O impacto da qualificação de genocida, atribuída por Felipe Neto ao elemento que nos desgoverna, merece alguma reflexão.
Para começo de conversa, 40 milhões de seguidores no YouTube e outro tanto em Twitter e Instagram constituem um plataforma para lá de ponderável.
Mas a decisão de enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional agregou impacto político para além dos seguidores habituais do youtuber, agora convertido em referência de oposição e, consequentemente, em alvo de ataques e ameaças da máquina bolsonarista.
Se a decisão de processar o influenciador foi um erro de avaliação ou um cálculo político é algo a verificar. Por um lado, ampliou de maneira óbvia a solidariedade e a própria difusão do qualificativo. Por outro, desviou, ao menos momentaneamente, a enorme repercussão da inconteste liderança oposicionista que Lula assumiu logo após a – provisória – recuperação de seus direitos políticos.
Na esfera judicial os efeitos também são diversos. Estimulados pelo próprio Felipe Neto, importantes escritórios de advocacia criaram o “Cala a boca já morreu”, oferecendo apoio jurídico gratuito a todos os que vierem a ser ameaçados de enquadramento semelhante.
Em paralelo, atualiza-se o debate sobre a tipificação penal de genocídio e a consequente eficácia de denúncia a órgãos internacionais, com as inevitáveis divergências e nuances de interpretação, sobretudo entre as definições de genocídio e de crime contra a humanidade.
Marcelo Seabra/Ag.Pará
Vitais, agora, são três coisas: vacinas, vacinas e vacinas
Enquanto isso, o novo ministro encarregado de levar adiante a mortandade sanitária cumpre a ordem de visitar os hospitais do país. Não para verificar se há oxigênio, anestésicos ou leitos suficientes, mas para conferir a contabilidade dos óbitos.
Não sou jurista, mas o senso comum diria que a política do governo para com as comunidades indígenas ou quilombolas atende, sim, à caracterização de genocídio das convenções internacionais.
Por outro lado, está evidente que a compulsão destrutiva vai além do recorte étnico. Pobres, velhos, maricas e resultados de fraquejadas em geral, também somos avisados de que temos que morrer um dia, porra. Por que não agora, então? Assim não parece menos pertinente a acusação de crime contra a humanidade.
Mas talvez estejamos centrados demais na figura do carrasco e deixando em confortável obscuridade quem o colocou e o mantém com o machado na mão.
Enquanto discutimos se o celerado é um psicopata, é incapaz de empatia ou simplesmente um chefão protegendo sua “familícia”, os limpinhos continuam ganhando montanhas de dinheiro com a necropolítica e a necroeconomia.
Desconfio que Lula tenha razão em sua mensagem para Biden. Vitais, agora, são três coisas: vacinas, vacinas e vacinas. Inclusive para poder aglomerar e gritar Fora Genocida!
(*) Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.