A Cúpula do G20 no Rio de Janeiro foi considerada um grande sucesso pelos atores estatais e não governamentais envolvidos. Igualmente relevante – ou, talvez, ainda mais – foi a reunião bilateral entre os presidentes Xi Jinping e Luiz Inácio Lula da Silva, que aconteceu no feriado do dia 20 de novembro. Nessa oportunidade, o Brasil e a China assinaram mais do que o dobro de acordos do que na visita de Estado do presidente Lula à China em 2023. A bela carta do presidente Xi Jinping, publicada na Folha de S. Paulo dias antes, já havia antecipado o encontro entre os presidentes dos grandes países do Sul Global, recheado de cultura brasileira, gestos de amizade e um jantar com culinária local: “As fofinhas capivaras, a bossa-nova, o samba e a capoeira são populares na China”, disse o presidente Xi Jinping.
Desta vez, foram assinados 37 acordos que incluem memorandos de entendimento, protocolos e cartas de intenção. Os dois primeiros têm um caráter simbólico crucial. Brasil foi o primeiro país do mundo a realizar uma parceria estratégica com a China em 1993, sob os governos de Jiang Zemin e Itamar Franco, e, nesta oportunidade, elevaram essa parceria à de Comunidade de Destino Compartilhado Brasil-China por um Mundo Mais Justo e um planeta mais sustentável.
O segundo memorando assinado prevê um plano de cooperação entre ambos os países, que vincula com “sinergias” o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-americana e a Iniciativa Cinturão e Rota. Outros acordos preveem o estímulo ao intercâmbio comercial nos setores de agronegócio, a Cooperação entre o BNDES e o Banco de Desenvolvimento da China. O plano terá duração de 10 anos, poderá ser renovado e estipula o fortalecimento Fundo de Cooperação Brasil-China para a Expansão da Capacidade Produtiva para o Desenvolvimento Sustentável, instrumento criado em junho de 2024 na VI Reunião da Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação).
O ponto crucial neste momento histórico será a forma que esses 37 acordos saiam do papel para se materializarem em projetos efetivos. Para isso duas forças-tarefas foram criadas, e deverão apresentar, daqui a dois meses, uma proposta inicial de projetos prioritários para os eixos de “cooperação financeira” e outra sobre “infraestrutura, desenvolvimento de cadeias produtivas, transformação ecológica e tecnologia”.
Outro ponto de atenção que estes acordos levantam diz respeito às dinâmicas das relações geopolíticas globais. Semanas prévias ao encontro entre os presidentes Xi e Lula, a grande questão era se o Brasil deveria assinar um memorando de entendimento da Iniciativa do Cinturão e a Rota (ICR) [Conhecido em inglês como Belt and Road Initiative], assunto que estimulou longos debates entre analistas, políticos e jornalistas. O governo, por via do assessor especial em política externa, Celso Amorim, disse que “o Brasil busca sinergias com a China” e que o país não precisa de um tratado de adesão à ICR. De fato, a não assinatura formal de um memorando da ICR seria uma sinalização para o governo estadunidense de que o maior país latino-americano não se comprometeria formalmente no grande projeto da China, o rival sistêmico dos Estados Unidos. Nesse sentido, o risco geopolítico da grande rivalidade entre Estados Unidos e China ajudou a fundamentar posturas diplomáticas mais conservadoras e cautelosas.
É verdade que Assinar um Memorando não implica necessariamente materializar os projetos em infraestrutura contemplados no papel, e o estreitamento de parcerias firmes não está condicionado à assinatura. Por exemplo, dificilmente a ICR poderia ter tido sucesso sem a Federação Russa, peça-chave em três dos quatro corredores terrestres da ICR, e a Rússia nunca assinou formalmente um memorando da ICR.
É verdade, também, que os importantes avanços bilaterais e as cautelas do Brasil não evitarão os naturais riscos geopolíticos num mundo turbulento e com a grande probabilidade de um acirramento da disputa global entre Estados Unidos, agora com a administração Donald Trump, e a República Popular da China. O Acordo número 18 atenta diretamente contra os interesses de Elon Musk, atual Chefe do Departamento de Eficiência Governamental de Trump e dono da Starlink. Trata-se do memorando de Entendimento entre a Telebras e a Shanghai Spacesail Tecnologies, empresa estatal chinesa cujo objetivo é o provimento de Serviço de telecomunicações via satélite. Concretar e efetivar esse acordo abre ao mesmo tempo amplas possibilidades de cooperação mútua na área de telecomunicações entre ambos os países e, ao mesmo tempo, um novo capítulo da disputa entre a ultradireita estadunidense e o governo Lula.
Não obstante, não muitos conseguem explicar e avaliar quais desdobramentos políticos e econômicos implicaria a assinatura de um Memorando de Entendimento da ICR. Quiçá, uma maior compreensão das formas da institucionalização propostas pelo multilateralismo com características chinesas deveria ser mais bem interpretada. Existe uma grande vantagem para os parceiros estratégicos da China – acesso a mercados, possibilidade de investimentos conjuntos, projetos de infraestrutura essenciais etc. – para estreitar ainda mais a cooperação e a ampla flexibilidade e adaptabilidade da ICR torna-se decisiva no contexto geopolítico atual.
O caminho das capivaras está cheio de perigos, mas o desafio é insistir na tarefa de achar o rumo certo para o desenvolvimento e a prosperidade.
(*) Javier Vadell é professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e doutor em Relações Internacionais