A semana promete ser de grande tensão em Israel. Os Estados Unidos continuam a pressionar o país a buscar alternativas para não levar adiante a incursão em Rafah. Além disso, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu sofre novas pressões internas por parte dos familiares dos reféns mantidos pelo Hamas, que se uniram às manifestações pedindo novas eleições, e também a partir de uma decisão da Suprema Corte de Israel, que pode provocar a maior crise política do governo desde a sua posse, no final de 2022.
Ao mesmo tempo, um relatório que tem o apoio da ONU aponta uma situação de fome iminente na Faixa de Gaza. O estudo produzido pelo IPC (sigla em inglês para Classificação da Fase de Segurança Alimentar Integrada) alerta para o risco de fome na Faixa de Gaza até o final de maio de 2024, caso não haja uma cessão imediata dos combates no território. O documento também afirma que a fome é iminente no norte de Gaza, e deve ocorrer a qualquer momento entre meados de março e maio deste ano. O relatório também pede a Israel para fornecer os bens e serviços essenciais à população.
Ainda segundo o IPC, o cenário mais provável é que tanto a região mais ao norte de Gaza quanto a Cidade de Gaza estejam classificadas em estágio de fome, com provas razoáveis, e que 70% da população estejam em situação de catástrofe.
Já ao sul, Deir al-Balah, Khan Yunis e Rafah são classificadas em situação de emergência. No entanto, caso a guerra continue, as três cidades devem enfrentar o risco de fome até o mês de julho deste ano.
Posição de Israel
Israel rejeita as acusações. O Cogat, a entidade israelense responsável pelos assuntos civis nos territórios palestinos, respondeu que há erros graves no relatório do IPC, inclusive menção a dados falsos relativos à quantidade de água disponível por habitante. Segundo Israel, o documento foi produzido a partir de informações fornecidas pelo Hamas, o grupo palestino que luta para destruir.
“Rejeitamos completamente quaisquer alegações segundo as quais Israel está matando de fome propositadamente a população civil em Gaza”, diz a resposta.
A entidade também tem publicado fotos de armazéns repletos de ajuda humanitária, em especial de comida, e acusa a ONU e outras organizações de não distribuí-la. Israel defende que o processo de distribuição é tão importante quanto a permissão que concede para a entrada de alimentos no território palestino.
“Mesmo no auge das hostilidades, numa guerra que nos foi imposta, Israel não determina limites à quantidade de ajuda que pode entrar em Gaza e não limita de forma alguma o acesso a alimentos. Israel também facilita a entrada de produtos complementares como gás de cozinha e óleo diesel para o funcionamento dos centros de socorro, padarias, etc. Além disso, 14 milhões de litros de água são fornecidos por Israel”, completa o texto divulgado pelo Cogat.
Operação em Rafah
Em coletiva de imprensa, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que o exército está pronto para retirar a população civil, distribuir ajuda humanitária e atuar em Rafah. Mas a situação não é exatamente simples.
O processo de retirada dos cerca de 1,5 milhão de palestinos que se encontram na cidade deve levar pelo menos três semanas, segundo as informações obtidas pela RFI.
Há também uma oposição firme por parte dos Estados Unidos, que aceitam alguma forma de operação, mas não a incursão total.
De acordo com a TV pública israelense, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA transmitiu oficiais de Israel a posição do país: o general Charles Brown Jr. teria deixado claro que os norte-americanos não irão aceitar a morte de civis em massa em Rafah.
E apresentou uma proposta alternativa: o aumento da segurança na fronteira entre Gaza e Egito de forma a impedir o contrabando de armas ao território palestino, o isolamento da cidade de Rafah, e o lançamento de ataques pontuais por Israel. Os EUA também poderiam estabelecer uma sala de controle conjunta com os israelenses para coordenar operações específicas.
Este teria sido o plano apresentado pelos norte-americanos a Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel, que esteve em Washington na última semana. Nos próximos dias, uma nova delegação do país deve sair daqui rumo à Casa Branca para novas conversas sobre os planos que podem ser colocados em prática em Rafah.
Netanyahu segue mais pressionado do que nunca
Além dos familiares dos reféns sequestrados que agora se juntaram de vez às manifestações que pedem novas eleições e a substituição de Netanyahu, o premiê enfrenta um problema político sério que ameaça a unidade da coalizão de governo.
Isso porque a Suprema Corte decidiu negar o pedido de Benjamin Netanyahu e ele não vai ter mais prazo para redigir a nova Lei de Alistamento militar, que, segundo os juízes israelenses, deve ser redigida de forma solucionar a desigualdade no processo de recrutamento entre judeus laicos e das demais linhas religiosas e judeus ultraortodoxos.
Como primeira medida, a Corte ordenou o fim do repasse de recursos financeiros a todas as yeshivót, escolas de estudo da torá (o livro sagrado dos judeus), cujos alunos não se alistem no exército. O fim do repasse se inicia já nesta segunda-feira (01/04). Os jovens judeus ultraortodoxos em idade de serviço militar também não têm mais qualquer cobertura legal e devem ser recrutados pelo exército.
Segundo a lei atual, os judeus ultraortodoxos, cerca de 13,5% da população, estão isentos do serviço militar a partir dos 26 anos. Ou seja, eles permanecem estudando em yeshivót entre os 18 anos – quando deveriam iniciar o serviço militar – até alcançarem a idade de isenção.
A coalizão liderada por Netanyahu passa a correr riscos. Das 120 cadeiras do Knesset, o parlamento israelense, o governo se sustenta graças às 64 cadeiras dos partidos que apoiam o primeiro-ministro.
Dois partidos ultraortodoxos estão na coalizão: o Shas, que tem 11 cadeiras, e o Judaísmo Unidos da Torá, com sete. Até agora, eles ainda não tomaram qualquer decisão sobre abandonar o governo, mas esta é a maior crise política enfrentada pela coalizão desde a posse, no final de 2022.
Se os dois partidos optarem por romper a aliança com Netanyahu como forma de protesto contra a suprema corte, o governo vai perder a maioria mínima exigida de 61 cadeiras no parlamento, abrindo caminho para novas eleições.