A sigla Bric para unir as economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia e China – que devem estar na primeira divisão da economia mundial daqui algumas décadas – é apenas uma roupagem mercadológica e não anula as profundas diferenças entre esses países, afirmaram analistas ouvidos pelo Opera Mundi no fórum da revista The Economist em São Paulo. Para eles, as futuras potências só têm em comum o fato de contarem com um grande mercado interno e de terem perspectivas de atraírem os holofotes da economia global.
Especialista em Brics (sigla criada pelo banco de investimento Goldman Sachs para se referir aos grandes países emergentes), o professor Aldemir Drummond, da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, afirma que, em termos econômicos, o Brasil é o último desses países a realmente merecer o status de grande economia emergente.
“A China pode mover sua indústria de forma que cresça 8% ao ano. A Índia notou muito antes a importância do desenvolvimento de novas tecnologias. A Rússia tem um espólio antigo, é uma potência bélica e tem reservas de commodities absurdas. O Brasil não tinha nada disso e só agora está merecendo ser reconhecido por aquilo que pode vir a ser”, disse ele durante um dos debates promovidos pela revista nesta quarta-feira (21).
O Brasil também conta com um problema que o distingue dos demais, segundo Drummond: o alto nível de violência. “Posso não saber o nível exato de criminalidade nos outros países desse grupo, mas aqui essa nuance tem mais notoriedade. Isso pode não afetar a perspectiva das empresas de virem para cá, mas certamente influencia o ânimo dos indivíduos. Por conta disso, um executivo importante que seria a melhor escolha para gerenciar operações no Brasil pode não aceitar vir. Isso pesa”, avalia.
Reitor da Escola de Administração Cheung Kong, em Pequim, o professor Xiang Bing afirma que a China tem uma economia mais complexa que a brasileira, mas ainda está engatinhando no setor de tecnologia de ponta, no qual a Índia já está à frente dos demais emergentes. “Somos muito bons para fazer isqueiros, gravatas ou coisas que exigem maquinaria pesada, mas na área de tecnologia ainda estamos nos consolidando”, disse.
Questionado sobre se faz diferença para os investidores a perspectiva de pouca intervenção estatal, ao contrário do que acontece na China, Xiang afirmou que o governo do país asiático promove investimentos mais do que os dos outros emergentes, mas que não há uma única receita para ascender à elite da economia mundial – hoje o PIB chinês é o quarto maior do mundo.
“Esses países chegaram ao nível que chegaram mesmo com propostas diferentes de aproximação econômica e todos têm o que ensinar aos outros, até porque ainda somos muito diferentes e impomos dificuldades diferentes para os investidores que querem nos conhecer melhor, em especial os americanos e os europeus”, afirmou. O Brasil, por exemplo, tem um sistema financeiro mais incrementado, algo que a China um dia poderá vir a ter – porque temos muitos bancos estatais e raras agências de bancos estrangeiros.
Identidade
Executivo da Wipro Technologies, o indiano Manoj Punja afirma que Brasil e Índia têm mais identidade cultural, porque são duas das maiores democracias representativas do mundo. Mas o nível de investimentos em educação por aqui impede o país de alcançar o nível de sucesso que os indianos obtiveram no desenvolvimento do setor de tecnologia. “Há 40 anos, Brasil e Coréia do Sul estavam quase no mesmo nível. Enquanto eles investiram em educação, e a Índia se esforçou para fazer o mesmo, o Brasil perdeu tempo”, compara.
Punja afirma que a corrupção, tida como um dos principais problemas brasileiros, não chega a afetar as perspectivas de investimento como acontece na Rússia. “Um empresário em Moscou tem mais medo de algumas autoridades do que teria em uma praia do Rio de Janeiro”, brincou. “Há empresas que levam em conta a possibilidade de subornar gente dos governos para conseguir o que querem. Isso acontece em todos os Brics. Mas em uns lugares há mais essa sensação do que em outros”, diz.
No aspecto diplomático, há também profundas diferenças entre eles, de acordo com os especialistas. Enquanto China e Rússia já são potências militares, com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, Índia e Brasil (único do clube que não conta com armas nucleares) ainda se ajeitam no cenário global. “A percepção de importância dos países não é descolada desse aspecto”, afirma Xiang. “Nisso vocês estão na frente: pelo menos por aqui não há nem sequer perspectiva de guerras, enquanto os outros Brics têm de levar esse risco a sério”.
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