Diante do festival de atrocidades e ridículos em que se converteu o suposto combate à pandemia, o debate público patina entre a denúncia da incompetência logística e do oportunismo político dos governos, a reafirmação negacionista dos “cloroquiners” e o expressivo silêncio dos muito-muito ricos.
Esse espetáculo, de mau gosto atroz, atingiu limites insuspeitos até para quem está acostumado a acompanhar com atenção este país, outrora alegre e falsamente cordial.
O general da ativa encarregado de desmantelar o SUS, tinha conhecimento prévio de que a população de Manaus seria asfixiada pela falta de oxigênio e nada fez. A ajuda emergencial do governo venezuelano teria sido uma vergonha, se esse sentimento ainda existisse.
A pergunta sobre os limites da incompetência dos generais e dos 4.000 oficiais do exército em cargos federais recebe como resposta a imposição de censura à imprensa, a perseguição judicial constante aos jornalistas independentes e a ameaça de estado de sítio por parte do Procurador Geral da União.
Mas agora pesquisa realizada por equipe da Faculdade de Saúde Pública da USP e pela ONG Conectas oferece uma resposta alternativa. Ao analisar mais de 3.000 normas federais de 2020, os pesquisadores concluem que “há uma estratégia deliberada para apressar a contaminação da população brasileira“.
Márcio James/Amazônia Real
Esse espetáculo atingiu limites insuspeitos até para quem está acostumado a acompanhar com atenção este país
O extenso relatório deixa de lado adjetivações como crueldade ou ignorância para verificar a coerência interna das ações, planejadas e executadas, para acelerar o contágio com o objetivo de atingir o estágio que os técnicos chamam de “imunização populacional” e a sabedoria popular de “imunização de rebanho”.
A ideia básica do governo é que o número de mortos seria um preço razoável a pagar pela antecipação da recuperação econômica. E para nós, simples mortais, a morte de um pai ou mãe, esposa ou marido, sobrinha ou filho, é um “preço razoável”?
Mas a pergunta fundamental é: além do genocida mor e de seus (in)competentes militares, quem mais endossa essa estratégia? Se o silêncio for índice de conivência, a lista é extensa. Entidades empresariais, conselhos de medicina, a grande mídia tão atenta aos detalhes que não enxerga o todo e, sobretudo, os donos de tudo.
Ou o leitor já viu alguma manifestação dos brasileiros muito-muito ricos, aqueles da lista Forbes, que moram em Zurique e financiam universidades norte-americanas?
Um deles, recentemente, entregou o jogo ao declarar que, na crise, “quase todo mundo se deu bem”. Quase todo mundo, na linguagem da grana, significa a maioria dos 0,01% da população que concentram cada vez mais a riqueza do país.
Você e eu, nossas famílias, não importa se defendemos o impeachment ou ainda louvamos o mito, simplesmente não contamos. Em termos militares somos danos colaterais ou bucha de canhão.
(*) Carlos Ferreira Martins é professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.