Crise, violência e eleição: o Equador após onda de assassinatos
Desde a saída de Rafael Correa da Presidência equatoriana, país sofre uma crescente onda de criminalidade; primeiro turno acontece neste domingo (20/08)
Como disse o presidente equatoriano Guillermo Lasso: "não há dúvidas de que esse assassinato [de Fernando Villavicencio] foi uma tentativa de sabotar o processo eleitoral equatoriano". Mas as principais dúvidas que pairam sobre o país são: quem arquitetou e quem se beneficiou com esse atentado?
Desde a saída de Rafael Correa da Presidência do Equador, o país sofre uma crescente onda de criminalidade. A atuação cada vez maior de cartéis de drogas estrangeiros multiplicou a violência no país.
Antes do atentado contra Villavicencio, o Equador já se encontrava em choque devido a diversos assassinatos de políticos. Casos como o de Agustín Intriago, o popular prefeito da cidade portuária de Manta, morto a tiros no final de julho. Mas o episódio envolvendo o então candidato a presidente marcou uma escalada acelerada na violência política no país.
No dia seguinte à morte de Villavicencio, o clima de terror e instabilidade no país continuou crescendo, com um atentado a tiros contra Estefany Puente Castro, candidata ao Parlamento; em seguida, houve o sequestro da filha do ex-prefeito de Quito, Jorge Yunda; e, nesta segunda-feira (14/08), o assassinato de Pedro Briones, dirigente do partido Revolução Cidadã, o mesmo de Correa e da candidata que liderava as últimas pesquisas, Luisa González – este último, visivelmente tratado como de menor importância pela mídia equatoriana.
Pesquisas eleitorais e restrição das campanhas
A onda de violência política desatada com o assassinato de Villavicencio tomou novo impulso em um momento chave do primeiro turno das eleições. De acordo com a legislação, pesquisas eleitorais são proibidas de serem divulgadas a partir de 10 dias antes das eleições.
Os principais institutos tornaram públicas suas últimas pesquisas no mesmo dia da morte de Villavicencio, e mostraram diferentes candidatos em segundo, terceiro e até quarto lugar. O índice de indecisão nas pesquisas é superior a 50%, tendo como única certeza a liderança de González, a candidata do correísmo.
As campanhas também sofrem limitações nesse período, ficando restritas apenas a comícios em locais públicos. O assassinato de Villavicencio ocorreu um dia antes do início desse prazo, deixando o Equador no escuro sobre o impacto da violência política nas intenções de voto.
Imediatamente após o assassinato de Villavicencio, as redes sociais no Equador foram inundadas por publicações que seguiam duas linhas principais: pedindo a suspensão das eleições e acusações contra Correa e González como supostos beneficiários do atentado. A mesma narrativa incriminando a esquerda foi reproduzida por diversos grupos de extrema direita do continente, numa ação simultânea.
"Los Lobos", "Los Chonero" e cartéis de drogas mexicanos
Quase ao mesmo tempo em que Lasso emitia sua mensagem, começou a circular um vídeo onde supostos integrantes do grupo criminoso "Los Lobos", vinculado ao cartel mexicano "Jalisco Nova Geração", surgem mascarados assumindo a autoria do atentado.
Em seguida, os supostos membros dos "Los Lobos" ameaçam o candidato Jan Topic, empresário e ex-voluntário do exército ucraniano na guerra contra a Rússia, que aparece em quinto, quarto e até em segundo lugar nas pesquisas, a depender do instituto. Topic tem demonstrado crescimento constante nas pesquisas apostando em um discurso repressivo que emula o presidente de El Salvador, Nayib Bukele.

Divulgação/ campanha de Villavicencio
Fernando Villavicencio estava concorrendo à Presidência e foi morto com três tiros em Quito
Meios de diversos países divulgaram o vídeo, também aceito pela imprensa equatoriana como real. Porém, horas depois, outro vídeo com supostos membros afirmandopertencer à mesma facção negaram a autoria do assassinato. Nesse segundo vídeo, os declarantes estão com os rostos descobertos.
"Equador, não se engane, nós somos os verdadeiros 'Los Lobos', nós não tapamos a cara, ninguém fala por nós, e sim cumprimos com a paz. Esclarecemos e repudiamos assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio [...] e esclarecemos: o vídeo que circula pelas redes sociais onde aparecem um grupo de pessoas com as caras mascaradas fazendo-se passar por nós é totalmente falso", defende o grupo na filmagem.
As autoridades do país, no entanto, não garantiram a que a autoria do atentado seja de fato da facção, tampouco confirmam a veracidade de ambos os vídeos.
Poucos dias antes de ser assassinado, Villavicencio alegou estar sofrendo ameaças da máfia mexicana Cartel de Sinaloa, representada no Equador pela facção "Los Choneros", rival do Los Lobos.
Convite de Guillermo Lasso à agência federal dos EUA, o FBI
Após o assassinato de Villavicencio, o presidente Lasso solicitou ajuda do Birô Federal de Investigações dos Estados Unidos (FBI) para investigar o atentado. Segundo ele, a agência aceitou o convite e enviou uma equipe para ajudar no caso.
Esse pedido coincide com o projeto de lei bipartidária DAV 222083 do senador norte-americano Robert Menendez a respeito da Associação Estratégica entre Estados Unidos e Equador. Essa lei foi aprovada unilateralmente pelo Congresso norte-americano em dezembro de 2022, sem a sanção da Assembleia Nacional equatoriana.
Segundo seu texto, ela amplia a cooperação dos Estados Unidos com o Equador em questões como "fortalecimento das instituições democráticas, a promoção de um crescimento econômico inclusivo, o apoio a iniciativas de conservação do meio ambiente e o aumento das capacidades para enfrentar a corrupção, a delinquência e a influência maligna estrangeira".
Apesar de bem recebida por Lasso, a lei encontrou forte resistência na Assembleia Nacional, dissolvida pelo presidente em maio deste ano. Em junho de 2022, o parlamentar Ricardo Ulcuango, do mesmo partido de Correa, disse em seu discurso que "vemos apenas um interesse perverso por parte dos Estados Unidos em estabelecer uma relação com o Equador como neocolônia para a implementação de seus objetivos regionais, não podemos permitir isso".
Ulcuango conseguiu aprovar uma moção de repúdio da Assembleia à lei norte-americana.
Quem perde com o assassinato de Villavicencio?
Para agravar a situação do correísmo, na sexta-feira (11/08), Verónica Sarauz, esposa de Villavicencio, deu uma entrevista para a rádio colombiana BLU, na qual a principal pergunta foi: "de todos esses inimigos, quem você acha que está por trás?". A resposta: “vou falar bem claro: correísmo. O Correísmo tem ligações com grupos criminosos neste país. Gangues que tomaram conta de províncias inteiras, gangues de drogas”.
A viúva também mencionou a política colombiana Piedad Córdoba como possível cúmplice.
Analisando todos esses aspectos, quem mais perde politicamente com a intensificação da violência política é o correísmo e sua candidata, que até o atentado liderava as intenções de votos, faltando poucos pontos para vencer no primeiro turno. Apesar de ser evidente quem se prejudica politicamente com a recente onda de atendados, ainda paira no ar a dúvida: quem é o autor (ou autores) e quem se beneficia com esse cenário de instabilidade política?
(*) André Takahashi é sociólogo, jornalista e produtor da equipe da HispanTV que está cobrindo as eleições equatorianas