A Folha de S. Paulo publicou, em 17 de setembro passado, o artigo Um espectro ronda o PT, da professora aposentada da USP e pesquisadora do Cebrap, Maria Hermínia Tavares, no qual, ao lado de observações judiciosas, está dito que “o PT […] não assinou a Constituição de 1988”. Esta versão, há muito divulgada, talvez originariamente para desgastar o PT, não é, contudo, verdadeira.
Na Constituinte de 1987/1988 fui líder do PCdoB e testemunhei todos os fatos relativos a essa questão. No dia 22 de setembro de 1988, os constituintes foram convocados ao plenário para votar a redação final da Constituição, tal como elaborada pela Comissão de Sistematização. Anteriormente, Ulisses Guimarães, presidindo a sessão, deu a palavra aos líderes para os encaminhamentos partidários, como de costume. Nesta hora, falei (Diário da Assembleia Nacional Constituinte de 23 de setembro de 1988, pg 14309). Opinei que o texto em discussão, a despeito de limitações importantes, era o da Carta mais democrática e progressista que já tivemos no Brasil, peça fundamental para liquidar o regime discricionário até há pouco em vigor.
Fiz apreciações gerais sobre a redação em exame, lembrei que a Constituinte de 1987 foi precedida de grandes mobilizações populares, a maior das quais foi a campanha pelas Diretas Já, afirmei que “o PCdoB sempre viu a luta pela convocação de uma Constituinte… intimamente ligada à batalha pelo fim do regime militar”, anunciei o voto da bancada comunista favorável à aprovação do texto final e sua decisão em assiná-lo no dia seguinte, como previsto. Finalmente, li uma Declaração de Voto a respeito.
Pouco depois da minha fala, falou Lula, líder do PT (mesmo Diário da Assembleia Nacional Constituinte de 23 de setembro de 1988). Lula disse que seu partido achava que “houve alguns avanços na Constituição; na ordem social; na questão do direito dos trabalhadores. Mas foram avanços aquém daquilo que a classe trabalhadora esperava que acontecesse”.
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Ao contrário da versão que se divulga, às vezes para depreciar o PT, todos seus parlamentares assinaram a Constituição
Acentuou: “Entramos aqui querendo quarenta horas semanais e ficamos com quarenta e quatro horas; entramos aqui querendo férias em dobro e ficamos apenas com 1/3 a mais nas férias; entramos aqui querendo o fim da hora extra ou, depois, a hora extra em dobro, e ficamos apenas com 50%, recebendo menos do que aquilo que o Tribunal já dava”.
Relacionou “conquistas consideradas importantes que não passaram, relativas à reforma agrária, aos militares que continuam intocáveis”, e deplorou a necessidade de regulamentação de “mais ou menos 200 artigos” do texto constitucional. Regozijou-se com uma conquista, “a questão do direito de greve, possivelmente, a maior conquista obtida nesta Constituinte”. Finalmente anunciou: “É por isto que o Partido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte.”.
O PT foi o único partido que votou contra a redação final do texto constitucional que ajudou a elaborar. Somente um deputado discordou dessa orientação e votou a favor, o deputado João Paulo (MG). Contudo, ao contrário da versão que se divulga, às vezes para depreciar o PT, todos seus parlamentares assinaram a Constituição.
*Haroldo Lima foi Constituinte de 1987/1988 e é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil