'Governo brasileiro deve abordar Amazônia como questão de segurança internacional', diz cientista político
Países da Amazônia estarão reunidos em Belém, no norte do Brasil, para uma cúpula regional de interesse global nesta terça-feira (08/08)
A partir de terça-feira (08/08), os países da Amazônia estarão reunidos em Belém, no norte do Brasil, para uma cúpula regional de interesse global: adotar objetivos comuns para salvar a maior floresta tropical do mundo. A cúpula, que vai até quarta-feira (09/08), também servirá como um ensaio geral para a conferência climática COP30 da ONU, que receberá a comunidade internacional em 2025 nessa cidade do estado amazônico do Pará.
A ideia da realização da cúpula foi apresentada pelo então presidente eleito Lula (PT) em discurso feito no ano passado durante a COP27, em Sharm El-Sheikh, no Egito. A cúpula regional da próxima semana reunirá, pela primeira vez desde 2009, os oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), criada em 1995 para preservar a floresta tropical: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Com exceção do Equador e do Suriname, que são representados por ministros, os chefes de Estado dos outros países confirmaram presença, de acordo com o governo anfitrião.
A França também foi convidada, assim como os dois estados do Congo e a Indonésia, que também abrigam grandes florestas tropicais. O objetivo é revitalizar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), cujas origens remontam a 1979, e apresentar uma visão comum para os países da região, especialmente na luta contra o aquecimento global.
Considerada há anos uma das principais reservas de carbono do planeta, os cientistas acreditam que a Amazônia está caminhando para um ponto sem volta: ela emitirá mais carbono do que absorverá, agravando o aquecimento global. Principalmente devido ao desmatamento, as emissões de dióxido de carbono desse vasto território aumentaram 117% em 2020 em comparação com a média de 2010-2018, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil.
Genocídio Yanomâmi
"Se pegarmos como exemplo a questão do desmatamento e o desrespeito aos povos originários, os Yanomâmis enfrentam uma crise humanitária aguda", diz Roberto Goulart Menezes, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB). "Alguns falam até em genocídio. Este povo vive nos territórios brasileiro e venezuelano, e deve, portanto, ser protegido dos dois lados", lembra. "Outra questão que será levantada será a de trabalhar juntos para lutar contra as atividades ilegais, seja a pesca, a exploração madeireira ou a extração ilegal de ouro em territórios indígenas. Basta lembrar do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Tom Phillips, na fronteira peruana. O governo brasileiro deve abordar a Amazônia como questão de segurança internacional", diz o especialista.
Além do aspecto securitário, é importante não negligenciar o lado social e humano do vasto espaço amazônico. "São mais de 30 milhões de brasileiros vivendo naquele espaço, ou seja, 15% da população que vive na Amazônia. É uma região onde existem problemas de violência sexual contra crianças, de prostituição infantil. Existe uma grande pobreza, mesmo sendo uma região muito rica, sem falar dos conflitos envolvendo a questão da terra e assassinatos de ativistas do meio ambiente", destaca. "Nos estados como Pará ou Mato Grosso, a violência contra os trabalhadores rurais e militantes de Direitos Humanos é muito grande. Esta cúpula é um momento importante para que os países amazônicos retomem o diálogo para elaborar uma posição internacional comum. Isso seria uma novidade", diz Menezes.
Fundo Amazônia
"O Brasil se beneficia do Fundo Amazônia, criado pela Noruega e pela Alemanha, ao qual contribuem também o Reino Unido e os Estados Unidos. Trata-se de uma iniciativa muito importante. Esta cúpula poderia se encerrar com a criação de um fundo comum para todos os países amazônicos, é fundamental estender este fundo a outros países, para que eles possam enfrentar os problemas no que diz respeito a defender a Amazônia", acredita o especialista.
O cientista político acredita que Lula deverá lutar em duas frentes diferentes nesta Cúpula da Amazônia: "de um lado, ele quer convencer os outros Estados amazônicos de parar com o desmatamento daqui até 2030, como ele deseja fazer com o Brasil até 2030, mas o presidente enfrenta uma resistência implacável do Congresso brasileiro, controlado pela direita".

Wikicommons
Cientistas acreditam que Amazônia está caminhando para ponto sem volta no quesito desmatamento e aquecimento global
"Visão arcaica e predatória"
"É uma força política ligada ao agronegócio, que acha que é necessário explorar todas as riquezas da Amazônia, custe o que custar. Extrair ouro ou petróleo em nome do desenvolvimento do país. É uma visão arcaica e predatória do desenvolvimento. Lula deverá lutar nestas duas frentes. Nesse momento, ele obtém melhores resultados na cena internacional. Em casa, ele é confrontado a uma forte resistência dos deputados e de uma parte dos senadores. Lula é obrigado a se envolver pessoalmente nas negociações com os parlamentares, para que o Brasil possa manter seu compromisso de acabar com o desmatamento até 2030. Lula vai defender esse compromisso na Cúpula da Amazônia e será importante estabelecer uma data e conversar com os outros países para saber quais os recursos financeiros necessários para alcançar este objetivo, afirma Menezes.
"Declaração de Belém"
Lula, que voltou ao poder em janeiro prometendo erradicar o desmatamento ilegal até 2030, disse que ele e seus colegas amazônicos procurariam maneiras de se desenvolver "sem destruir" o bioma, 60% do qual estão em território brasileiro.
Os líderes discutirão estratégias para combater o desmatamento e o crime organizado, bem como o desenvolvimento sustentável dessa região habitada por 50 milhões de pessoas, incluindo centenas de povos indígenas, cujo papel é considerado essencial para salvar a floresta. Uma declaração conjunta deverá selar seus compromissos.
A "Declaração de Belém" será "ambiciosa" e estabelecerá "uma agenda que guiará os países nos próximos anos", disse Gisela Padovan, secretária do Ministério das Relações Exteriores do Brasil para a América Latina e o Caribe. Um dos principais desafios será chegar a um compromisso comum para erradicar o desmatamento.
As terras desmatadas são, na maioria das vezes, transformadas em pasto para o gado. Esse flagelo já consumiu 20% da Amazônia brasileira, o coração do setor pecuário do gigante sul-americano, o maior produtor e exportador mundial de carne e soja.
Mas depois que o desmatamento foi 75% maior do que a média da década anterior durante o governo do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (2019-2022), o corte de árvores está mostrando sinais de desaceleração. Entre janeiro e julho, o desmatamento caiu 42,5% em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com os últimos dados oficiais.
Ajuda internacional
Na véspera da reunião de cúpula, mais de 50 ONGs pediram aos governos da OTCA que adotassem, dentro de dois anos, um protocolo "para evitar que a Amazônia chegue ao ponto de não retorno".
Lula disse na quinta-feira que esperava que "pela primeira vez, de forma conjunta e coerente", os países amazônicos "assumissem a responsabilidade de combater" o crime na região, especialmente o desmatamento e a mineração ilegal.
O presidente brasileiro também pediu que o mundo ajudasse a "preservar e desenvolver a Amazônia", dizendo que precisava convencer a comunidade internacional "de que investir na floresta preservada é um investimento lucrativo".
A Noruega e a Alemanha, doadoras do Fundo Amazônia Brasileiro, que financia projetos ambientais, foram convidadas para a cúpula, assim como a França, que também possui território amazônico na Guiana Francesa e enviará sua embaixadora em Brasília, Brigitte Collet.
Até o momento, Macron não sinalizou se mandará algum representante em seu lugar. Há o receio no governo de que ele envie alguém de baixo escalão para o evento, que vem sendo considerado um dos mais importantes da agenda das relações exteriores do Brasil neste ano.
Diplomatas lembram ainda que Lula prestigiou uma cúpula sobre financiamento global organizada pelo francês em Paris, no mês de junho.
O desmatamento "não é responsabilidade apenas dos países amazônicos (...) Ele está enraizado em uma agroindústria global que gera lucros no Norte. Essas conexões mais distantes, com a Europa, Austrália e América do Norte, devem fazer parte do debate", disse Paola Arias, professora da Universidade de Antioquia, na Colômbia.
O Brasil também convidou representantes da República Democrática do Congo e da Indonésia, cujos territórios abrigam florestas tropicais. Povos indígenas da Amazônia, representantes da sociedade civil, cientistas e organizações internacionais também participarão da cúpula.