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Análise

Os Impérios e os patos mancos (Parte 2)

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De um lado do tabuleiro, Putin e Xi Jinping, com visão de longo prazo e uma boa dose de sangue frio; do outro, declinante e acuado, Biden, que insiste em proclamar uma 'iminente invasão' russa à Ucrânia

Carlos Ferreira Martins

São Carlos (Brasil)
2022-02-15T14:05:00.000Z

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A “crise dos mísseis de Cuba” pôs frente a frente, em 1962, Krushev, o líder soviético do chamado período de desestalinização, e o jovem e midiático John F. Kenedy, protagonista do que a máquina estadunidense de construir representações chamou de Camelot americana, em referência ao encanto do lenda do Rei Arthur, massificada pela Disney na animação longa-metragem de 1963.

Raros historiadores discordam de que foi “momento mais quente da Guerra Fria”, quando o planeta esteve perto de uma guerra nuclear com capacidade de fazê-lo em pedaços.

Para quem não se lembra, Cuba havia passado, em 1959, por uma revolução democrática não reconhecida pelo governo dos EUA. E, antes que alguém pense que estou passando pano para o que a mídia nacional trata como a “ditadura cubana”, resgato que no momento da derrubada do general Batista, Fidel Castro não era membro do Partido Comunista Cubano, que aliás, só apoiou os guerrilheiros de Sierra Maestra quando esta já estava a caminho de Havana. 

Leia mais: Os Impérios e os patos mancos (Parte 1)

Quem quiser saber o que era Cuba nesse momento pode assistir O Poderoso Chefão 2, de Copolla, que traça um excelente panorama da ilha que as máfias norte-americanas consideravam seu cassino e prostíbulo privativos.

A política de asfixia econômica via embargo (que está aí até hoje), a frustrada invasão da Baía dos Porcos em 1961 e as várias tentativas de assassinato de Fidel, hoje conhecidas pela abertura de documentos militares norte-americanos, acabaram por jogar Cuba nos braços da única potência que poderia se opor aos EUA.

Krushev precisava se afirmar como liderança soviética inconteste, em função das dificuldades da política econômica, assim como responder à instalação, secreta e só depois reconhecida, de misseis balísticos estadunidenses na Itália e na Turquia. Isso o levou a aceitar a solicitação cubana de instalação de mísseis para dissuadir a potência do norte de novas tentativas de invasão. 

Reprodução
Presidente da China, Xi Jinping, à esquerda, e Joe Biden, presidente dos EUA, à direita

Kennedy, por sua vez, havia derrotado por pequena margem a Richard Nixon no final de 1960 e enfrentaria as eleições chamadas middle term (eleições legislativas e para governos estaduais na metade do mandato presidencial) pressionado pelas acusações de nada fazer diante da instalação de armas atômicas a 180 quilômetros da Flórida.

Essa volta ao passado serve para lembrar que, para além dos poderosos interesses das grandes corporações e do complexo industrial militar, há as pressões políticas que atuam sobre os dirigentes em função de suas situações internas. Desde então o mundo mudou muito, mas essa dinâmica da relação entre política interna e guerra continua operante.

Talvez possamos dizer que temos dois impérios de primeira linha, um ascendente (China), outro declinante (EUA) e um terceiro (Rússia) humilhado e ressentido. Cada um deles com líderes em diferentes situações.

Biden, mesmo sem razões pessoais para ser um falcão, está acuado politicamente. A insistência na denúncia de uma “iminente invasão” da Ucrânia, desmentida até mesmo pelo pró-ocidental presidente ucraniano Zelensky lembra inevitavelmente a ficção das “armas de destruição em massa” de Sadam Hussein, nunca encontradas. 

Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, pegou carona para tentar distrair seus compatriotas do escândalo das festas na sede do governo enquanto os britânicos eram submetidos aos rigores do afastamento social.

Macron, presidente francês que enfrentará em abril uma campanha à reeleição ameaçada pelo crescimento da ultradireita, quer apresentar-se como estadista mediador da paz aos saudosistas da grandeza da França. 

Do outro lado do tabuleiro, estão dois autocratas, Putin e Xi Jinping, pelos quais ninguém está obrigado a ter simpatia. Mas seria um erro grave deixar de reconhecer em ambos, além de poderio militar no primeiro e econômico no segundo, uma boa dose de sangue frio e visão de longo prazo. 

No meio, outra vez, a humanidade. 

(*) Carlos Ferreira Martins ´é professor titular do IAU USP São Carlos.

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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