Pecado Capital – Paulinho da Viola
Em agosto de 2007 os países centrais enfrentaram uma
grave crise sistêmica que causou enormes perdas econômicas, principalmente em
termos de emprego e produção. O início do colapso ocorreu quando o banco BNP
Paribas congelou parte dos seus fundos por causa da dificuldade de avaliar
os valores das obrigações de dívidas garantidas (CDOs), mais conhecidas como
pacotes subprime.
Em
seguida assistimos a uma sucessão de inadimplementos, crises de liquidez,
socorro aos grandes bancos, corridas bancárias, e falências, que envolveram
principalmente grandes bancos em dificuldade na Inglaterra e EUA. Os bancos Northern
Rock, Bear Stearns, Lehmann Brothers, Mutual, Wachovia, entre outros, foram
tragados pelo tsunami.
Em
outubro de 2008, 244 mil trabalhadores norte-americanos haviam perdido seus
empregos.
Diante
da maior crise do capitalismo desde 1929, a rainha da Inglaterra, Elizabeth II,
fez a seguinte indagação: Por que ninguém antecipou a terrível crise
financeira?
A
corrente conservadora, predominante entre os economistas, está atada a modelos
de previsão baseados no alcance do equilíbrio na economia, e pressupõe que haja
a plena racionalidade dos agentes. Nada parecido com o que de fato ocorreu em
grande parte das economias centrais. Muitos economistas ainda creem que é
possível extrapolar qualquer situação de contextos microeconômicos para fazer
inferências sobre o comportamento da economia no agregado.
Eventos
dessa natureza são em geral precedidos por períodos de baixa volatilidade e
grande calmaria na economia, o que tende a agravar o problema porque as lentes
dos economistas detectaram a turbulência econômica com relativo atraso. O
projeto RiskLab compilou indicadores de mensuração de risco sistêmico no
VisRisk. O resultado é que a grande maioria deles foram falhos e não
foram capazes de antecipar a grande tormenta econômica de 2008. É certo também que
algumas agências de risco estavam envolvidas em fraudes e manipulação do grau
de risco de investimentos, os quais estavam lastreados por papéis subprime.
Recentemente a Standard & Poor´s foi obrigada a celebrar um acordo de 1,4
bilhões de dólares com o Departamento de Justiça dos EUA para ressarcir uma
parte dos prejuízos causados.
Os
governos responderam com políticas monetárias não-convencionais (Programa
Quantitative Easing 1, 2 e 3, ou Flexibilização Quantitativa), o programa de
recompra de ativos em larga escala, lastreados por hipotecas e recompra de
ativos dos bancos comerciais nos EUA. O balanço do Federal Reserve foi
ampliado e passou de 900 bilhões de dólares para 4,5 trilhões de dólares. O
Programa de extensão dos prazos de maturidade de ativos que fora anunciado em
setembro de 2011, é estimado em 1,67 trilhões de dólares.
Outros
programas semelhantes foram implementados pelo Banco Central da Inglaterra,
pelo Banco Central Europeu e pelo Banco Central do Japão.
Há
uma questão peculiar nesta história, o papel exercido pelos bancos. A
interpretação de que os bancos são meros intermediários que canalizam os
excedentes de poupanças entre emprestadores e tomadores de empréstimos, por
meio de fundos de empréstimos, é cada vez mais questionada. Os economistas
pós-keynesianos defendem que os bancos possuem capacidade de criação de moeda;
quando um banco concede um empréstimo e ao mesmo tempo abre uma conta corrente
em nome do tomador, o banco cria moeda. Uma vertente destes economistas defende
inclusive que esta capacidade não está limitada pelas exigências de reservas
bancárias.
O
economista Richard Werner realizou uma pesquisa em um pequeno banco alemão, o
Raiffeisenbank Wildenberg e.G, e publicou suas conclusões em 2014.
Vale lembrar que a Alemanha possui aproximadamente 1.700 bancos, metade dos
correntistas destes bancos são seus acionistas, perto de 18,1 milhões de
pessoas. A pesquisa confirmou a hipótese de criação de moeda mediante
empréstimos e criação de contas-correntes.
Trata-se
da retomada da tese da Teoria Quantitativa de Crédito do economista austríaco
Alois Schumpeter, em que se observa a capacidade de criação de poder de compra
pelos bancos comerciais.
Richard
Werner faz um exercício analítico em desdobrar o crédito criado pelos bancos em
duas partes, a primeira destinada a transações nominais do Produto Interno
Bruto, e a segunda destinada a transações que não compõem o PIB (ativos por
exemplo).
Esta
capacidade de criação de poder de compra pelos bancos é responsável por trazer
grande instabilidade ao sistema capitalista. Lembremos que o crédito é
componente essencial das economias porque financia a criação de um novo poder
de compra em crescimento econômico. Entretanto é a parte mais volátil da
economia, o crédito pode tornar-se eventualmente negativo e precipitar crises
econômicas.
O
economista Steve Keen propõe que na definição do PIB seja incluído o volume de
dívida nova. Keen pertence a um grupo restrito de economistas que previram a
crise de 2008.
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Peter-Ashley Jackson/FlickrCC
Já os analistas conservadores conferem peso demasiado ao endividamento público como critério para prever crises econômicas, muitos países que enfrentaram os efeitos da crise de 2008 estavam com as contas públicas em situação de solvência, e os que implementaram programas de austeridade, após a crise, foram os que tiveram quedas mais prolongadas do emprego e do PIB. O endividamento privado entrou na agenda de preocupação dos organismos multilaterais, que passaram a rever alguns de seus cânones. Diante da crise de 2008, o G-20 solicitou ao Fundo Monetário Internacional e ao Comitê de Estabilidade Financeira um levantamento sobre a lacuna de dados envolvendo endividamento privado. A OCDE e o BIS – Bank for International Settlements – intensificaram suas pesquisas sobre o tema.
Se por um lado, muitos países centrais possuem o nível de dívida privada acima do PIB, o que impressiona nos países da periferia é a velocidade do crescimento do endividamento das famílias e das empresas. No Quênia e em outros países da África alguns sistemas de empréstimos estão vinculados às empresas de telefonia móvel.
Em relação ao mercado de imóveis, o grande protagonista da bolha especulativa do pré-2008, o FMI publicou o Global Finance Instability Report em abril de 2018 e encontrou uma sincronização mundial dos preços dos imóveis dos grandes centros urbanos que abrigam centros financeiros, há também um espraiamento destes preços das cidades situadas em países centrais para os países da periferia. Um sintoma claro da influência da financeirização global.
Nos EUA, apesar da desalavancagem das empresas e famílias após a crise de 2008, o problema da vez é o sobre-endividamento dos estudantes do ensino superior.
Stephanie Kelton, coordenadora do programa econômico do candidato a presidente dos Estados Unidos Bernie Sanders, propôs em 2018 o cancelamento das dívidas dos estudantes norte-americanos. Algo que girava em torno de 1,35 trilhões de dólares em 2016, onde 92% de todas as dívidas estudantis estavam sob financiamento do governo federal dos Estados Unidos.
Joseph Stiglitz descreveu em “Um mundo em queda livre” a tentativa do governo de Barack Obama de aliviar o peso das hipotecas perante a ruína de 15,2 milhões de hipotecas norte-americanas, basicamente um terço em 2009. O sistema concedia abatimentos e transferências de valores para empresas hipotecárias e para os tomadores, com o compartilhamento dos custos entre bancos e governo. Seus impactos foram restritos e praticamente excluíram os desempregados.
A Islândia, que na crise de 2008 teve seus maiores bancos comerciais em situação de insolvência, obrigou o governo a renacionalizar os grandes bancos comerciais, concedeu perdão de dívidas para um quarto da população. O governo utilizou 80 bilhões de ISK (moeda local) para cancelar dívidas das famílias (foram 4 parcelas anuais) e permitiu que outros 70 bilhões de ISK das poupanças de fundos de aposentadoria fossem utilizados para quitação de dívidas. A Islândia é um caso exemplar de recuperação econômica.
O movimento Positive Money possui capilaridade de organização em diversos países da Europa. Eles passaram a questionar o fato de que os pacotes de recuperação econômica privilegiaram os principais responsáveis pela grande crise econômica, os grandes bancos. O Positive Money propõe uma discussão abrangente sobre o papel dos bancos na criação de moeda, sobre a democratização dos beneficiários dos pacotes de recuperação dos bancos, sobre o alto endividamento privado, sobre a possibilidade de implantação do helicopter money, sobre a possibilidade de adoção do Plano Chicago, entre outras propostas.
Fergus Cumming publicou em 2015 no blog Bank Underground, do Banco da Inglaterra, o detalhamento do que seria a implantação de um sistema de helicopter money.
O candidato a presidente do Brasil Ciro Gomes sugeriu genericamente no primeiro debate das eleições de 2018, a possibilidade de implantação de um programa de perdão de dívida das famílias. O debate é salutar, uma vez que o número de pessoas no SPC está em torno de 63 milhões de pessoas. A depender da opção tomada pelo próximo presidente do Brasil, esta proposta pode auxiliar na recuperação econômica, e pode favorecer a discussão sobre a necessidade de urgência de uma ampla reforma do sistema financeiro.
(*) Mauricio Barbara é economista formado pela USP-Ribeirão Preto. Atualmente, é estudante de pós-graduação do Programa de Mestrado da UFBA.