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Análise

A direita, a internet e os livros

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O mercado editorial vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não

Haroldo Ceravolo Sereza

Revista Socialismo e Liberdade Revista Socialismo e Liberdade

São Paulo (Brasil)
2021-02-11T15:27:00.000Z

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No início de janeiro de 2021, o grupo Record, do Rio de Janeiro, anunciou a saída de Carlos Andreazza da direção-executiva, com a substituição por Rodrigo Lacerda. Aparentemente, uma pequena e quase discreta movimentação nos cargos de uma das grandes empresas do setor, que, além da própria editora Record, conta também com os selos Difel, Bertrand Brasil, José Olympio, Civilização Brasileira, Paz e Terra, Verus, BestSeller (e o selo Best Business), as Edições BestBolso, Rosa dos Tempos, Nova Era e Viva Livros.

Andreazza é hoje mais conhecido pelos comentários que fazia diariamente na rádio negacionista Jovem Pan. Recentemente, foi contratado pela CBN e será um dos âncoras a partir de fevereiro. Também tem uma coluna no jornal O Globo. É neto do coronel Mario Andreazza (1918-88), o candidato preferido dos militares à Presidência. Foi derrotado na convenção do partido da ditadura, o PDS (atual Progressistas), por Paulo Maluf, que perderia a disputa indireta de 1985 para Tancredo Neves (PMDB). Estava na Record havia oito anos.

Propaganda lacerdista

O grupo Record, inicialmente uma distribuidora de serviços para a imprensa, como tiras de quadrinhos e artigos, passou a publicar livros nos anos 1960 para divulgar as ideias de Carlos Lacerda (1914-77) e fazer muita propaganda anticomunista. Foi uma das editoras que, obviamente, mais apoiaram o golpe de 1964. Carlos Lacerda, aliás, criou uma editora muito importante também, a Nova Fronteira, da qual o novo diretor do grupo Record, neto do governador do Rio em 1964, já foi gerente editorial.

Essas genealogias sugerem a relevância que a tradição cultural da direita dá aos projetos ideológicos de fundo e para o papel fundamental que o mercado editorial teve no golpe de 2016 e na trajetória política do país que levou Jair Bolsonaro ao poder. Longe de ser um campo neutro, algumas das principais editoras e livrarias – e entidades que representam as grandes casas publicadoras – foram atores diretos da disputa ideológica em que estamos metidos.

A construção de um ambiente hostil à esquerda recorreu a diferentes métodos de intervenção no debate político cultural. A edição e a superexposição de autores medíocres, embalados pela publicidade e pela compra de espaço nas livrarias, sugerem que, mais do que “ganhar dinheiro” diretamente com a venda de livros, algumas editoras se engajaram de modo explícito e empolgado na vida política. O resultado econômico imediato cedeu às pressões da luta ideológica. Não há estudos suficientes que indiquem claramente o financiamento político dessas empresas por institutos e think tanks que estiveram à frente desse combate. Mas, como o mercado editorial é, economicamente falando, bastante pequeno, é muito difícil detectar essas movimentações a quente. Normalmente, o entendimento desse mecanismo leva anos para ser desvendado, como foi o caso do apoio norte-americano à editora GRD, na década de 1960, comandada pelo escritor Rubem Fonseca. Essa casa, também especializada na difusão de ideologia reacionária, foi responsável pela publicação dos primeiros livros do hoje consagrado autor, um notório articulador do complexo ideológico Ipes-Ibad, institutos que organizaram o discurso e o dinheiro internacional que sustentou o golpe de 1964. 

Guinada à extrema direita

Evidentemente ninguém é responsável pelos atos de tios e avós, mas Andreazza é responsável, sim, por uma radical guinada à extrema direita do grupo Record. Ele é o editor de Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino e tantos outros. Também foi o editor que tirou de catálogo incontáveis autores progressistas e socialistas. Lacerda tem um perfil mais discreto e menos radical que o de Andreazza, e creio que ainda é cedo para avaliarmos o impacto da mudança. De todo modo, a saída de Andreazza da Record, em tese, coloca a editora numa posição menos engajada com a ultradireita que liderou o golpe.

Durante os anos 2010, essa ultradireita levou muito a sério a criação e a difusão, com práticas de marketing agressivas, de livros. O Grupo Record, ainda antes de Andreazza assumir um posto de direção, já responsável pela publicação do jornalista Reinaldo Azevedo, fez uma agressiva campanha, fundada em desinformação, contra o prêmio Jabuti de Livro do Ano de Chico Buarque em 2010, autor de Leite Derramado, publicado pela Companhia das Letras.

Num modelo de financiamento que dependia das editoras para bancar o crescimento, livrarias em dificuldades econômicas trocaram a ideia de gerirem espaços plurais política e culturalmente pela venda descarada de melhores lugares nas gôndolas de livros (não mais estantes) para as editoras capitalizadas. Direitistas envergonhados que dirigiam essas livrarias viram-se também representados por essa onda, e passaram a ser defensores ardorosos do Estado mínimo enquanto se afundavam em empréstimos obtidos no BNDES, num dos maiores erros setoriais do banco durante os anos Lula e Dilma. 

Cesar Cardoso/FlickrCC
Loja da Livraria Cultura, no RJ: rede fechou unidades e enfrenta crise

Falência das grandes livrarias

Como sabemos, o projeto político vingou, mas as livrarias faliram. 2020 foi o ano em que as redes Saraiva e Cultura, as duas maiores do país, minguaram, numa crise que seria pouco diferente se não fosse a pandemia. Esses negócios vinham enfrentando dificuldades de longa data, dificuldades que derivam de erros de planejamento econômico, de administração cotidiana infeliz e, também, das derivas políticas desastrosas, que espantaram parte do público fiel. Essas lojas, que deixaram de pagar centenas de milhões de reais a fornecedores e trabalhadores, sofrem também com uma crise estrutural do setor, que, pressionado pela publicação legal ou ilegal de livros e textos digitais, viu o faturamento cair, em termos reais, 20% nos últimos 14 anos.

Segundo o IBGE, de janeiro a novembro de 2020, as livrarias sofreram uma dura contração: o portal PublishNews, especialista no acompanhamento do mercado editorial, noticiou que o setor varejista de livros, jornais, revistas e papelaria apresentou perda acumulada de 29,7%. A Veja São Paulo também registrou uma nova ronda de demissões na Livraria Cultura, com o corte de dezenas de funcionários em 8 de janeiro de 2021. Dirigindo-se aos trabalhadores da rede, Sérgio Herz, CEO da Cultura, afirmou que a empresa “não está fazendo nada demais” em atrasar os pagamentos e, em nota, a rede justificou as demissões como consequência de uma adequação “devido à nova realidade”: “o mercado migrou para o online e as vendas pela internet representam hoje, em média, 80% do total das vendas no Brasil”.

Vendas físicas e online

De acordo com o site da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios, em 2019, segundo pesquisa divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), “as livrarias físicas e as vendas online representaram, respectivamente, 50,5% e 17,9% do faturamento do setor editorial. A expectativa é que, este ano, a internet tenha sido responsável, sozinha, por mais da metade”.

Como mostra o gráfico acima, essa queda não foi tão sentida pelas editoras em geral, especialmente as que dependiam menos das duas redes, por conta da venda online de livros – seja em sites próprios, de cada empresa, seja pela Amazon. Quando os dados incluem a venda online, os resultados são outros.

Segundo o Painel do Varejo de Livros no Brasil, acompanhamento em tempo real do mercado editorial brasileiro, feito pela Nielsen Media Research por encomenda do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, até o fim de novembro de 2020 foram vendidos tantos exemplares e alcançou-se quase o mesmo faturamento que nos doze meses de 2019. De acordo com o PublishNews, “por questões contratuais da Nielsen com as varejistas, o documento não esmiúça o que foi realizado em lojas de argamassa e tijolo e aquilo que foi vendido em lojas exclusivamente virtuais, mas livreiros e editores ouvidos pelo PublishNews apontam que grande parte dessas vendas foi realizada em e-commerces, mostrando que esse segmento é o que tem sustentado essa recuperação apontada pelo Painel”.

Assim, o mercado editorial brasileiro vive uma profunda mudança: as vendas em livrarias físicas caíram, mas a circulação de livros, não. Os números detalhados ainda não temos, mas tudo sugere que o principal espaço de difusão de livros deixou de ser a livraria física e passou a ser a Amazon. Trocamos o controle das redes de livrarias reacionárias pelo controle pela empresa do homem mais rico do mundo hoje, Jeff Bezzos.

Redes alternativas

Nesse cenário, parece fundamental que a esquerda leve a sério o acompanhamento e a atuação do mercado editorial, por meio de editoras ligadas diretamente ou historicamente aos movimentos populares e progressistas, e favoreça a construção de redes alternativas de distribuição, compreendendo definitivamente a importância política estratégica e tática do setor, incorporando a suas lutas projetos e reivindicações que revertam a hiperconcentração do setor e a falta de pluralismo que sufoca as propostas populares.

(*) Texto publicado originalmente na Revista Socialismo e Liberdade. Você pode fazer aqui o download da publicação.

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Sociedade

Número de vítimas de pedofilia dentro da Igreja pode chegar a 10 mil na França

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Em parceria com o Ministério da Justiça, uma linha telefônica foi colocada à disposição em 2019 para receber testemunhos de vítimas de todo o país

Redação

RFI RFI

Paris (França)
2021-03-02T22:41:00.000Z

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Desde 1950, 10.000 crianças e adolescentes podem ter sido vítimas de violências sexuais cometidas por membros da Igreja Católica na França. Essa é a estimativa do presidente da comissão independente que investiga a pedofilia dentro da maior instituição religiosa no país. 

A comissão foi criada em 2018 pelo episcopado francês e institutos religiosos após diversos escândalos no país. Em parceria com o Ministério da Justiça, uma linha telefônica foi colocada à disposição em 2019 para receber testemunhos de vítimas de todo o país. A estimativa foi feita a partir dos relatos recolhidos.

O número de crianças e adolescentes sexualmente abusados, no entanto, ainda pode mudar. “Nossa campanha está pedindo testemunhos, certamente não reuniu a totalidade [de vítimas]”, afirmou o presidente da comissão Jean-Marc Sauvé nesta terça-feira (02/03). “A grande pergunta neste momento é qual o percentual de vítimas que atingimos. 25%? 10%? 5%?”, completou.

O presidente da comissão não informou quantos são os possíveis agressores envolvidos. Segundo ele, no entanto, "em várias instituições católicas ou comunidades religiosas, tem havido um verdadeiro sistema de abuso, mas esta situação representa uma minoria muito pequena dos casos de que ouvimos falar".

Pxhere
Cerca de 10.000 possíveis vítimas de pedofilia cometida por membros da Igreja Católica na França foram identificadas desde 1950

O relatório final com recomendações de práticas de combate à pedofilia na Igreja deve ser divulgado em setembro. 

Responsabilidade pelo passado

Em fevereiro, a Conferência de Bispos da França reuniu 120 representantes ao longo de três dias para discutir a responsabilidade nos casos de pedofilia do passado. A discussão terminou sem nenhuma decisão prática.

"Nós concordamos todos que, no passado, houve falhas na gestão das coisas, sem falar dos crimes cometidos", afirmou o Monsenhor Luc Ravel. "Mas ainda estamos divididos sobre a noção de responsabilidade coletiva em relação ao passado. Alguns acreditam que é preciso solidariedade em relação às gerações precedentes", disse na ocasião da conferência.

Os 120 bispos devem se encontrar novamente no final deste mês para votar um dispositivo de reconhecimento do sofrimento vivido pelas vítimas que, se aprovado, pode prever medidas financeiras, criação de monumentos e políticas de prevenção à pedofilia.

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