações, sustentadas no discurso da “austeridade”. A aliança política entre a direita conservadora e a direita neoliberal evidencia que, independente do ator que irá conduzir o processo, existe um acordo no desmonte do Estado e dos serviços públicos encomendado pelo capital internacional, sem impedir, contudo, uma disputa pelo protagonismo do processo, visando obviamente preparar a disputa entre as vários expressões da direita para as eleições presidenciais de 2020. Bom exemplo dessa situação é o governo do Estado de São Paulo. Após a campanha “BolsoDória” de 2018, João Doria procura se diferenciar de Bolsonaro, mas como um melhor executor da cartilha neoliberal.

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Processo que Florestan Fernandes denominava como quarto padrão de dominação, quando ocorre um novo tipo de controle interno baseado em interesses externos. Esse capitalismo é corporativista e pode se tornar monopolista, através de associações internas com sócios locais, pressões por mecanismos financeiros e até mesmo corrupção.

A atuação do governador João Doria e seu discurso de austeridade e empreendedorismo se alinham a esse novo tipo de capitalismo, que passa de um imperialismo restrito para um imperialismo total. Hoje, os interesses dessas empresas internacionais estão infiltrados nas camadas sociais e interferem diretamente na educação, na mídia, no padrão de consumo, instituições sociais, tecnologia, investimentos financeiros e inclusive na política doméstica.

Projeto de Lei apresentado por Doria é um ataque neoliberal que utiliza a justificativa de ajuste fiscal para realizar o desmonte do Estado

Governo do Estado de São Paulo

Projeto de Lei apresentado por Doria é um ataque neoliberal que utiliza a justificativa de ajuste fiscal para realizar o desmonte do Estado

Em meio à pandemia, a sociedade brasileira tem como desafio derrotar duas grandes crises: a da covid-19 e do avanço do neoliberalismo. O projeto neoliberal tem raízes em diversas camadas e forças políticas brasileiras. O Projeto de Lei nº529, apresentado pelo governador Doria em plena pandemia, é um ataque neoliberal que utiliza a justificativa de ajuste fiscal e equilíbrio das contas públicas para realizar o desmonte do Estado.

O projeto possui uma amplitude de destruição, ataca políticas públicas nas áreas de saúde, habitação, transportes, educação, meio ambiente e ciência. O artigo 14 do PL 529 coloca em risco a autonomia das universidades estaduais – USP, Unesp, Unicamp e Fapesp – pois busca intervir no seu orçamento e, consequentemente, no planejamento de gastos dessas. Após fortes mobilizações dos setores da educação foi proposta uma alteração que retira as universidades e a Fapesp do artigo 14, mas mantém parte do ataque por meio de uma disposição transitória que confisca o “superávit” de 2019 das universidades e da Fapesp. 

Esse confisco soma cerca de 1 bilhão de reais nas três universidades estaduais (USP, Unesp e Unicamp) e na agência de fomento à pesquisa Fapesp. Recursos fundamentais para a continuidade das pesquisas das universidades públicas paulistas que detêm um papel de destaque na ciência nacional. Ao atacar a autonomia universitária e sua forma de administrar seus recursos, o governo do Estado mostra desconhecer a necessidade de fluxo contínuo de recursos para os projetos de pesquisa. A ciência requer investimentos de longo prazo, assim o chamado “superávit” não significa sobra de dinheiro, mas a garantia de continuidade do funcionamento destas instituições.

É bom lembrar ainda que estes recursos não são resultado de um excesso de investimento, mas foram constituídos dentro de um processo de falta de contratação de pessoal, arrocho salarial e cortes de gastos em diversas áreas. Portanto, a retirada destes recursos de 2019 ampliaria o quadro de desmonte vivido dentro das universidades.     

Essa lógica neoliberal, réplica do governo federal, não vê a ciência como um bem comum e sim como um produto que pode ser negociado. Hoje, os movimentos sociais enfrentam uma grande tarefa, mobilizar e barrar o ataque neoliberal que o PL 529 representa. É necessário uma defesa ampla pelo fortalecimento da universidade pública brasileira, pelo avanço tecnológico e pela ciência, etapa essencial para qualquer processo de desenvolvimento nacional. A ciência nacional representa o futuro do desenvolvimento brasileiro, não existe agricultura sem ciência, não existe planejamento urbano, saúde e tecnologia se não existir universidade pública de qualidade.

*Amanda Harumy é doutoranda do PROLAM-USP, professora de Relações Internacionais da FSA e coordenadora geral da Associação de Pós Graduandos da USP Capital. 

*Rodrigo Ricupero é professor doutor do Departamento de História da Universidade de São Paulo e presidente da Associação dos Docentes da USP.