Talvez a única novidade do último vazamento de informações sobre contas secretas nas chamadas offshores, mesmo quando estão em terra firme, seja o nome.
Pandora é o personagem mitológico que recebe a tarefa de guardar um pote onde estão todos os horrores do mundo e é alertada de que não deve sucumbir à curiosidade porque, uma vez aberto o pote, os monstros não voltarão a ser aprisionados.
Na nossa triste vida real, Pandora tem vários antecedentes. O escândalo do Banestado, na longínqua década de 90, mostrava que muitos empresários e políticos ligados aos governos tucanos expatriavam centenas de milhões de dólares, por intermédio de um doleiro que voltaria à ribalta duas décadas depois, devidamente utilizado, para fins que hoje se sabe bem quais foram, pelo mesmo juiz que então o absolveu. Para quem viveu em Marte nos últimos anos, o doleiro se chamava Youssef e o juiz depois virou ministro “da Justiça”, vá lá a ironia.
Depois disso tivemos os famosos Panamá Papers, sem nenhuma grande novidade a não ser o fato de que, de tempos em tempos, somos tomados por um rápido surto de indignação coletiva ante o fato de os limpinhos e os nem tanto mas todos cheirosos, acham melhor guardar seu rico dinheirinho, obtido certamente à custa de muito mérito, nenhuma herança e muito menos falcatruas, em lugares convenientemente chamados de paraísos fiscais.
O paradisíaco, neste caso, é duplo: eles conseguem assim não pagar impostos e ao mesmo tempo reverberar que a carga fiscal, convenientemente jogada no lombo dos mais pobres, é muito alta. Isso é uma ação preventiva ante a possibilidade de algum maldito comunista como Warren Buffet ou Bill Gates venha com a ideia de transformar o planeta num inferno onde os ricos tivessem que pagar impostos.
Marcos Corrêa/PR
Ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, está entre as pessoas que mantêm empresas em paraísos fiscais
O moralismo classe média fica indignado com o fato do ministro da destruição da economia e o presidente do Banco Central “autônomo” guardarem suas pequenas economias em paraísos fiscais e repete a ladainha de que em “um país sério” isso não ficaria assim e eles seriam obrigados a demitir-se. Curioso e reincidente raciocínio (sic) em que é a culpa não é dos limpinhos que estão se lixando para o Brasil, mas do Brasil, que “não é sério”.
Mais engraçado ainda porque os poderosos escritórios de advocacia que criam as empresas quase irrastreáveis e os bancos que ganham suas porcentagens guardando os milhões de dólares sem perguntar a origem e oferecendo a segurança de que o pouco que sabem não contarão a ninguém, são todos de países “sérios”.
E a mesma classe média não se pergunta se a revelação pandoriana obteve manchetes nos principais jornais do planeta e míseras notinhas no Brasil porque, talvez, quem sabe, os proprietários do oligopólio da comunicação também protegem seu rico dinheirinho nos mesmo paraísos, enquanto nós pagamos impostos no país que “não é serio”.
Mas estará pronta a encontrar mais um argumento para o antipetismo no fato de que Lula ameaçou implantar no Brasil a mesma legislação de comunicação social em vigor naquele antro comunista chamado Inglaterra.
E como, em geral, não é boa em aritmética, continuará acreditando que a culpa pelo “desequilíbrio fiscal” do país é do funcionário público que ganha 2,500 reais e que, portanto, teria que trabalhar 3.300 anos ( por favor, leitor, cheque os números) para juntar o mesmo capital que o senhor Guedes amealhou, “sem movimentar a sua conta”, garantindo, de quebra, o fim daquele país absurdo em que até empregada doméstica ia à Disney e em que osso era grátis e não vendido a 4,80 reais.
(*) Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.