Com o fim dos regimes militares na América do Sul, Peru, Argentina, Chile, Uruguai e Brasil aprovaram leis de anistia. O Brasil é o único país que até agora não reviu esta legislação, aprovada em 1979, há exatos 30 anos.
Isso se explica pela maneira como ocorreu o processo de transição democrática e pelos apelos da sociedade, explicam o cientista político Rodrigo Stumpf González e a vice-presidente da ONG Tortura Nunca Mais, Elizabeth Silveira e Silva.
“Na época, era o que dava para fazer. Foi bom, pois tirou muita gente da cadeia, mas ficou capenga [a lei]”, disse Elizabeth ao Opera Mundi. Ela defende um processo de releitura da Lei de Anistia, que beneficiou tanto os ativistas que enfrentaram o regime como os militares que participaram de torturas.
“Isso [o diferente tratamento entre os países] pode ser atribuído, entre outros fatores, ao fato de que a transição brasileira se deu de forma menos traumática, sem a ruptura que houve na Argentina. Desde a metade dos anos 70, preparava-se o processo de redemocratização através da distensão e da abertura, afirmou González, autor de uma pesquisa sobre direitos humanos na América Latina feita na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
O pesquisador explica que a transição nos outros países acabou se dando de forma menos elitizada que no Brasil e acompanhada de mobilizações populares, para exigir a apuração das atrocidades do regime militar e a punição dos culpados.
O processo de abertura política começou mais cedo no Brasil, mas foi mais lento que nos países da região, além de ter sido controlado por militares, argumenta o pesquisador.
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Países do Cone Sul reveem impunidade para repressores, ao contrário do Brasil
No Brasil, as violações mais graves cometidas pela repressão aconteceram durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici (outubro de 1969 até março de 1974).
Em 1976, quando a repressão já começava a ficar menos pesada no Brasil, a Argentina sofreu mais um golpe militar – o primeiro deles, que deu início à ditadura, ocorreu em 1962, quando militares derrubaram o governo de Arturo Frondizi, e foi seguido de outros. No Chile, o regime militar começou quando o presidente Salvador Allende foi derrubado, no dia 11 de setembro de 1973, e substituído pelo general Augusto Pinochet. No mesmo ano, Juan Maria Bordaberry, com o apoio das Forças Armadas, assumiu o poder no Uruguai.
Processos
Segundo a representante da ONG Tortura Nunca Mais, a escassez de documentos sobre aquele período e a impunidade dos repressores só se mantêm no Brasil porque não houve mobilização popular, ao contrário do que ocorreu nos países do Cone Sul.
No Chile, a abertura de ações judiciais contra o general Pinochet e a investigação sobre a “Caravana da Morte” foram iniciadas há dez anos, pouco depois do fim da ditadura, em 1990. A caravana foi uma ação planejada pelo governo para “apressar o julgamento de presos políticos de esquerda”, que aconteceu em outubro de 1973 e matou aproximadamente 70 pessoas.
Na Argentina, os processos contra o general Videla e outros oficiais, pelo desaparecimento e tráfico de crianças no período ditatorial, além da investigação da Operação Condor e o reconhecimento da morte de militantes políticos desaparecidos, estão em curso há mais de duas décadas.
A situação argentina se caracteriza hoje mais pelos processos contra os repressores do que pelos pedidos de indenizações, concedidas durante o governo do presidente Carlos Menem, em 1989, quando foi decretado o indulto tanto para repressores como para guerrilheiros.
“O reconhecimento da responsabilidade do Estado é um fato político relevante, uma vez que é um passo necessário para a construção de uma mentalidade democrática que repudie este tipo de procedimento”, avaliou Rodrigo Stumpf González. Assim como Elizabeth, ele acredita que a punição evitará que torturas cometidas no passado sejam praticadas novamente.
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